quinta-feira, 25 de julho de 2013

Filme: Só Deus Perdoa (2013)

Embora divisivo, Só Deus Perdoa cumpre satisfatoriamente as expectativas, mesmo que mal se aproxime de Drive – Risco Duplo, onde Refn e Gosling se mostraram no seu melhor. Desta colaboração sobeja uma sensação de fantasia e extravagância visual que permanece com o espectador.

Quando o seu irmão Billy (Tom Burke) é brutalmente assassinado, Julian (Ryan Gosling) procura o responsável pelo acto e perdoa-o. Mas quando a sua mãe Crystal (Kristin Scott Thomas) viaja até Banguecoque, Tailândia, para levar o corpo de Billy para casa, Julian é forçado a exercer a vingança da família, colocando-se no caminho do perigoso e corrupto Tenente Chang (Vithaya Pansringarm) da polícia local.    

Só Deus Perdoa beneficia da saudável colaboração entre o realizador Nicolas Winding Refn e o actor Ryan Gosling e da compreensão mútua que, num filme particularmente parco em diálogos, trespassa o ambiente amplamente contemplativo e permite decifrar. Todavia, a maneira como Só Deus Perdoa se inclina inesperadamente para a violência gráfica pode ser terrivelmente dissuasora, embora a linha de vingança seguida por Refn seja mais refinada que, por exemplo, a de Kill Bill. Entre os ajustes de contes tradicionais, os tráficos e as corrupções policiais e as leves sugestões de natureza sexual e incestuosa, Só Deus Perdoa evidencia-se num princípio sedutoramente simples: na silenciosamente atormentada relação entre um filho secundário e uma mãe controladora. Julian, constantemente perturbado pelos seus conflitos e pelas suas dificuldades de relacionamento, procura ser justo num mundo sem justiça, agarrar-se a uma réstia de moralidade num meio clandestino que desconhece isso. Julian não age e mal reage; observa e aceita, enquanto ao seu redor todos fazem o que for preciso para exercer a sua estranha noção de justiça.

Só Deus Perdoa raramente se coloca emocionalmente à disposição do espectador, isolando-se numa forma de introspecção cerrada. Não obstante, existem momentos que capturam o espectador e que, não o largando, lhe provocam sensações contrárias. Maioritariamente associadas a instantes de violência, provocam angústia e mal-estar. Em particular, uma cena de tortura no começo da segunda parte é de digestão difícil, indo mais longe do que as barreiras morais que o espectador julga protegê-lo. Refn não parece interessado em facilitar e a sua realização, à base de impressões fortes, compromete-se. A montagem deixa a desejar – transita aos saltos entre cenas – e os planos são exageradamente fotográficos.

Larry Smith imprime uma fotografia encantadora à base de cores vivas e carregadas, onde primam os azuis, os vermelhos e os amarelos (porventura a consagrar a bandeira tailandesa). O jogo de luz e sombras é curioso e a cisma pelo olhar ensimesmado de Gosling, mais do que um capricho, é uma conduta, ou não sejam os olhos de Gosling a principal fonte de assimilação e apreciação do espectador. Gosling tem pouco mais do que uma dúzia de falas; a sua actuação é essencialmente reflectiva, mas as mensagens e as impressões de Julian nunca se perdem ou ficam pela metade. Kristin Scott Thomas não é capaz da mesma carga reflectiva e a câmara quase que se perde na sua beleza natural, mas Scott Thomas alcança a autoridade suficiente de uma mãe e de uma matriarca dominadora. O desconhecido Vithaya Pansringarm tem no papel de Chang uma excelsa oportunidade para se apresentar ao mais alto nível no plano cinematográfico e a sua interpretação não defrauda: é adequadamente intensa e enigmática.    


Não sendo completamente esquecível, Só Deus Perdoa não tem uma capacidade de reminiscência muito grande. Talvez seja da violência crua ou da realização inconstante. Talvez seja da infinda contemplação. Que algo não está acomodado em concordância parece ser uma justa constatação, mas também é isso que faz com que se discorra sobre Só Deus Perdoa

CLASSIFICAÇÃO: 3 em 5 estrelas


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quinta-feira, 18 de julho de 2013

Filme: Batalha do Pacífico (2013)

Ruidoso, confuso e recheado de frases feitas, Batalha do Pacífico é uma amálgama alarmante onde o toque de Midas de Guillermo del Toro para o fantástico e imaginativo parece ter secado.

Quando um Kaiju, um gigantesco monstro alienígena, atravessa uma brecha no Oceano Pacífico de um universo paralelo, as forças governamentais mundiais unem-se para dar uma resposta à altura, criando o Programa Jaeger para produzir igualmente gigantescos robôs. Anos mais tarde, o Programa Jaeger perdeu popularidade e financiamento, mas pode ser a única e derradeira salvação da humanidade quando a ameaça dos Kaiju se torna maior.

