sábado, 27 de outubro de 2012

Filme: 007 - Skyfall (2012)


Aos cinquenta anos de idade, Bond ganha uma nova vida e, num mundo de blockbusters dominado por heróis de banda-desenhada e adaptações de best-sellers, volta a ser relevante. Mais do que isso, volta a ser a escala de comparação para as fitas de espionagem e para as fitas de acção em geral.

James Bond (Daniel Craig) encontra-se numa importante missão em Istambul para recuperar um disco rígido que contém informação confidencial e sensível sobre agentes da Nato infiltrados em organizações terroristas. Na iminência de perder o assaltante, M (Judy Dench), a partir do centro de operações em Londres, dá uma ordem de fogo que acaba na aparente morte de Bond e na fuga definitiva do assaltante. Quando as informações contidas no disco começam a ser libertadas na Internet e o próprio centro de operações do MI6 é atacado, Bond regressa para ajudar M e parar o homem por detrás dos ataques. Mas o perigo pode ser mais familiar do que Bond e M imaginam.

Skyfall dá praticamente por esquecidos os acontecimentos dos últimos dois filmes (os primeiros com Craig) e introduz na icónica série uma nova brisa e uma renovação necessárias e bem-vindas. Se Bond faz uma breve ressurreição em Skyfall, Skyfall faz uma ressurreição na série de vinte e três filmes do famoso espião de Ian Fleming. E torna Bond novamente pertinente ao reconhecer a idade do seu espião, as alterações no mundo da espionagem e o fenómeno do terrorismo cibernético e individual que não é necessariamente apoiado por um grupo, movimento ou ideologia. Os tempos da guerra-fria acabaram, a espionagem já não pode ter apenas nações em conta e o poder do bit é de todas a ferramenta mais útil e poderosa (e também a mais perigosa). 

A nova missão de Bond tem momentos de acção deslumbrantes – a sequência de abertura, em perfeito testemunho, é tão fluida e integrada que não é possível questionar a plausibilidade de uma perseguição de carro (e depois de mota) acabar no topo de um comboio em movimento numa belíssima ponte. Mas Skyfall não dispensa diálogos ponderados e panoramas de reflexão pela acção apenas pela acção – a acção surge como um complemento, um acessório per se, a um olhar às raízes, às escolhas e ao envelhecimento do MI6 e do próprio Bond. A história lida com cada um destes três aspectos individualmente, e depois em conjunto, e no final a questão transforma-se num problema mais familiar do que institucional, nas simples problemáticas humanas da maternidade, da rejeição e da desforra, em que Bond se encontra no epicentro de uma vingança física e emocional de um "irmão" espião à mulher que os criou.

Skyfall também olha para um Bond mais velho num MI6 mais novo numa era mais informatizada. Bond procura o seu lugar na nova realidade, mas sem querer abandonar por completo os antigos hábitos e maneirismos. A Bond girl, por exemplo, tem muito menor impacto na história que em versões anteriores, como também tem o recurso a equipamentos de espionagem de vanguarda. Skyfall, na verdade, é muito tradicional nos seus recursos, saudosista dos primeiros Bonds, e funciona como elo entre o engenho desses e ligeireza dos mais recentes.      

As actuações em Skyfall são muito boas, mas a nota de destaque vai conjuntamente para Judy Dench e Javier Bardem. A primeira mostra um lado frágil de M, de fim de ciclo, que se desconhecia e o segundo cria um vilão emocionalmente perturbado, sexualmente confuso, com um provável complexo de Édipo. Craig não deve ser, porém, esquecido – o seu Bond é mais maduro e ponderado que anteriormente. A fotografia é deslumbrante, equilibrando tons frios e quentes, nitidez e luz com profundidade – realça sempre brilhantemente as belíssimas paisagens onde decorre a acção, quer nos confusos mercados de Istambul pelo dia ou no caos luminoso de Xangai e Macau pela noite. Mas é a fotografia no último acto, na Escócia, que se torna no grande momento (possivelmente premiado) de Roger Deakins. A banda sonora de Thomas Newman é outro aspecto notável: dramática, pulsante e suspensiva. Skyfall não está, todavia, isento de falhas. Algumas transições não são decentemente explicadas (como o súbito anoitecer no último acto) e Bardem é, infelizmente, subutilizado, aparecendo apenas na segunda metade do filme quando poderia ter colocado mais desafios e interacções.

Em última análise, Skyfall faz muito por James Bond. Reaviva a série, apresenta caras novas, traz-lhe humor, drama e acção e potencia um futuro de nova glória para o espião britânico. Sam Mendes partilhou que se inspirou no Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan. E não surpreende. Se o Cavaleiro das Trevas transformou os filmes de super-heróis, Skyfall transformará os filmes de espionagem. E transformará porque soube olhar para trás, para os primeiros Bonds, e tirar inspirações e métodos. A certo ponto em Skyfall, M pergunta a Bond para onde vão. Bond responde simplesmente: “De volta ao passado.” E isso basta.

