quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Filme: Trip de Família (2013)

Longo e estereotípico, e renunciando qualquer perspectiva moralizante, Trip de Família é outra comédia americana de Verão que se rege pelos mínimos para satisfazer uma audiência desinteressada.

Quando David Clark (Jason Sudeikis), um traficante local pela meia-idade, perde todo o seu depósito e todo o seu dinheiro amealhado num assalto evitável, David vê-se em maus lençóis perante o seu chefe. Para dar a volta à situação, Clark aceita viajar até ao México para transportar um depósito de droga para os Estados Unidos. Para passar a fronteira em segurança, Clark decide criar uma família falsa: os Millers. Contudo, a travessia não será tão tranquila quanto Clark supõe.

Trip de Família nunca chega a exceder as expectativas mínimas a que o espectador já se acostumou a rodear perante tão habituais comédias americanas de Verão cujo mero intuito, entre algumas situações forçadas e algumas situações improváveis, é o de levantar um pequeno sorriso. Seguindo um caminho formulista, Trip de Família introduz uma problemática comum – neste caso, as contrariedades de dois adultos pela meia-idade sem qualquer estatuto ou aspiração social e as dificuldades de dois adolescentes sem protecção familiar – para elaborar uma narrativa a espaços agradável, contudo maioritariamente estapafúrdia e ilógica, onde as paragens na estrada imperam por nenhuma razão em especial. Tendencialmente ofensivo, a comédia, que a dupla Bob Fisher e Steve Faber assina, não se salva de alguma inclinação xenófoba no tratamento da envolvência mexicana e do seu povo. O preconceito demonstrado é inteiramente evitável e não deve ser desconsiderado em obséquio da comédia fácil. Nem deve a típica ponderação dramática e moral no último acto servir de expiação ou descanso.   

Mas nem tudo é integralmente mau em Trip de Família. Há uma cómica actuação de Nick Offerman e de Kathryn Hahn enquanto o casal Fitzgerald, contrabalançado, durante o tempo em que o casal está presente, a prestação distante e desinteressada de Jason Sudeikis e de Jennifer Aniston, o primeiro a apresentar-se sem critério e a segunda a pavonear-se por conveniência da sua formosura física. Will Poulter, como Kenny Rossmore, aparece à mistura como o bobo da festa, a quem os mais inverosímeis infortúnios sucedem; Emma Roberts, como Casey Mathis, a rebelde de serviço, cumpre o suficiente para não tornar Mathis completamente esquecível. Enquanto uma família de fachada onde a qualidade relacional deve sofrer necessárias dinâmicas, as interacções entre Sudeikis, Aniston, Poulter e Roberts mantém-se relativamente inalteradas do início ao fim, abdicando na maioria de situações conflituosas e criando ab initio cumplicidades afectivas.


O trabalho do realizador Rawson Marshall Thurber é, na soma das partes, desinspirado. Marshall Thurber perde tempo e insiste demasiado em cenas de humor que, no seu processo de montagem com Michael L. Sale, certamente considerou mais engraçadas do que efectivamente se revelam ao espectador, perdas de tempo que globalmente prolongam o filme além do sadiamente ideal. No conjunto, Trip de Família não diverte muito, mas não é completamente desprovido de comicidade e de uma ou outra sequência admissivelmente hilariante; não são, no entanto, em número e qualidade suficiente para colmatar as limitações de um argumento pobre e sem espírito.    

CLASSIFICAÇÃO: 2 em 5 estrelas


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terça-feira, 27 de agosto de 2013

Filme: A Gaiola Dourada (2013)

Absolutamente hilariante e sagaz, A Gaiola Dourada é simultaneamente uma cómica representação e uma adequada comemoração dos costumes e das idoneidades portuguesas onde as probabilidades de familiaridade são elevadas.     

Quando Maria (Rita Blanco) e José Ribeiro (Joaquim de Almeida), dois emigrantes portugueses a viver em França, descobrem que herdaram uma quinta da família no Norte de Portugal, têm que decidir pelo regresso à casa-mãe ou pela permanência no país acolhedor. O que Maria e José não imaginam, no entanto, é que o começo de um mexerico colocará toda a vizinhança em polvoroso, levando-os a avaliar toda a sua vida e todo o seu trabalho enquanto emigrantes.

