quinta-feira, 27 de junho de 2013

Filme: Homem de Aço (2013)

Como filme de origens, a narrativa de Homem de Aço, pontuada por alegorias, é coesa o suficiente para manter o interesse nos acontecimentos e no bem-estar do seu herói, mesmo que exaustivamente cheia de desconcertante acção non-stop.

Ante a ameaça da completa destruição do planeta Krypton, Jor-El (Russel Crowe) envia o seu recém-nascido para o planeta Terra. Adoptado por uma família no Kansas, Clark Kent (Henry Cavill) cresce para se tornar num símbolo de esperança e salvação: o Super-Homem. A chegada do General Zod (Michael Shannon) à Terra, um dos últimos sobreviventes de Krypton, colocará a Clark uma escolha difícil: salvar o que resta de Krypton ou salvar a Terra. 

A nova incarnação do Super-Homem explora a mitologia do super-herói de forma mais detalhada que versões anteriores. O planeta Krypton deixa de ser um planeta condenado ao simples apocalipse para se tornar num planeta moribundo que cessa pelo esgotamento de recursos, pela decadência de uma civilização evolutivamente estagnada em valores antigos e rígidos. No meio do caos e da revolução que acompanham o fim de Krypton, Kal-El/Clark Kent nasce de parto natural (e proibido) para representar uma nova esperança e a salvação. Logo aqui começa uma alegoria cristã que acompanha Clark até à Terra, alegoria que se evidencia progressivamente através da imagem, da recorrente temática do sacrifício e do efeito simbólico na população do Super-Homem. A intenção de Zack Snyder é louvável, a sua execução menos boa.

Sem querer perder tempo na infância e na adolescência de Clark, Snyder recolhe os momentos principais num catálogo de instantes inspiradores que atira ao espectador de quando em vez conforme as necessidades da narrativa. O efeito torna o advento do herói Super-Homem – e aceitação de Clark do seu destino – em algo apressado e sem muito sentido. A pressa de Snyder em resolver rapidamente a questão do super-herói perde fundamento quando a moeda de troca é um acto final carregado de acção catastrófica, barulhenta, exagerada e intoleravelmente longa. Se muitos se queixaram que Superman - O Regresso de Bryan Singer não tinha acção suficiente, este tem a mais. A destruição causada pela batalha entre Kal-El e Zod é de tal magnitude nuclear que a intenção de Kal-El em salvar a humanidade não passa de um fim para qual os meios são justificados. Aliás, nesse aspecto, Kal-El e Zod não diferem muito, porquanto ambos fazem o necessário para o obter aquilo que consideram justo e certo.  

Em sua defesa, Snyder tem um sentido da acção apuradíssimo. Com constantes zooms súbitos e uma câmara que raramente fica quieta, Snyder aumenta a escala dos seus eventos para níveis estratosféricos. Todavia, se se tivesse refreado, Homem de Aço poderia ser um estudo de personagem interessante, a começar pelo próprio Super-Homem, que Henry Cavill interpreta com inesperada humildade, resguardo e delicadeza, embora o seu aspecto físico indicie alguém firme e confiante. Lois Lane tem um papel muito mais activo e interessante neste remake: é agora uma correspondente de guerra que participa e determina os eventos. Kevin Costner e Diane Lane, enquanto pais adoptivos, e Russell Crowe e Ayelet Zurer, enquanto pais biológicos, convencem com carinho, emoção e sacrifício a imperatividade de proteger o seu filho. Michael Shannon não cria um vilão memorável, mas o seu Zod é suficientemente ameaçador e inteligível para espicaçar a narrativa.  


Homem de Aço não é o remake ideal daquele que é, discutivelmente, o super-herói mais reconhecido no mundo, mas tem as fundações certas para construir uma versão modernizada e aprazível, com outra moderação e maturidade. Agora que a necessidade de encher rapidamente o olho está ultrapassada, a atenção pode e deve virar-se para a construção da personagem.

CLASSIFICAÇÃO: 3 em 5 estrelas

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sexta-feira, 21 de junho de 2013

Filme: WWZ: Guerra Mundial (2013)

WWZ: Guerra Mundial é um filme com rotações diferentes, raramente alinhadas no mesmo objectivo. A acção é agradável, mas o argumento é fraco e disparatado e o produto final afunda-se em desbrio.

Gerry Lane (Brad Pitt), um antigo investigador da ONU, é agora pai a tempo inteiro. Num dia como os outros, a família Lane prepara-se para a sua rotina diária. Mas naquele dia tudo mudará. Uma pandemia espalha-se rapidamente, transformando as suas vítimas em mortos-vivos. A família Lane consegue escapar para um navio da ONU, onde fica a salvo. Todavia, Gerry terá que, em contrapartida, regressar ao seu antigo emprego para investigar as causas do surto.

O conceito de WWZ: Guerra Mundial não é novo. Várias têm sido as produções cinematográficas que propõem no grande ecrã a possibilidade da rápida extinção da humanidade à custa de um vírus zombie que transforma a população em mortos-vivos. Nesse aspecto, WWZ: Guerra Mundial acrescenta pouco à mitologia que tem vindo a ser desenvolvida há largos anos, e cujo interesse se tem espicaçado recentemente. Porventura, a maior novidade nesta adaptação livre do livro de Max Brooks é escala planetária da acção, uma geralmente cingida em produções anteriores a uma região em particular (veja-se, a título de exemplo, o que Danny Boyle fez em 28 Dias Depois). Efectivamente, a acção de WWZ: Guerra Mundial, sempre encabeçada por Brad Pitt, salta de forma estonteante de um ponto do globo para outro enquanto Gerry Lane investiga a origem do surto mortal. Embora traduzindo cada um desses saltos em sequências de acção de grande escala, o efeito planetário não é completamente cativante. Tanto não seja que o último acto, cingindo a uma pequena instalação da Organização Mundial de Saúde (OMS) no País de Gales, é o mais intenso e estimulante.

Mas é impossível mencionar este último acto sem discorrer sobre os publicitados problemas de produção que afligiram as filmagens e que forçaram, após o visionamento do primeiro esboço do filme, a reescrever o argumento e a filmar um novo fim. Esse novo fim é, precisamente, aquele que espectador visiona na instalação da OMS. Mesmo o espectador que não esteja inteirado destes conflitos na produção irá percepcionar uma diferença de ritmo na narrativa. Subitamente, a missão messiânica de Gerry Lane, que desencadeia tumulto sempre que chega a um novo local, fruto da obtusidade ou da falta de zelo humana, desacelera brutalmente e transforma-se em algo que, embora melhor que tudo o que veio antes, parece desactualizado e extraído de outra produção.


Brad Pitt esforça-se para tornar Gerry Lane credível e relevante, mas pouco pode fazer para contrariar a incoerência da sua personagem, um simples investigador da ONU dado a epifanias capazes de salvar a humanidade. A talentosa Mireille Enos é incrivelmente subaproveitada – é quase completamente descartada – e serve como mero apetrecho para o instante emocional e barato que folga uma sequência de acção para a seguinte. A acção é, verdadeiramente, o que mais interessa ao realizador Marc Forster. Em bom rigor, Forster cria cenas de encher o olho sob uma banda sonora desconcertante e uma fotografia adaptável. Em particular, a maneira como os zombies se comportam como colónias e emitem sons e estalitos enervantes é interessante. Mas não bastam. Não bastam para salvar a impressão de que este filme parece todo ele contaminado pela mesma praga zombie que combate.   

CLASSIFICAÇÃO: 2 em 5 estrelas


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quarta-feira, 12 de junho de 2013

Filme: Mestres da Ilusão (2013)

Mestres da Ilusão elabora actos de ilusionismo brilhantes e os mistérios, embora resolvidos rapidamente, suscitam curiosidade. Todavia, a promessa criada nos espectáculos dos Quatro Cavaleiros prescreve-se num argumento pobre que se concentra demasiado no procedimento policial.

Quatro ilusionistas – Daniel Atlas (Jesse Eisenberg), Henley Reeves (Isla Fisher), Jack Wilder (Dave Franco) e Merritt McKinney (Woody Harrelson) – são reunidos por quatro misteriosas cartas da autoria de um grupo secreto e os Quatro Cavaleiros são constituídos. No primeiro dos seus espectáculos, os Quatro Cavaleiros roubam em directo um banco francês, a milhares de quilómetros, e distribuem o dinheiro pela sua audiência. O agente do FBI Dylan Rhodes (Mark Ruffalo) toma conta da investigação, à qual se junta uma agente da Interpol, Alma Vargas (Mélanie Laurent). Rhodes e Vargas tentam desvendar os segredos por detrás das actuações dos Quatro Cavaleiros e impedir que mais roubos sejam perpetrados.  

O principal problema em Mestres da Ilusão concentra-se na execução de uma premissa errada, quiçá ilusória: a noção que a componente investigativa e policial do enredo se impõe à componente fantástica, ardilosa e mesmo mitológica que envolve os espectáculos e as artimanhas dos Quatro Cavaleiros. O proveito do filme é recolhido quando os mistérios a envolver os grandiosos e espectaculares actos de ilusionismo se aguçam e fazem coçar a cabeça. Todavia, grande parte destes mistérios é resolvida prematuramente, em quase infanticídio, e a componente fantástica é suprimida brutalmente para dar lugar a uma investigação policial aborrecida, mergulhada em convencionalismos e frases feitas. Que os Quatro Cavaleiros permanentemente passem a perna ao FBI de forma astuta é admissível, mas que, constantemente, o FBI seja reduzido a uma inútil equipa de amadores cujo propósito é o instante cómico e ridículo é impraticável.   

À parte de um certo “robin-hoodismo”, as motivações dos Quatro Cavaleiros nunca se tornam claras. O seu objectivo é juntar-se ao grupo O Olho, uma espécie de sociedade secreta com origens no Antigo Egipto. O propósito que os leva a dedicar um ano da sua vida e arriscar uma sentença de prisão nunca é, no entanto, colocado em evidência, nem o argumento se desdobra em explicações sobre essa misteriosa sociedade secreta. Para o final, Mestres da Ilusão reserva uma reviravolta. Não obstante agradável e algo inesperada, é uma inversão de acontecimentos que provavelmente não fará sentido à luz de todo o enredo (sobretudo em visualizações repetidas). Ademais, adultera o conceito altruísta dos espectáculos dos Quatro Cavaleiros, metamorfoseando-o numa vendeta fria e meticulosa. 
    
O elenco de Mestres da Ilusão tem alguns nomes sonantes, mas nenhum oferece mais do que os pré-requisitos necessários para o cumprimento regular dos seus papéis. Dos Quatro Cavaleiros, Jesse Eisenberg é, discutivelmente, o mais à-vontade com a dimensão do espectáculo. É também o mais convincente enquanto ilusionista. Woody Harrelson convence como mentalista, embora não abandone um certo pretensiosismo. Mark Ruffalo é um mero sustentáculo para as necessidades narrativas, atirando-se daqui para ali com agressividade ou com comicidade, às vezes dando ideia de que trouxe para o set a sua persona de Hulk de Os Vingadores. O trabalho da actriz francesa Mélanie Laurent, mais do que um caso de mau casting, é um produto de péssima escrita.  


Mestres da Ilusão, para bem dos seus pecados, consegue manter o espectáculo sem abusar da acção e utiliza inteligentemente o ilusionismo para proporcionar momentos de espanto e interrogação. Interessa mais como um espectáculo de magia e menos como um thriller. O problema não é concretamente de balanceamento, mas antes de paupérrima exploração do argumento. A ilusão não é tanta que torne o entretenimento tentador, nem o desacreditar vai tão longe que lhe deixe demasiado a desejar. Mestres da Ilusão menciona frequentemente que quanto mais perto se vê, menos se vê. Neste caso em concreto, quanto mais perto se pretender ver, menos se quererá ver.

CLASSIFICAÇÃO: 2,5 em 5 estrelas


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sexta-feira, 7 de junho de 2013

Filme: Star Trek - Além da Escuridão (2013)

J.J. Abrams aumenta a escala e a acção em Star Trek: Além da Escuridão, mas é, novamente, na relação entre o elenco e as personagens que o maior trunfo reside. A introdução de Benedict Cumberbatch é uma mais-valia considerável.