CLASSIFICAÇÃO: 4,5 em 5 estrelas

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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Filme: A Advogada (2012)


A Advogada traz-nos a incrível história verídica de persistência e incondicional amor de Betty Anne Waters pelo seu irmão. Embora partidista na maneira como aborda os factos, galvaniza Hilary Swank para a por vezes rara performance notável.

Betty Anne Waters (Hilary Swank) trabalha incansavelmente para provar a inocência do seu irmão, Kenny (Sam Rockwell), e libertá-lo de uma pena perpétua. Ante as dificuldades financeiras e a indiferença da justiça, Betty decide formar-se em advocacia para compreender melhor o sistema e ajudar o seu irmão, enquanto sente dificuldades para sustentar os próprios filhos. A força da sua amiga de curso, Abra Rice (Minnie Driver), e a emergência de testes de ADN dão a Betty a derradeira oportunidade para tentar apurar a verdade.     

A Advogada consegue ser um filme brilhante a espaços, nomeadamente quando é capaz de relacionar os eventos presentes dos irmãos Waters com a sua infância difícil e errática. É dessa maneira que consegue explicar com plausibilidade a perseverança de Betty em socorrer o seu irmão. Dispensou 16 anos da sua vida para ilibá-lo, desinvestindo do seu casamento e quase perdendo os seus filhos – prova de amor absoluto que o filme consegue apresentar da melhor maneira. Mas se A Advogada triunfa nessa vertente, falha na parte jurídica do seu guião. Munindo-se da veracidade da história e dos anos que passaram desde os acontecimentos, pouco ou nada faz para lançar uma real suspeita sobre a alegada envolvência de Kenny no assassínio de Katharina Brow, ou para apresentar a visão da família da vítima e da justiça. O filme certamente ficaria a ganhar se este lado tivesse sido trabalhado e o resultado do esforço de Betty seria mais recompensador.

Se A Advogada não chega a ser um filme brilhante pela tendência para apenas um lado dos acontecimentos, ou pela debilidade no tratamento dos temas e procedimentos jurídicos envolvidos, é efectivamente um bom drama e uma oportunidade eximiamente aproveitada tanto por Swank e Rockwell para puxarem dos seus galões. Swank consegue comover nos momentos de desespero e encantar nos momentos de triunfo, enquanto Rockwell envolve a sua personagem em camadas de amabilidade que se sente que podem ruir a qualquer instante fruto da desesperança e da melancolia.

A Advogada chega a Portugal dois anos depois da estreia oficial. Não se compreende a demora na distribuição portuguesa do filme – é certo que não é nenhum blockbuster, mas o seu visionamento vale mais a pena que a maioria deles. É uma excelente e tocante história de afeição, sacrifício e obstinação. É difícil não torcer pela libertação de Kenny (mesmo que o filme manipule, de certo modo, nesse sentido), sobretudo quando um tem em mente a quantidade de indivíduos erroneamente acusados por falta de verdadeiros e transparentes procedimentos de investigação. É uma história ainda mais tocante se se tiver em conta o que ocorreu depois dos acontecimentos retratados no filme.  

CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas

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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Filme: Frankenweenie (2012)


Frankenweenie é regresso de Tim Burton à animação e também o regresso e reinvenção ao segundo trabalho da sua carreira. Pontuado pela comédia, pelo afecto e pela vivacidade do desenho, Frankenweenie seguramente agradará a pequenos e graúdos.

Victor Frankenstein (Charlie Tahan) é um pequeno cineasta e cientista que vive inseparável do seu cão Sparky. Quando é convencido pelo seu pai a jogar basebol para que conviva mais com os seus colegas da escola, Victor efectua uma jogada que resulta no atropelamento de Sparky. Estimulado por uma das aulas de ciências, Victor decide fazer o inimaginável: ressuscitar Sparky. A experiência funciona, mas acarretará um conjunto de perigos que colocarão a cidade de New Holland, e mesmo o regresso de Sparky, em risco.

Em 1984, Tim Burton realizou uma curta-metragem para servir simultaneamente de paródia e homenagem a Frankenstein de 1931. Com apenas meia hora de duração, Frankenweenie de 1984 é um filme razoável, com personagens reais e alguns efeitos especiais interessantes. O seu mérito é, efectivamente, a reviravolta que dá à história original de Frankenstein. Mas fica-se por aí e fica no ar a sensação de que lhe falta essência, brilhantismo e ternura. Tim Burton percebeu isso mesmo a dada altura e convenceu a Walt Disney a financiar um remake. Usando muito a técnica que aplicou em A Noiva Cadáver (aliás, a equipa é quase a mesma), Burton reinventa Frankenweenie como uma longa-metragem de animação, acrescentado o humor, o drama e o horror gótico que faltou à curta-metragem – chega mesmo a transladar take a take algumas das cenas mais icónicas do original. A escolha pela animação é a maior virtude do remake, e bem assim a escolha por uma fotografia a preto e branco que acrescenta até mais nitidez, detalhe e fantasia que o uso de coloração.   