Intrinsecamente português, A Gaiola Dourada é, antes de mais, uma brilhante e inteligente comédia expedita que nunca perde o timing do seu humor e a perspicácia das suas referências culturais. Mas é, tal-qualmente, não obstante a sua intenção primordial de entreter e causar boa disposição, uma sentida e sábia homenagem ao emigrante português e à sua constante luta em terras estrangeiras. É um tributo aos incontáveis sonhos e esperanças que corajosas gerações viram esbarrar em paredes de agressividade cultural e estratificação social; é um necessário reconhecer da marcante posição que tais gerações ocuparam em terras desconhecidas. A Gaiola Dourada combina inteligente e divertidamente a costumeira desvalorização do emigrante português com o inevitável reconhecimento do seu mérito, originando na cómica disseminação das novas sobre a herança adquirida pela família Ribeiro o abrir de olhos que coloca a relevância da competência portuguesa em perspectiva.  

Com um argumento simples e sem rodeios, A Gaiola Dourada faz das tradições e da muita característica forma de estar portuguesa o seu grande trunfo. Raro será o espectador que não se reverá em alguma das hilariantes situações representadas, nos muitos valores e nos muitos defeitos portugueses. Para o melhor e para o pior, a essência portuguesa é apresentada como se conhece, na amplitude da sua tipicidade e tradicionalidade, na variedade dos seus símbolos e preconceitos. E quando, mais para o fim da narrativa, A Gaiola Dourada se torna mais sério e preocupado, ante um importante choque geracional que concerne a todos, a essência portuguesa atinge a sua grandeza e o seu brio.

A Gaiola Dourada é um filme que toca especialmente o espectador português; ser-lhe-á extrema e positivamente íntimo, tal como o realizador luso-francês Ruben Alves se mostra a todas as alturas extrema e positivamente íntimo e compactuado com a envolvência narrativa. Na sua visão descomplicada da linha de acção, Ruben Alves raramente perde sentido do leque de mensagens que procura transmitir. Não prima em todas (em particular, o tema da vergonha e da rejeição parental a envolver a personagem Pedro Ribeiro fica abaixo do potencial prometido); todavia, nunca fica dissuasoriamente aquém. Ruben Alves beneficia de um elenco brilhante e à-vontade nos respectivos papéis, quer nos pesos da comédia, quer nos pesos do drama; particularizar uma ou outra interpretação é um exercício escusado, mas Rita Blanco, em virtude da sua incrível capacidade para criar uma autêntica dona de casa portuguesa, merece um destaque especial.  


A Gaiola Portuguesa faz rir, e rir muito; também dá muito que pensar. Além de uma incrível e apaixonante comédia, é uma importante difusão da cultura e da aptidão portuguesas; como tal, não pode ser ignorado.      

CLASSIFICAÇÃO:  4 em 5 estrelas


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sábado, 17 de agosto de 2013

Filme: Elysium (2013)

Elysium, olhando por alto pertinentes temáticas políticas e sociais, é um decente filme de ficção-científica que não chega perto de Distrito 9, mas que continua a expressar a imensa criatividade de Neill Blomkamp.

No ano de 2154 a Terra encontra-se sobrepovoada. Os desfavorecidos vivem no planeta moribundo e os favorecidos habitam uma estação luxuosa, Elysium, a orbitar o planeta. Quando Max Da Costa (Matt Damon) sofre um grave acidente de radiação na fábrica onde trabalha, Max percebe que a sua única salvação é chegar à estação e curar-se. Em Elysium, a Secretária da Defesa Jessica Delacourt (Jodie Foster) não tolera a aproximação de qualquer ilegal; o seu agente na Terra, C.M. Kruger (Sharlto Copley), fará o necessário para se assegurar disso.

Ao contrário de Distrito 9, que consagrou a entrada no grande plano do sul-africano Neill Blomkamp, Elysium não é um projecto de ficção-científica tão espontâneo e inesperado. Ao segundo filme, Blomkamp, embora sem nunca perder sentido da sua engenhosa criatividade, revela-se pecaminosamente comodista, parecendo, aliás, temer aprofundar o âmbito e a crítica política e social com que tão bem lidou em Distrito 9. Questões de segregação racial permanecem lá, a que se juntam as discussões do fosso entre a classe mais rica e a classe mais pobre, da imigração e do sistema de saúde; todavia, não querendo parecer reivindicativo, Blomkamp evita expor-se demasiado ao espectador, desconsiderando a ideia de que um filme também pode ser – e em alguns casos deve efectivamente ser – uma manifestação das crenças do seu realizador.    

A concepção de um lugar como Elysium, onde os privilegiados vivem e prosperam, retirada directamente da mitologia grega, coloca ainda sobre o filme uma carga moral e religiosa onde a personagem Max Da Costa funciona como o profetizado salvador que irá repor o equilíbrio na sociedade. Através de um engenho que lhe fornece força e rapidez superiores, Max transforma-se inevitavelmente no herói provável. Tal como na mitologia grega, Max é um herói, um semideus se se quiser, que procura conquistar o seu lugar no Elísio, no Elysium de Blomkamp. Lá do céu, a personagem Jessica Delacourt funciona como o deus insurrecto, constantemente à procura do poder total, que se sente desafiado por Max; na terra, Kruger é o agente negro de Delacourt encarregue de impedir o herói Max.

