quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Filme: Ao Encontro de Mr. Banks (2014)

Não obstante a boa direcção de John Lee Hancock e a importância do ícone Mary Poppins, Ao Encontro de Mr. Banks depende da excelente actuação de Emma Thompson para dar um sentido mais apurado a uma história marcada por alguma frivolidade. 

Após uma promessa às suas filhas, Walt Disney (Tom Hanks) procura obter os direitos cinematográficos de Mary Poppins da irredutível Pamela "P. L." Travers (Emma Thompson). Durante 20 anos, Pamela recusa qualquer negociação, mas quando as suas finanças começam a deteriorar-se, Pamela aceita viajar até Los Angeles para se inteirar da adaptação que Walt Disney pretende fazer da sua criação literária.

Ao Encontro de Mr. Banks pode prototipicamente apresentar-se como a história por detrás da produção do clássico filme da Disney Mary Poppins; na essência, todavia, a verdadeira narrativa a veicular este filme de John Lee Hancock é tão elementar quanto a relação de uma filha com o seu pai moribundo. A temática não é nova, mas revela-se peculiar por se intimamente relacionar com a criação de uma das personagens mais icónicas de sempre. Enquanto, em Los Angeles, Pamela "P. L." Travers é confrontada pela equipa de Walt Disney com uma visão da sua personagem que em nada se coaduna com o que lhe veio à imaginação, Pamela é confrontada na sua memória com o período mais difícil da sua infância. A Mary Poppins que Pamela conhece é despida de toda a magia que lhe outorgou na sua escrita; esta “verdadeira” Mary Poppins – que era na realidade a sua tia Ellie – não possui nenhum dos invulgares poderes que, na escrita, Poppins usou para salvar o Mr. Banks. Tal como Poppins, a tia Ellie chegou subitamente para responder aos apelos de uma família em desespero; no entanto, Ellie não conseguiu evitar o pior desfecho para Travers Goff, o pai de Pamela.

As histórias de Mary Poppins são a tentativa de Pamela de reescrever a tragédia que abalou a sua infância. A ideia de que Walt Disney pretende transformar a sua história num musical abala-a e choca-a profundamente. Pamela descarta quase todas as ideias da equipa de Walt Disney ao ponto de enlouquecer todas as pessoas envolvidas na pré-produção. O único que não é demovido pela obstinação de Pamela é o próprio Walt Disney, cujo, concomitante com uma infância triste, tudo faz para provar que a história de Mary Poppins não perderá nenhuma da sua essência e que irá ao encontro da salvação literária que Pamela guardou durante tantos anos para o seu pai. O contraponto que John Lee Hancock faz entre a infância de Pamela e a sua breve passagem por Los Angeles contribui para frisar a relação entre as experiências de Pamela com Poppins e dessa Poppins com a Poppins da Disney. Sem este constante confronto, Pamela Travers passaria por uma escritora de meia-idade marcada por teimosias e rabugices indecifráveis. 

Emma Thompson é brilhante enquanto Pamela Travers, construindo uma personagem com inúmeros maneirismos, em quem o não, embora verbalmente fácil de conciliar, permite vislumbrar um conflito, uma solidão e uma saudade internas de enternecer. Esta Pamela é incrivelmente diferente daquela que a surpreendente Annie Rose Buckley interpreta na infância, com Thompson a transparecer em todos os momentos a dor que a pequena Pamela, então Helen Goff, sentiu e nunca deixou de sentir com a perda do seu pai. Ainda no campo da representação, Tom Hanks encarna fantasticamente a personalidade forte e excêntrica de Walt Disney.

A realização de John Lee Hancock é segura e encontra um bom balanço entre a infância de Pamela na mais calma e paisagística Austrália e o período na vibrante Los Angeles. Não obstante, Ao Encontro de Mr. Banks pode passar uma imagem de exagerada e intencional propaganda ao império da Disney. A viagem de Pamela à Disneylândia com o próprio Walt é um exemplar momento, maioritariamente inconsequente para a narrativa, em que o filme se bate no limiar da propaganda deliberada. A música do sempre ponderado Thomas Newman volta a maravilhar e a engradecer as imagens que apadrinha, entregando força adicional à prestação visual de Emma Thompson.