A mente criativa de Guillermo del Toro raramente deixa a desejar, mas Batalha do Pacífico é um daqueles raros casos em que a sua visão criadora atinge excessos e se rodeia de incongruências. Não significa, todavia, que o elemento de ficção científica assente mal neste projecto. A narrativa associada aos monstros Kaiju e à sua origem suscita interesse, onde a influência da mitologia japonesa e, porque não, de Godzilla é inteligível. Contudo, o argumento de del Toro, que Travis Beacham também assina, parece recusar-se, ante as sucessivas oportunidades que se apresentam, a desenvolver a sua mitologia, quiçá precavendo-se para uma eventual sequela. O que sobra, então? Uma interminável e dolorosa apresentação de CGI inacabado e de inteiras sequências por computador que, embora a barulheira e explosão de cores, demonstram pouca vida e péssima vitalidade.     

Se a mitologia associada aos Kaiju tem o seu relativo valor, a associada aos Jaegers é de pouca monta. O prólogo de Batalha do Pacífico trabalha a ritmo elevado para criar e elevar expectativas, identificando a criação dos gigantescos robôs e a maneira especial como funcionam, mas o produto decorrente é altamente perecível. O processo de “Impulsão” é o único elemento associado aos Jaegers que, justiça seja feita, é original e imaginativo. É, também, o único ponto por onde se pode enaltecer o filme. Do processo de “Impulsão” surge a integrante humana que tanta falta faz às tresloucadas sequências de acção e surgem os únicos momentos em que o filme pausa e se torna sério.

Num filme onde todos parecem gritar constantemente, de onde não se exclui a banda sonora, as actuações são insatisfatórias. Além de algum erro de casting entre Charlie Hunnam e Robert Kazinsky, que parecem praticar o jogo do gato e do rato com a audiência, somam-se as actuações enervantes de Charlie Day e Burn Gorman enquanto dois cientistas alucinados, actuações que, despidas da intenção cómica, são profundamente inconsequentes. Idris Elba interpreta uma alta patente militar como tantas outras que já passaram pelo grande ecrã, acrescentando pouco e inovando nada. Safa-se desta melancolia a japonesa Rinko Kikuchi, criando com competência valor emocional na personagem Mako Mori.


A utilização da tecnologia 3D é favorável e a mais aprimorada dos últimos meses, não seja del Toro um dos mais perfeccionistas no seu ramo. Aliás, o seu êxtase em Batalha do Pacífico é manifesto. No seu recreio predilecto, o mexicano diverte-se com os seus robôs e com os seus monstros a bel-prazer. Talvez nada seja para ser levado a sério, mas nenhum recreio alguma vez é, e neste recreio em particular a seriedade é tão rara quanto pó de osso de Kaiju

CLASSIFICAÇÃO: 2 em 5 estrelas


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quarta-feira, 10 de julho de 2013

Filme: Assassinos de Férias (2013)

Com uma narrativa simples e diálogos perspicazes, Assassinos de Férias, enquanto comédia negra, mantém-se na senda do humor que não vai tão longe ao ponto de dissuadir, nem fica tão em casa ao ponto de aborrecer.  

Contrariando a vontade e os concelhos da sua mãe, Tina (Alice Lowe) parte numa viagem pela estrada, numa simples caravana, com Chris (Steve Oram). Partilhando o mesmo espaço pela primeira vez com destino ao meio rural, Chris e Tina começam a revelar um ao outro as suas psicopatias e os seus segredos obscuros. O encontro com desconhecidos exponenciará fatalmente os seus problemas.  

O humor negro abunda no humor britânico e a sua capacidade de transformar um momento moralmente maldoso num instante cómico é infalível. Assassinos de Férias dá azo à premissa e continua a tendência de divertir com o pérfido e condenável. Evitando a todo o custo, com relativo triunfo, arrastar-se para convencionalismos e repetições, a comédia, no seu pavonear indie, cobre-se com pretensões dramáticas enquanto explora a região rural britânica. O resultado são sequências de exploração e visita paisagística que, apresentando-se normais e encantadoras, escondem sempre um crime que há-de acontecer sorrateira e inesperadamente.

Chris e Tina, o casal que nos acompanha nesta viagem, parecem, à primeira vista, um par perfeitamente normal, com os seus altos e baixos. A ideia, todavia, perde rapidamente suporte. Tina, que vive uma extrema paixão por cães, é alguém que esconde consideráveis frustrações pelas imposições da sua mãe, enquanto Chris se mostra incapaz de tolerar e aceitar o erro e o sucesso alheios. A combinação de ambos, quando confinados a uma pequena caravana, é explosiva e divertida; quando se cruzam com outros transeuntes, é perigosa. Tina aproveita-se da psicopatia de Chris para exercer pequenas vinganças, ao passo que Chris se aproveita da necessidade afectiva de Tina para escapar impune às suas transgressões. A vivência é como a de qualquer casal com problemas conjugais; o resultado é como nunca visto.