Criatividade à parte, Blomkamp coloca excessiva ênfase na batalha de Max com Kruger, onde não falta a dama em apuros que torna a tarefa de Max mais ambígua. Negligencia na maioria a envolvente terráquea (a ideia de que o espanhol será a língua dominante na América é curioso); o foco está sempre voltado para cima, para Elysium, quando o interesse narrativo e moral está em baixo. A sua execução técnica é extremamente eficiente e cuidadosa e particularmente impressionante nas sequências a envolver a estação Elysium, abrilhantadas por uma banda sonora apoteótica de Ryan Amon. As actuações de Matt Damon e de Sharlto Copley puxam Elysium para a frente: Damon apresenta a dose certa de pujança física e cansaço emocional para tornar o seu herói interessante, enquanto Copley é estranho o suficiente para tornar o seu vilão imprevisível. A empurrar Elysium para trás contam uma interpretação estranhamente desinspirada de Jodie Foster e uma performance corriqueira de Alice Braga.  

Os derradeiros momentos de Elysium são uma mostra do filme que podia ter sido, mas que, em última análise, não foi: um olhar sobre a intemporal luta social entre a classe desfavorecida e a classe privilegiada. Não é de forma alguma um mau filme, nem de todo um grande filme. Seguindo Distrito 9, confirma que Neill Blomkamp não é um acaso de um só projecto e que ainda tem muito para dar. Tenha mais bravura, a sua criatividade não servirá apenas de utensílio visual.   

CLASSIFICAÇÃO: 3 em 5 estrelas


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domingo, 11 de agosto de 2013

Filme: Möbius - Laço Mortal (2013)

Möbius – Laço Mortal procura ser um drama sofisticado, mas é no princípio dramático mais simples que o seu modesto sucesso reside: na relação amorosa entre os seus protagonistas. Qualquer outra pretensão é sem fundamento.  

Quando Cherkachin (Vladimir Menshov) percebe que se pode tornar no próximo director do FSB, decidi destruir Rostovsky (Tim Roth), o magnata que o colocará lá. Para tal, incube o seu agente Gregory “Moïse” Lyubov (Jean Dujardin) para recolher informações sobre os negócios ilícitos de Rostovsky. Moïse cria um plano que envolve Alice (Cécile de France), uma brilhante analista financeira a trabalhar num dos bancos de Rostovsky.   

Prestar especial atenção no primeiro quarto de hora de Möbius – Laço Mortal é fundamental para compreender a narrativa, uma demasiado amarrada sobre si própria para o seu bem. A complexidade do mundo da espionagem nunca é dissuasora, mas quando emaranhada na linguagem intrincada de um mundo financeiro desconhecido do espectador comum arrisca tornar-se comprometedora. O realizador e argumentista Éric Rochant pretende extrair de Möbius – Laço Mortal algo muito mais sofisticado do que a estrutura sustenta, encontrando até na personagem de Alice uma responsável pela crise financeira que abalou a sociedade nos últimos anos, a que acresce a disputa política e histórica entre as agências secretas dos Estados Unidos e da Rússia, numa continuada guerra fria já mais para o morno.

A estrutura só não rui graças à encantadora e cheia de química ligação das personagens Moïse e Alice, cujos riscos num mundo carregado de segredos e contra-informações ajudam a moldar um relacionamento docemente complicado, destinado, mais cedo ou mais tarde, ao desastre. Os perigos da sedução numa envolvente onde todos mentem para sobreviver são inúmeros, mas Alice e Moïse, incapazes de resistir à sedução mútua, expõem-se ao seu mundo e ao espectador, residindo aqui o ponto de interesse de Möbius – Laço Mortal. O engrandecido foco no relacionamento de Moïse com Alice, passando para o plano acessório as perspectivas financeiras e de espionagem, aumenta eficazmente a intensidade na segunda metade do filme, alinhando correctamente todas as peças para um desfecho que, embora não necessariamente fechado, é ajustado à luz do mundo construído.     

Éric Rochant faz um trabalho decente atrás das câmaras, resistindo à fácil ostentação do luxo que por vezes contagia trabalhos sobre o mundo da espionagem, sobretudo quando filmado num local tão magnificente como o Mónaco indiscutivelmente é. Se Éric Rochant é puramente pragmático na sua captura da narrativa, não o é na forma como aborda o relacionamento entre Moïse e Alice, cujos momentos mais íntimos são capturados de uma forma tão constrangedora quanto arrebatadora. Éric Rochant extrai de Jean Dujardin e de Cécile de France duas representações aliciantes. Dujardin trabalha o sedutor sem dificuldade, criando uma espécie de James Bond russo mais terra-a-terra; do ponto de vista leigo, o seu russo parece muito bem treinado. Cécile de France cria uma Alice confiante, segura e inteligente; é deslumbrante e a câmara nunca se cansa da sua formosa figura feminina.   


Möbius – Laço Mortal não é o típico drama e as distintivas de thriller são até mais evidentes. Funciona na relativa maioria, sobretudo quando finalmente se convence que a sua história é muito mais sobre o complicado relacionamento de Moïse com Alice no mundo da espionagem do que exclusivamente sobre o mundo da espionagem com implicações financeiras. 

CLASSIFICAÇÃO: 3 em 5 estrelas


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quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Filme: Phantom - Submarino Fantasma (2013)

Com uma execução fraca, Phantom – Submarino Fantasma apoia-se num elenco esforçado para materializar uma história improvável de uma maneira banal e sem proporção emocional.

Apenas três semanas depois de regressar de uma longa missão, o Capitão Demi (Ed Harris), à beira da reforma, é instruído para reunir a sua tripulação num submarino antigo e apoiar uma missão secreta do KGB que pretende testar uma nova tecnologia e alterar a sorte da União Soviética numa longa guerra silenciosa e sem resolução. Quando Demi se apercebe que as intenções do agente do KGB Bruni (David Duchovny) são pouco leais, Demi não se sente disposto a abdicar dos seus valores morais por gratificações e reconhecimentos.

Phantom – Submarino Fantasma, escrito e realizado por Todd Robinson, é um filme de classe B que, não sendo necessariamente mau, não reúne qualidades suficientes para espicaçar interesse e atenção no espectador, ainda que a narrativa tencione relatar alegadas ocorrências verídicas que colocaram o mundo perto de uma guerra nuclear à escala planetária no auge da Guerra Fria. Na intricada linguagem naval que acompanha as decisões dos protagonistas, o filme ganha uma grave dependência da sugestão visual para fazer progressos expositivos, determinando negativamente a sensação de espaço confinado que tão positivamente resultou em empreendimentos análogos no passado. Onde Robinson provavelmente pretendia, com um foco intenso no Capitão Demi, uma visão mais meditada e perturbada dos graves incidentes, existe uma amálgama conflituosa entre categorias navais e intensidades políticas e patrióticas a resultar num conjunto frustrantemente previsível de motins a inverter o poder dentro do submarino de Demi. A impressão pessoal é largamente marginalizada e apenas o passado desastroso do Capitão é objecto de alguma consideração.

A Guerra Fria é meramente circunstancial em Phantom – Submarino Fantasma e a alusão às divergências entre Washington, Moscovo e Pequim é frouxa e pobremente arquitectada. Baseada na teoria de Kenneth Sewell presente no seu trabalho de investigação Red Star Rogue – The Untold Story of a Soviet Submarine's Nuclear Strike Attempt on the U.S., a concepção de um mecanismo de camuflagem a dar começo a uma guerra é exagerada e sem sentido, sendo difícil de crer que algum dos países envolvidos tomasse o irrevogável passo de levantar armas sem reunir todas as evidências. Mas nem a improbabilidade da acção de Phantom – Submarino Fantasma importaria se o filme portasse alguma tensão dramática; qualquer expectativa por tensão dramática, embora a fotografia pesada e a música melancólica, sai gorada, não obstante encontros repetidos com instantes apropriados. Robinson mostra-se inteiramente incapaz de lidar com a oportunidade emocional e a sua execução torna-se essencialmente convencional e oca.
  

A benesse de Phantom – Submarino Fantasma é um elenco competente a ser capaz de espremer sumo de limões secos. Ed Harris, embora a pobreza de particularidades do Capitão Demi, reconhece potencial suficiente no seu papel para melhorar sobre o argumento. O seu esforço é digno, tal como são os de David Duchovny e William Fichtner, apesar da rotina que empesta as suas personagens. Os três actores fazem o que podem com o material à sua disposição e as manifestas imperfeições das suas personagens não lhes devem ser imputadas. Todavia, anunciar Robinson como responsável máximo pelo fracasso de Phantom – Submarino Fantasma é exceder na avaliação: seria difícil para qualquer um discorrer cinematograficamente sobre uma não-história.    

CLASSIFICAÇÃO: 1,5 em 5 estrelas


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