As personagens são maioritariamente estereótipos da sociedade, mas não são por isso mal utilizadas. Quase todas vêm do remake, e são todas elas vivamente extrapoladas da sua versão original para uma forma mais caricata, desarranjada e parva. É, no entanto, uma modificação que acaba por trazer momentos inspirados e marcantes ao remake. Em particular, a personagem de Victor surge mais irreverente, meiga e escrupulosa.

Frankenweenie não traz nada de novo tecnicamente – a intervalos, aliás, apresenta algumas imperfeições na espontaneidade das imagens mais rápidas, como sejam os movimentos das pernas e das bocas (todavia, uma falha menor do stop motion que não esbarra com a beleza das imagens). O uso do 3D também nada acrescenta, como, de resto, poucos filmes têm acrescentado ultimamente – é mais uma decisão monetária que uma decisão artística. Além disso, existe um conflito temporal e histórico no guião: enquanto o setting é dos anos 50 para 60, são feitas referências recentes como a exclusão de Plutão da lista de planetas. 

Mas as imperfeições técnicas e conflitos temporais não interessarão para o espectador que procure, possivelmente em família, passar um bom momento. Frankenweenie está carregado deles e possui uma estrela que tem o poder para ficar na memória de todos: Sparky. Se houve quem se encantasse com Uggie n’O Artista, haverá com certeza quem se apaixonará por Sparky, mesmo que ele não seja de pêlo e osso. Acompanhado por outra excelente banda sonora de Danny Elfman (em mais uma colaboração com Burton), e mesmo que o final não seja particularmente surpreendente, Frankenweenie é uma aposta ganha de Burton, nem que seja tão-somente pelo contributo na promoção aos animais de estimação.   

CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas

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domingo, 14 de outubro de 2012

Filme: Arbitrage – A Fraude (2012)


Arbitrage – A Fraude é um drama meticuloso, com sérios momentos de thriller e suspense. Eximiamente representado, gira quase por completo em torno de Richard Gere, que tão cedo na época de prémios pode ser um candidato a melhor actor.

Robert Miller (Richard Gere) é um bilionário que acaba de completar sessenta anos de idade. A perspectiva da velhice persuade-o a vender a sua organização a fim de tapar um grave buraco financeiro provocado por um mau investimento. Mas nas vésperas de a venda ser tornada oficial, Miller envolve-se num acidente de automóvel com a sua amante. Temendo que o acidente adie a venda da organização, que leve a uma auditoria mais profunda e que traga ao de cima as fraudes existentes, Miller foge e tenta eliminar todas as provas da sua envolvência no desastre automóvel.

Arbitrage é um drama em três frentes. A primeira, a disputa entre Miller e a polícia sobre o acidente automóvel. A segunda, o desespero contido de Miller para vender rapidamente a sua organização e esconder a fraudulência. A terceira, o comportamento furtivo de Miller para esconder todos os problemas anteriores da sua família, nomeadamente da filha e da mulher. Com todas estas frentes interligadas e influenciáveis pelo resultado de uma ou de outra, Arbitrage, que desembrulha o seu enredo sem pressas, tem a incomum capacidade de manter o espectador com atenção ininterrupta.

É, sobretudo, um muito interessante estudo a uma personagem – Miller – sem escrúpulos. Aliás, o verdadeiro mérito de Gere, se não for a sua capacidade para humanizar Miller com muitos defeitos e poucas virtudes, é a facilidade com que induz o espectador a torcer por um homem fraudulento, infiel e incorrecto. Gere vende muito bem a sua personagem, mas também a vende Susan Sarandon (como esposa atenta de Miller), Brit Marling (como filha desconfiada de Miller) e Tim Roth (como detective compenetrado). É pena que, todavia, Sarandon seja subaproveitada e não tenha uma presença mais assídua nos 100 minutos do filme. Uma actriz do calibre desta senhora só poderia tornar Arbitrage ainda melhor do que é. Mas este é o filme de Gere e Gere é mestre no seu desempenho.

A produção de Arbitrage é boa e Nicholas Jarecki merece ser elogiado pela sua primeira vez na cadeira de realizador; em especial, deve ser aplaudido pelo argumento inteligente e consciente. Arbitrage contribui para mostrar uma vez mais que as produções independentes têm muito valor. É, contudo, de lamentar que Arbitrage acabe algo abruptamente quando se sentia que ainda podia dar mais qualquer coisa.  

CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas

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