Star Trek: Além da Escuridão começa precisamente onde Star Trek nos deixou: explorando novos mundos, novas formas de vida, novas civilizações, audaciosamente indo para onde nenhum homem foi antes. A tripulação da nave USS Entreprise encontra-se numa difícil missão de salvação para preservar a primitiva civilização de um planeta distante. Contrariando Spock (Zachary Quinto), Kirk (Chris Pine) toma uma decisão que põe em causa uma das principais directivas da Frota Estelar. No regresso a casa, Kirk perde o seu estatuto de capitão e o comando da sua preciosa nave. Quando uma explosão ocorre num arquivo em Londres pela acção de John Harrison (Benedict Cumberbatch), apenas Kirk e a sua tripulação poderão salvar a Frota Estelar.

Star Trek: Além da Escuridão continua de forma admirável o inesperado notável trabalho iniciado em 2009 com quase-remake Star Trek. Embora o efeito surpresa se encontre esgotado pela altura que o logótipo da Frota Estelar surge no grande ecrã, Além da Escuridão conquista o necessário para se colocar lado-a-lado com o filme de 2009. O principal apanágio concentra-se novamente na tripulação da Entreprise, na jovialidade e na comicidade dos seus elementos, na natureza familiar que os unifica. Em particular, a relação entre Kirk e Spock continua a ser o cordão umbilical da frescura do jovem elenco. Com riscos maiores e com um inimigo terrível e imperdoável, é nesta relação de amizade e entreajuda que o sentimento do espectador se deposita e que a emoção floresce. Nunca Kirk precisou tanto da contenção de Spock, nem este da impaciência do primeiro. É no meio-termo da sua relação a espaços complicada que a salvação de todos reside. Consciente disso mesmo, J.J. Abrams exponencia o perigo, encontrando em John Harrison um dúbio inimigo capaz de mudar tudo.

E por falar em John Harrison (que reserva uma interessante surpresa sobre a sua origem), o que dizer da sua presença senão que é fisicamente ameaçadora e intelectualmente brilhante. Benedict Cumberbatch consegue com Harrison um importante equilíbrio que torna este vilão tão facilmente relacionável quanto incomportável. Cumberbatch interpreta Harrison notavelmente, transmitindo a ameaça da sua personagem numa elocução deslumbrante e sepulcral, num olhar frio e penetrante e numa disposição física excessivamente rectilínea. Harrison é uma força a ter em conta, uma que melhora substancialmente sobre o vilão Nero de 2009. Se nesse empreendimento Nero era apenas um constituinte negativo, insuficientemente ameaçador, que serviu para unir a tripulação da Enterprise, Harrison é aqui uma colisão vilanesca com capacidade para destruir e desunir tudo.   

J.J. Abrams mantém-se fiel às suas características. Excluindo um momento a meio de Além da Escuridão envolvendo o Almirante da Frota Alexander Marcus, momento de algum desnorte e desinteresse, a sua direcção é raramente descontrolada. A maneira como parece imergir no realismo, com zooms súbitos, e como a sua câmara parece incapaz de conter a claridade futurista, provocando lens flares (menos abusivamente), aumenta a escala do filme e da sua narrativa. Aliado à música pulsante e emotiva de Michael Giacchino, Abrams amplifica a urgência e o mistério da missão da Entreprise, sendo capaz de contrabalançar a acção com momentos de humor incisivo e de emoção impressiva. Todavia, apesar da vivacidade e da curiosidade dos seus cenários futuristas (nomeadamente Londres e São Francisco), Abrams amarra demasiado a narrativa ao Planeta Terra e às áreas circundantes. Tal não levantaria qualquer preocupação se o mesmo não tivesse já acontecido no filme de 2009; repetindo a acção terráquea, Abrams parece abandonar um pouco a essência exploratória, do desconhecido e do distante, da Entreprise e de Star Trek. Felizmente, Além da Escuridão conclui com essa intenção em perspectiva.

Star Trek: Além da Escuridão continua o favorável caminho traçado em 2009 com Star Trek. O futuro é de bom agoiro para as missões da Entreprise enquanto o elenco se mantiver a causa e a consequência da narrativa e a acção e a imensidão futurista se colocarem à sua disposição.  

CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


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