sexta-feira, 23 de março de 2012

Filme: The Hunger Games – Os Jogos da Fome (2012)


The Hunger Games – Os Jogos da Fome sucede onde outros filmes do género falham (sim, Twilight): consegue corajosamente pegar num romance destinado primariamente aos adolescentes e transformá-lo no grande ecrã numa visão perturbante e quase sádica de uma sociedade em decadência moral e de opulências revoltosas.

Algures numa sociedade futurística, na nação de Panem, vive Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) com a sua jovem irmã e a sua depressiva mãe. Desde que os distritos infrutiferamente se insurgiram contra a capital da nação que se realizam anualmente os Jogos da Fome, como tributo e punição. Nestes, um rapaz e uma rapariga entre os doze e os dezoito anos de cada distrito são seleccionados como sacrifícios e apenas um pode sair vivo e vencedor. Agora que a irmã de Katniss completou doze anos, pode ser seleccionada para os Jogos. E quando tal efectivamente sucede, Katniss voluntaria-se no lugar dela. Juntamente com Peeta Mellark (Josh Hutcherson), o rapaz seleccionado no seu distrito, Katniss terá que usar todos os seus instintos para tentar sobreviver.

O mundo dos Jogos da Fome, adaptado do livro de Suzanne Collins, oferece uma representação revoltante da dicotomia entre a pobreza e a riqueza, entre os poderosos e os oprimidos. Faz lembrar uma egocêntrica sociedade romana nos tempos modernos, ou pelo menos a maneira como os seus “cidadãos” se comportam é comparável: as roupas pomposas, as pinturas excêntricas. Mesmo o próprio conceito dos Jogos da Fome inevitavelmente exige um paralelo com o Coliseu de Roma e os jogos igualmente mortíferos que lá ocorreram. Os seleccionados dos Jogos são, nesta versão de Collins, os gladiadores, e, tal como naqueles dias, as suas mortes propiciam diversão e entretenimento a um público tecnologicamente mais evoluído, mas moralmente inalterável. Aliás, a tecnologia envolvida nos Jogos da Fome faz ainda lembrar as nossas versões modernas mas não letais de entretenimentos semelhantes – entretenimentos sem conteúdo como Big Brothers e afins.    

A ideia de adolescentes a lutar uns contra os outros pela vida é por si só perturbante e capaz de alienar audiências. Mas Gary Ross realiza os Jogos da Fome de uma maneira que não implica a chacina sádica nem o aplauso desprovido de máxima. Os sons dos canhões chegam para a audiência compreender que aconteceu outra baixa, sem ser necessário – mesmo evitável – que lhe seja mostrada como aconteceu. Mas o foco dos Jogos da Fome é em Katniss e no seu inabalável instinto de sobrevivência e entreajuda. Ela é a força do filme, a rapariga em chamas, e dificilmente poderia ter havido outra escolha para o papel além de Jennifer Lawrence. Afinal, em Despojos de Inverno, com o qual Lawrence recebeu a sua primeira nomeação para os Óscares, Lawrence debate-se com os mesmos temas de pobreza e auto-suficiência. Lawrence já tinha a bagagem preparada e insere-se na personagem de Katniss com facilidade e naturalidade.  

                Suzanne Collins aparece nos créditos do filme como produtora e também co-argumentista. O seu envolvimento directo na produção dos Jogos da Fome certamente contribuiu para uma adaptação convenientemente fidedigna com as necessárias alterações. No fim, os Jogos da Fome resulta numa bem-dita revelação. Dada a grande legião de fãs do livro, não há dúvidas de que se tornará num enorme sucesso de bilheteira. Mas se esta primeira adaptação da trilogia é indicação de alguma coisa é que a sua qualidade está mais perto da saga Harry Potter do que da saga Twilight. Pelo menos Lawrence tem que dar (e dá) muito mais ao seu papel do que Kristen Stewart alguma vez teve que fazer no seu.


                CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas

                IMDB: http://www.imdb.com/title/tt1392170/
                Site Oficial: http://www.thehungergamesmovie.com/

     Trailer:



quinta-feira, 8 de março de 2012

Filme: Margin Call – O Dia antes do Fim (2012)


Margin Call – O Dia antes do Fim é uma excelente estreia para o realizador e argumentista J. C. Chandor. Com ritmo adequado, ambiente dramático e representações fortes, Margin Call é garantidamente um bom filme. O único problema é intrínseco à sua própria essência: a linguagem económica demasiado técnica que domina o argumento é um desmotivador para a audiência menos habituada.