Ao Encontro de Mr. Banks, ora com momentos de reflexão sobre a temática da paternalidade, ora com momentos de diversão suportados nos trejeitos e na inflexão cómica de Emma Thompson, é um filme interessante que, se não causar desbarato pela disneyzação abundante, cativa pela beleza da história de pano de fundo.   

CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas


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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Filme: Golpada Americana (2014)

David O. Russell tem com Golpada Americana outra excelsa demonstração da sua extraordinária capacidade para reunir e tirar o melhor proveito de um elenco. Embora a narrativa de Golpada Americana não se preconize pela perfeição, o filme não deixa de surpreender e de fascinar.

Em 1978, os vigaristas e amantes Irving Rosenfeld (Christian Bale) e Sydney Prosser (Amy Adams) são apanhados em flagrante delito pelo agente do FBI Richard "Richie" DiMaso (Bradley Cooper). DiMaso promete a Irving e a Sydney a liberdade se foram capazes de lhe trazer quatro prisões. Irving e Sydney escolhem o Mayor Carmine Polito (Jeremy Renner) como alvo do seu derradeiro golpe. Contudo, Rosalyn (Jennifer Lawrence), a mulher lunática de Irving, e a desconfiança mútua podem custar-lhes caro.

Golpada Americana agarra-se ao feeling de uma sociedade americana de finais de anos setenta, pós crise energética mundial, para construir paulatinamente um enredo exuberante, excêntrico e hilariante que coloca a audiência em suspensão e incerteza sobre os passos que se vão suceder. O intento final de cada personagem raramente é intencionalmente banhado por clareza, perdurando-se e sustentando-se a sensação de que o jogo de gato e rato entre tantos cenários alternativos possíveis é para ser concluído em concerto com a omnipotente ironia que determina toda a narrativa. Num mundo onde a trapacice, mais do que um meio de sobrevivência, é um estilo de vida, e onde cada um consente consideráveis esforços para levar a melhor sobre o outro, o intento final do filme é, quiçá, dar a golpada final no espectador com uma reviravolta derradeira sobre os acontecimentos da narrativa. Se sucede ou não, dependerá da expectativa de cada qual, da sua maior ou menor atenção ao detalhe.           

O golpe de Golpada Americana é essencialmente explicado ao espectador via narração, apostando na força visual e no diálogo para a elucidação pontual do enredo. A primeira parte de Golpada Americana apresenta-se, causalmente, demasiado expositiva, podendo alienar alguma da atenção necessária. Quando a sua veia expositiva não pulsa tão fortemente, Golpada Americana surpreende com o carácter mais íntimo das suas personagens, debruçando igualmente o filme sobre a qualidade e a veracidade do vínculo interpessoal. Este é uma particularidade importante para a validação de Golpada Americana, apresentando a ideia de que uma trama, por mais que ideada e preparada, pode ruir a qualquer momento por obra de um sentido pessoal mais pobre. Rosalyn é a principal cartada incerta, mas as restantes personagens também não são de sólida confiança e podem a qualquer momento atraiçoar o golpe ou as pessoas mais próximas. 

David O. Russell parece genuinamente divertido e motivado na sua realização. A sua câmara acompanha a narrativa com deslumbramento, maravilhando-se no guarda-roupa e na extravagância geral dos anos setenta. Não espantam, pois, os diversos planos que parecem reintroduzir repetidas vezes as personagens através de fumos, de luzes e de novos cenários. David O. Russell também não teme intervalar a sua narrativa com momentos de descontracção, como o são a cómica sequência inicial em que Irving arranja o seu cabelo ou a sequência alucinada em que Rosalyn interpreta uma famosa música de Paul McCartney e dos Wings.