O realizador Ben Wheatley expressa através da câmara um sentido de humor ímpar. A sua ideia nunca é a de forçar o riso no espectador, porquanto cabe à audiência procurar o seu instante cómico. Haverá, certamente, quem nunca se encontre com o seu, mas Wheatley mostra pouca preocupação nesse sentido. Steve Oram e Alice Lowe, que também assinam o argumento, interpretam as suas personagens com uma naturalidade admirável, quiçá assustadora; a enfâse das suas actuações, mais do que na capacidade para entreter e fazer rir, é na ambiência dramática que enquadra as particularidades das suas personagens, enfâse que permite circunscrever o humor ao limite toleravelmente negro. A mesma determinação para circunscrever ao limite toleravelmente negro reside na música introspectiva ouvida ao longo do filme e na banda sonora composta por Jim Williams que navega de quando em vez para o alienado.


Embora se perca na última metade numa relativa exaustão de ideias, Assassinos de Férias é outra boa entrada do humor negro britânico. Não agradará a todos e algumas particularidades da narrativa são potencialmente polémicas e reprováveis, ou não fossem estas características distintivas do género.  

CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas


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quinta-feira, 4 de julho de 2013

Filme: Redenção (2013)

Redenção tem os seus momentos e a história, embora pobremente aprofundada, é interessante. Redenção não evita, todavia, alguma sensação de já visto e já feito. Statham apresenta-se bem num papel diferente.

Joseph 'Joey' Smith (Jason Statham) é um ex-militar da Exército Britânico que desertou as suas funções após imperdoáveis crimes de guerra. Agora um sem-abrigo na Londres clandestina, Joey limita-se a sobreviver. Um dia, em fuga, Joey encontra um apartamento vazio e decide assumir uma identidade falsa. Joey tenta mudar a sua imagem e a sua personalidade, ao mesmo tempo que investiga o desaparecimento de uma amiga sua e se aproxima de uma freira local, Irmã Cristina (Agata Buzek).

Steven Knight é conhecido pelos seus argumentos, tal como o de Promessas Perigosas de David Cronenberg. Redenção, que também assina, constitui o seu primeiro projecto de realização. A intenção de Knight de se provar capaz de segurar as rédeas de toda uma produção é logo visível na forma como começa Redenção com um primeiro quarto de hora essencialmente visual e escasso em diálogo, onde apresenta o anti-herói Joey numa Londres clandestina e insegura. De momentos a momentos, Knight parece homenagear Biutiful de Alejandro González Iñárritu, onde outra grande cidade europeia (Barcelona) conhecida pelas suas atracções turísticas é desconstruída e analisada sob uma lupa escrupulosa e denunciante. Knight denuncia aqui os problemas londrinos, mantendo o grande centro cosmopolita à distância na sua câmara como uma bonita visão ilusória e inalcançável. Mas onde Iñarritu tinha uma narrativa segura e deslumbrante, Knight tem uma que, não querendo ir mais longe, peca pela pouca singularidade, a começar pela própria personagem de Joey, um ex-militar com transtorno de stress pós-traumático já revisitado tantas vezes anteriores em incarnações mais competentes.

Onde Knight reinventa é na forma como lentamente transforma Joey num anti-herói que tanto pratica o bem, procurando a sua redenção pelos crimes perpetrados na guerra do Afeganistão, como o mal, prologando a sua espiral doentia e recessiva, pontuada pelos sons agitados de beija-flores que remetem para a guerra e os seus vícios. Assumindo numa feliz coincidência uma identidade falsa, Joey ganha alguns meses para endireitar a sua vida, mas nunca procura a sua redenção completamente, embora a espaços faça grandes esforços impensados nesse sentido; o seu caminho contrasta com o da Irmã Cristina, uma jovem freira que também foge do seu passado e procura activamente endireitar-se. Quando as intenções de Joey e Cristina estão alinhadas, ambos se transformam; quando não estão, perdem-se, e perdem também os carecidos da Londres clandestina.     

Jason Statham tem em Joey a oportunidade para mostrar que é mais do que um simples, e por vezes reles, actor de filmes de acção e pancada. Statham consegue superar-se, embora o estranho sotaque britânico que nunca lhe assenta muito bem. A acção que existe em Redenção é meramente acessória e Statham controla-se e evita exageros. É lamentável que Knight, no entanto, não tenha visto em Statham uma oportunidade para explorar com outra dimensão e profundeza a personagem Joey, cingindo-o a certo ponto da narrativa a alguém concentrado numa vingança simples. A desconhecida polaca Agata Buzek tem um papel interessante, e mesmo polémico, em Cristina, mas as suas deficiências de representação são dissuasoriamente patentes.   


Redenção representa dois caminhos condenados pelas vicissitudes da vida e o final em aberto e distinto de cada um aponta para o papel imperioso da vontade de mudança. Se há algo a extrair desta produção, é esse e é pertinente. Tudo o resto é essencialmente genérico.

CLASSIFICAÇÃO: 3 em 5 estrelas

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