Um banco de investimento realiza um severo downsizing em todos os seus departamentos. Seth Bregman (Penn Badgley) e Peter Sullivan (Zachary Quinto), analistas de risco, respiram fundo por terem sobrevivido aos despedimentos. Porém, a mesma sorte não cabe a Eric Dale (Stanley Tucci), chefe de Seth e Peter e responsável por todo a departamento de gestão de risco. Antes de abandonar a empresa, Eric entrega a Peter uma pen drive contendo o seu último, e por finalizar, projecto. Peter conclui o projecto e faz algumas descobertas que podem pôr a sobrevivência de toda a companhia em risco, bem como provocar um tumulto na economia.

Margin Call baseia-se no caso da falência de um banco de investimento (Lehman Brothers ?) que funciona como um gatilho para a crise financeira de 2008. O filme oferece uma curiosa perspectiva sobre os bastidores e as decisões do mundo financeiro, dos seus executivos e dos seus funcionários. O relacionamento entre os diferentes níveis hierárquicos está sublimemente representado e permite compreender bem os jogos de poder, de chantagem e de interesses envolvidos – naturalmente, tudo à volta do dinheiro. Com o movimento Occupy Wall Street nas ruas a protestar contra os “1%”, Margin Call parece querer funcionar em várias alturas como uma reflexão dicotómica sobre as duas realidades (os “99%” vs os “1%”) – uma pequena cena no elevador envolvendo dois executivos e uma empregada da limpeza é a clara expressão dessa intenção. Senão isso, Margin Call pretende pelo menos alertar para a avidez sem escrúpulos dos grandes decisores do panorama financeiro.

Apesar do ensemble cast, Kevin Spacey, Jeremy Irons e Zachary Quinto destacam-se dos seus companheiros de ecrã. Sobretudo Irons – quando entra em cena rouba completamente os holofotes com a sua fantástica dicção e com a sua forma de representação tão natural e convincente. Se não fosse um actor, talvez Irons fosse mesmo um CEO de uma grande empresa.

Chandor realiza o seu primeiro filme com talento. Escreveu o argumento original com mais arte ainda (até lhe valendo uma nomeação para o Óscar respectivo). Sendo este um filme independente, é provável que passe despercebido pelas audiências de massa. Mas vale a pena ser considerado e visualizado, mesmo que a sua linguagem seja difícil e, para muitos, pouco interessante. Afinal, a crise de 2008 ainda tem profundas réplicas na sociedade e é útil conhecer, ou pelo menos especular, o tipo de decisões que levaram a tal situação. É tal como Margin Call termina: com a personagem de Spacey a abrir uma cova para o seu falecido animal de estimação – uma perfeita metáfora para o que a empresa representada no enredo (qualquer que ela seja), tal como tantas outras homogéneas, fez à economia.

Margin Call estreia a 08/03/2012


CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas


Trailer:

quarta-feira, 7 de março de 2012

Filme: A Mulher de Negro (2012)


Sombrio, sorumbático e relativamente misterioso, A Mulher de Negro oferece suficientes arrepios para manter o espectador intrigado e preso ao ecrã e a uma casa assombrada com os devidos conteúdos macabros e portas e solos rangedores.

Na era eduardiana, Arthur Kipps (Daniel Radcliffe), um jovem advogado, pai e viúvo, é encarregue de uma propriedade de uma falecida cliente no nordeste de Inglaterra, em Crythin Gifford. Apesar de ser mal recebido pelos locais e de ser avisado para não visitar a propriedade de Eel Marsh House, Arthur insiste em permanecer na vila e tratar de todos os assuntos que o trouxeram. Quando visita por fim a propriedade, que fica localizada numa pequena ilha no meio de um imenso pantanal, acessível apenas por uma longa estrada coberta na maré alta, Arthur começa a experimentar terríveis visões e assustadores sons. Quando começa a investigar mais sobre os antigos proprietários da casa, e em particular sobre o rapaz que ali morreu afogado, Arthur começa a compreender aos poucos o mistério à volta da Mulher de Negro. Apenas a sua valentia pode evitar o horror que se espalha pela vila.

Baseado no romance de Susan Hill, A Mulher de Negro é a espaços um bom filme de terror e suspense. Peca por usar técnicas já demasiado utilizadas e por oferecer momentos previsíveis e um desfecho que, embora diferente do romance em que se baseia, é demasiado antecipado. Ademais, o seguimento do enredo é por vezes pouco lógico, pouco desenvolvido e, em algumas partes, desnecessariamente contemplativo. Felizmente, A Mulher de Negro tem a seu favor um conjunto de sets magníficos. Em particular, a casa que serve de cenário a Eel Marsh House é apropriadamente misteriosa, fantasmagórica, quase como se tivesse a sua própria personalidade. A vila que faz a vez de Crythin Gifford (Halton Gill) é igualmente adequada, igualmente enigmática. Além disso, a época em que a história decorre também joga a seu favor – os belos medos irracionais de maldições e espíritos de uma sociedade na fronteira da era vitoriana com a modernização.