David O. Russell prova-se uma vez mais ágil e apto para a condução do seu elenco. Este é, sem sombra de dúvidas, um elenco de luxo; não obstante, o realizador americano mostra-se capaz de elevar as potencialidades dos seus actores. São incríveis as actuações de Golpada Americana e não parece justo destacar uma das restantes; todavia, é mais injusto não reforçar a qualidade dos desempenhos de Christian Bale, Amy Adams, Bradley Cooper e Jennifer Lawrence. A transformação física de Bale é quase ela uma personagem com mérito por si mesma, mas Bale não se fica simplesmente pelo alcance visual do seu trabalho. Adams, femme fatale, bela e fabulosa, não desbarata nenhuma oportunidade para manifestar toda a sua qualidade. Cooper é a interpretação que mais sentimentos opostos pode provocar, mas é algo que resulta obrigatoriamente da essência delirante do seu Richie DiMaso. Lawrence interpreta a personagem que surge com maior aleatoriedade na narrativa, uma Rosalyn que se aparenta pouco esperta e desinteressada, num mundo à parte em que só ela existe e importa; contudo, Lawrence vende-a a peso de ouro com incrível facilidade, com toda a sensualidade e delírio que já lhe são conhecidos.

Golpada Americana não passa a perna ao espectador, nem se vende por menos. Como se apresenta é como é, com toda a sua excentricidade, exposição e agitação. A sua recepção pela audiência depende da naturalidade com que a sua narrativa for permitida, com repudio pela barafunda ou elogio pela intencionada vaguidade moral. A opinião aqui é que a abordagem de Golpada Americana, embora as suas imperfeições, deveras resulta e não deixa nada nem ninguém indiferente.

CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Filme: O Clube de Dallas (2014)

O Clube de Dallas é uma narrativa interessante e importante que não está sem as suas falhas, contando com duas brilhantes actuações de Matthew McConaughey e Jared Leto para se provar uma agradável surpresa. 

Em Dallas, 1985, Ron Woodroof (Matthew McConaughey), um electricista, é diagnosticado com o vírus da Sida e com apenas trinta dias para viver. Ron recorre a um medicamento experimental para prolongar a sua vida, mas quando os efeitos secundários trazem complicações, Ron decide atravessar a fronteira mexicana para experimentar um medicamento alternativo. Ron melhora e decide trazer o medicamento para a sua terra, onde, com o seu amigo Rayon (Jared Leto), forma um clube destinado a ajudar outros na mesma enferma situação.

Após vinte anos à espera no papel, a história de luta e da força de sobrevivência de Ron Woodroof ganha finalmente vida em O Clube de Dallas pelas mãos de Jean-Marc Vallée. O filme não é um de paixão imediata; a sua narrativa não é engrandecedora, nem extravagante. Não tem um momento de êxtase claro; antes, é um trabalho estritamente linear que doutrina sem opinar, que acusa sem apontar. A batalha de Ron contra o vírus da Sida, a sentença médica e o sistema farmacêutico é interessante, mas é a sua transformação moral e a sua eventual aceitação das múltiplas condições sociais que dita a qualidade de O Clube de Dallas. Com os pés de volta à terra após o diagnóstico da doença e a consequente marginalização social, Ron deixa cair a sua homofobia, começando a compreender e a aceitar aqueles a quem passa a ser comparado.

Ron faz o necessário para sobreviver por mais tempo que aquilo que lhe foi formalmente comunicado. Os trinta dias transformam-se em meses e os meses em anos. Habituado aos rodeos onde arriscar é indispensável, Ron vai à procura de um tratamento alternativo, viajando até ao México e até outros países para trazer medicamentos não aprovados, ou mesmo ilegalizados, nos Estados Unidos. É neste contexto que surge o Clube de Dallas, um clube de automedicação que proporciona tratamentos alternativos àqueles afligidos pelo vírus da imunodeficiência. É igualmente aqui que Ron conhece e aprende a aceitar Rayon, alguém que representa tudo aquilo que Ron, no passado, no seu grupo, tratava com escárnio. O Clube de Dallas é tanto sobre a crítica política e social como sobre uma transformação moral que, embora alimentada pela circunstância, não carece de menor enaltecimento.

Matthew McConaughey e Jared Leto, fisicamente dedicados, oferecem duas interpretações memoráveis e carregam O Clube de Dallas nos ombros. Matthew McConaughey tem, discutivelmente, o melhor desempenho da sua carreira; uma transformação física considerável que se conjuga com a recriação notável de Ron Woodroof com maneirismos e idiossincrasias cativantes. A prestação de Matthew McConaughey é poderosa, emocionante e transformadora. Jared Leto é analogamente impressionante. O seu habitual ar de descontraído rockstar desaparece completamente debaixo da personagem ostentosa e maravilhosa de Rayon. A qualidade da interpretação de Jared Leto é total quando Rayon, vestido num fato de homem, parece completamente estranho e desajustado.     

Estas duas actuações elevam um filme que, com menor intensidade e qualidade interpretativa, poderia cair na armadilha da banalidade. Não que a história não seja suficientemente válida para se justificar a si mesma; puramente, a forma como é tratada e decomposta nas suas partes é demasiado corriqueira para se destacar de semelhantes diligências. Jean-Marc Vallée faz um bom trabalho atrás da câmara e a sua realização não é de forma alguma inferior; cresce, todavia, a sensação de que O Clube de Dallas, como um todo, não está ao nível das louváveis interpretações dos seus protagonistas, inevitavelmente maiores que o próprio filme. O que quer que esteja em falta – quiçá uma mais robusta e tocante sensação da exclusão social que Ron Woodroof experiencia – não descredibiliza este trabalho. Nem o torna menos obrigatório. Como é, O Clube de Dallas é já uma conquista. 

CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


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quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Filme: O Lobo de Wall Street (2014)

O Lobo de Wall Street é um instantâneo clássico americano que peca apenas por uma conclusão menor e que encontra o realizador Martin Scorsese e o argumentista Terence Winter em boa forma. Ainda que longo, nunca desbarata o seu interesse.

Aos 22 anos, Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio) decide fazer dinheiro, muito dinheiro. Jordan chega a Wall Street e torna-se num corretor de bolsa. Quando a empresa onde trabalha fecha as portas após a segunda-feira negra de 1987, Jordan encontra trabalho num centro de investimentos para acções pequenas e sem valor que lhe garantem comissões elevadas. Jordan vê uma oportunidade para fazer todo o dinheiro que sempre desejou e cria a Stratton Oakmont com Donnie Azoff (Jonah Hill). Rapidamente, a Stratton Oakmont torna-se numa grande empresa e Jordan fica milionário. Mas a súbita e não transparente valorização da empresa colocará o FBI à perna e a fortuna de Jordan em risco.

O Lobo de Wall Street continua a senda de sucesso de Martin Scorsese com um trabalho vigoroso, com bom ritmo e energia, não obstante a longa duração. À sua maneira uma representação do clássico sonho americano, onde a superação pessoal e financeira impera, a atracção pela inacreditável história de Jordan Belfort por parte Martin Scorsese é óbvia desde o primeiro minuto. Martin Scorsese mostra um enorme prazer na construção do império financeiro de Jordan Belfort, regalando-se no luxo e no deboche, e um regozijo superior na sua desconstrução monumental e alucinante, renunciando no seu toque de humor negro à ideia de um sonho americano erigido no pesadelo do comum mortal. O que vai, volta, e Martin Scorsese nunca perde sentido dessa máxima, dando sempre ideia, mesmo nos momentos de maior triunfo de Jordan Belfort, de que tudo irá ruir, como tem que ruir, de uma maneira ou de outra, com mais ou menos sobreaviso. A diversão do filme reside precisamente nesta sempre presente percepção e o proveito do espectador na sua vontade para se largar e se deixar levar na viagem vertiginosa e a espaços surreal do mestre Martin Scorsese.     

Terence Winter arquitecta um argumento inteligente, perspicaz e humorístico à volta da biografia The Wolf of Wall Street do próprio Jordan Belfort. Não é possível dizer quanto da história é real, quanto resulta do natural exagero cinematográfico; certo é que Terence Winter, habituado à autonomia televisiva em trabalhos como Boardwalk Empire ou Os Sopranos, não olha a meias medidas, não se coíbe nem se deixa impressionar. O que resulta é uma narrativa natural, fluida e memorável que Martin Scorsese amplifica com a montagem metódica de Thelma Schoonmaker, a narração jovial, tongue-in-cheek, omnisciente e omnipresente de Leonardo DiCaprio e a selecção musical vibrante, permitindo que os momentos de depravação no papel se transformem em estupendos festins visuais de fazer rir a bandeiras despregadas.

O elenco de O Lobo de Wall Street mostra-se confiante e à-vontade no meio de toda a depravação, do sexo, do álcool e das drogas e de toda imoralidade da actividade ilícita da Stratton Oakmont. Leonardo DiCaprio encaixa como uma mão numa luva no papel de Jordan Belfort, mesmo quando é difícil acreditar na sua proposta jovialidade na primeira metade do filme. Tal como em O Grande Gastby, Leonardo DiCaprio interpreta um jovem milionário dado aos grandes gastos, à superfluidade e à diversão, mas agora, enquanto Jordan Belfort, com o poder para persuadir e para proferir encorajadores e ovacionáveis discursos. Jonah Hill é igualmente fantástico no papel de Donnie Azoff, dividindo, ou mesmo rivalizando, os momentos de loucura com a personagem de Leonardo DiCaprio.     

A falha de O Lobo de Wall Street surge no acto final. Sem a mesma garra e naturalidade que o que lhe antecede, esta conclusão não partilha a toada estabelecida. Considerando os rumores que diziam que o filme não estaria pronto a tempo da data de estreia inicialmente planeada, sobeja a ideia de que Martin Scorsese apressou o seu trabalho para uma estreia a tempo da época de prémios. Com efeito, este acto final é um acto visivelmente menor, menos ponderado, que falha em fechar a narrativa no tom e no tempo apropriado, desarranjando até certo ponto o que é, de resto, um instantâneo clássico americano e clássico Scorsese.

CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


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sábado, 4 de janeiro de 2014

TOP 10 - 2013

Segundo o calendário de estreias em Portugal, eis o Top 10 do Terceiro Take dos melhores filmes (revistos aqui) de 2013:




«Bestas do Sul Selvagem é um trabalho ímpar, deslumbrante e desassossegador. Colocando a condição humana sob uma lupa escrupulosa, analisa matérias relevantes e transmite uma extraordinária lição de vida. Uma viagem maravilhosa.» 



«A Vida de Adèle, do franco-tunisino Abdellatif Kechiche, é um extraordinário trabalho de exploração do carácter, da sexualidade e da transição da fase adolescente para a fase adulta, onde Adèle Exarchopoulos tem um desempenho memorável. Um dos filmes do ano.»



«A viagem ao Espaço de Gravidade é uma experiência fabulosa e deslumbrante que absorve e impressiona. Ímpar na ambição e na execução, pode muito bem ser a obra de referência de Alfonso Cuarón.»      



    «Tarantino torna-se com Django Libertado mestre completo do seu estilo e censurador admirável da vergonha humana. Django Libertado é uma história arrojada de impecável direcção, brilhantes actuações e sequências memoráveis.»



«A Propósito de Llewyn Davis é um filme que triunfa na abordagem simplista, na deslumbrante música e na interpretação excepcional de Oscar Isaac no papel principal. Os irmãos Coen têm outro êxito em mãos.»


   
      «Intenso, marcante e incomparável, 00:30 A – Hora Negra recria os eventos que levaram à captura do líder da Al-Qaeda de forma superior, adicionando uma índole pessoal que torna a notável história discutível e ousada.»



«Capitão Phillips transporta o espectador para o noticiado assalto pirata somali em 2009 com suspense, intensidade e respeito pela condição social. Tom Hanks mostra-se de regresso à plenitude do seu talento.»



«Blue Jasmine é o regresso de Woody Allen à boa forma. A sua caricatura social ganha outra camada com Blue Jasmine, onde apresenta uma personagem desequilibrada e moralmente comprometida interpretada de forma brilhante por Cate Blanchett.»



«Absolutamente hilariante e sagaz, A Gaiola Dourada é simultaneamente uma cómica representação e uma adequada comemoração dos costumes e das idoneidades portuguesas onde as probabilidades de familiaridade são elevadas.»



«Superior ao seu antecessor, O Hobbit: A Desolação de Smaug é uma aventura carregada de imparável acção pontuada pela bem-vinda introdução de novas (velhas) personagens. Smaug rouba o espectáculo deste que está mais próximo daquilo que é esperado de algo com o rótulo de O Senhor dos Anéis.»


sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Filme: 12 Anos Escravo (2014)

Adaptado da biografia Twelve Years a Slave de Solomon Northup, 12 Anos Escravo é um triunfo completo. Uma obra-prima de Steve McQueen, inspirada pelas brilhantes actuações de Chiwetel Ejiofor, de Michael Fassbender e de Lupita Nyong'o. Poderoso e incontornável! 

Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor) é um negro livre numa América pré-Guerra Civil dividida e ainda agarrada a desumanas tradições. Certo dia, sobre o pretexto de um novo trabalho, Solomon é raptado, vendido e transformado em escravo. Durante doze anos, passando por diferentes donos, árduos trabalhos e extensas plantações, Solomon tenta sobreviver às injustiças e à violência diária, sonhando pelo dia em que a liberdade voltará a si. 

12 Anos Escravo é um filme brilhante, uma lição para tempos vindouros sobre um dos grandes flagelos da humanidade. Através do olhar afligido de Solomon Northup, a escravatura é colocada à vista na sua forma mais crua, mais realística e mais chocante, sem pretensões de revoltas morais ou de heróis improváveis. O olhar é calmo, terrivelmente calmo, arrastando-se na mesma apatia dos subjugados, na mesma indolência dos subjugadores. Nem a beleza da natureza se reduz e se distrai na interpretação cinematográfica pelas mãos de Sean Bobbitt, mantendo-se indiferente e bela na sua congénita imperturbalidade aos agravos humanos. Tudo é indiferente à maldade perpetuada e mesmo homens de coração mais bondoso se retraem perante o peso e a autoridade da tradição. Steve McQueen captura esta indiferença de forma superior e a vergonha que a dureza das suas imagens provoca na audiência é mesclada na pavorosa constatação da hirteza que ainda tomará conta da História por mais uma centena de anos após os tempos tortuosos de Solomon Northup.  

Ainda que parco em acção, 12 Anos Escravo é provavelmente mais violento que um filme de guerra. Há cenas capazes de fazer virar o estômago; não completamente efeito da dureza das imagens (que são deveras duras e imperdoáveis), mas daquilo que representam sobre a capacidade e a inclinação para a selvajaria do carácter humano. Puxando barreiras, Steve McQueen não se coíbe nem filtra o seu olhar omnipresente; não é o seu estilo e causalmente 12 Anos Escravo sobe a um patamar artístico que muitos poucos, embora a força das suas histórias, conseguem alcançar. Steve McQueen segue a narrativa de modo amorfo, sem desnecessárias exposições e apresentações, saltando entre personagens, cenários e eventos com a leveza de um verdadeiro mestre da sua arte, no completo domínio das suas capacidades.

A história de Solomon Northup é suficientemente emocionante e horrível para construir algo com valor cinematográfico, mas o leque de brilhantes interpretações dá-lhe um toque extra de qualidade e personalidade que a torna inesquecível. Chiwetel Ejiofor é incrível, comovedor e suavemente heróico na sua interpretação de Solomon. Michael Fassbender, noutro grande registo da sua carreira, é profundamente hipnotizante no seu papel de irremissível e bruto esclavagista. A estreante Lupita Nyong'o, enquanto a consideravelmente maltratada Patsey, apresenta-se numa impressionante tour-de-force; Lupita Nyong'o é uma agradável revelação. O restante elenco, com mais ou menos tempo de ecrã, exibe-se em bom plano, com destaque para Benedict Cumberbatch e Sarah Paulson. 


Steve McQueen rodeia-se de valores de produção de alta qualidade para construir o melhor filme da sua carreira. No plano da música, Hans Zimmer oferece um dos seus melhores trabalhos, uma banda sonora que se encaixa com perfeição quer nos momentos cortantes, quer nos momentos emocionantes. A fotografia equilibrada de Sean Bobbitt, a montagem meticulosa de Joe Walker e o argumento escrupuloso de John Ridley são outros pontos fortes. Usando a crueldade de Fome e a impudência de Vergonha, Steve McQueen constrói um filme ainda mais visceral e de visualização mais difícil e indispensável; é-lhe certamente o trabalho mais próximo e a sua imaginável e definidora obra-prima.

CLASSIFICAÇÃO: 5 em 5 estrelas


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