Radcliffe não está mal no seu papel. Mas poderia estar um pouco melhor. Querendo dar a Arthur Kipps a profundidade e a emoção que muitas vezes são deixadas de lado neste género cinematográfico, Radcliffe conduz Arthur de modo estranho em certas cenas – nomeadamente, a expressão do rosto não parece adequada ao que a personagem deve estar a sentir; Radcliffe tem medo de mostrar medo. E o facto de Arthur ser pai também não assenta bem em Radcliffe, provavelmente porque ele é ainda indissociável do papel de Harry Potter e da ingenuidade inerente.

Os elementos fracos de A Mulher de Negro são contra-balanceados pelos elementos fortes e o filme, no seu todo, é agradável. É no mínimo um desvio bem-vindo às recentes películas do género e só por isso, se não por nada acima escrito, merece uma menção positiva.

A Mulher de Negro estreia no próximo dia 8 de Março de 2012


CLASSIFICAÇÃO: 3 em 5 estrelas


Trailer:

quinta-feira, 1 de março de 2012

Filme: Vergonha (2012)


Vergonha é tudo menos o que o seu título pretende passar. Aqui não há vergonha. É um filme comodista nas suas próprias normas e preconceitos. O seu objectivo não é chocar, nem corrigir. Pretende tão-somente despir a cegueira moral do espectador para uma demonstração quasi-grotesca da perturbação, do vício e do distúrbio sexual que não tem um início nem um fim em si mesmo.

Brandon (Michael Fassbender) vive e trabalha em Nova Iorque. Durante a noite, e mesmo até durante o dia, Brandon continua a alimentar o seu vício sexual de modo compulsivo. Quando a sua irmã Sissy (Carey Mulligan) o visita inesperadamente, Brandon sente-se pressionado e levado ao limite. Carente e abalada, Sissy revelar-se-á um desafio e também uma janela que ajudará a compreender melhor o vício de Brandon.

Vergonha tem um ar tão trágico quanto cru. É quase estilístico na forma como aborda o problema, aqui por doença, de Brandon, que se refugia no sexo para disfarçar, ou adiar, a sua infelicidade. O filme não se propõe a explorar de forma clara de onde surgiu o vício dele. As pistas surgem aqui e ali conforme o carácter de Sissy se polariza e choca com os hábitos de Brandon. Mas não é compreender a origem do vício que Vergonha pretende causar. Vergonha é um retrato da luta ao vício e dos altos e baixos que provoca. Mas quando o vício é tão grande e quase inteiramente intrínseco ao carácter como no caso de Brandon, será que a luta é mesmo necessária ou é apenas um pretexto para aceitação final de que o vício está para ficar? A resposta não é clara, mas também não pretende ser. Esse é o trabalho que fica para o espectador e o resultado da reflexão será tão distinto conforme as crenças e preconceitos de cada um.

Michael Fassbender entrega-se de corpo e alma ao papel, literalmente. Encarna Brandon com muita compreensão, sendo capaz de mostrar o lado forte e charmoso e o lado frágil e perdido com incrível realismo, enquanto o mantém distante e fechado das pessoas à sua volta e, por extensão, da audiência. Carey Mulligan dá a mesma entrega que Fassbender e impõe a sua presença no ecrã com primor. É especialmente fantástica numa cena num bar em que canta o clássico tema “New York, New York”.

Steve McQueen não é um homem de pudores e mostra-o claramente na forma como filma Vergonha. Fá-lo quase como uma afronta ao espectador, como um desafio. Impõe o seu método logo nas primeiras cenas para que não haja dúvidas de que será assim através de todo o filme. Mas é colocando logo as suas armas à vista que McQueen evita polarizar a sua audiência e perturbar mais adiante em cenas mais duras – já não surgem com surpresa ou embaraço.

Os planos contínuos de imagem, nomeadamente quando Fassbender corre através da cidade, estão belissimamente conseguidos. Os diálogos ininterruptos, sobretudo entre Fassbender e Mulligan, são de louvar. Vergonha resulta no fim numa película estupenda, ainda que, depois de o ecrã ficar preto, a audiência fique num sentimento de incerteza e incompreensão sobre a verdadeira intenção de McQueen. Mas essa é a grande força do filme: não há nenhuma intenção – há apenas um retrato, um problema e um protagonista, tal como na vida de cada um.        

CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


Trailer: