quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Filme: Mata-os suavemente (2012)


Mata-os suavemente não podia ter um título mais congruente. Marcado pela morosidade e pela excessiva conversa fiada, pouco faz para cativar o espectador. E tão abruptamente acaba que o sentimento é de alívio para muitos.

Depois de uma casa ilegal de póquer, guardada pela máfia, ser assaltada por dois vulgares ladrões, Jackie Cogan (Brad Pitt) é contrato para encontrar e eliminá-los. Quando descobre que um dos ladrões o conhece, Cogan chama outro assassino, Mickey (James Gandolfini). Mas as capacidades de Mickey já não são o que eram e Cogan terá que arranjar uma forma de cumprir o seu contrato.    

Mata-os suavemente parece o típico filme sobre o crime e a máfia com as características de um clássico do género: um excelente elenco, um realizador talentoso e um romance interessante. Mas a concretização cinematográfica falha surpreendentemente, ensombrada pela escusada procrastinação, pela proliferação de nós não resolvidos e pela teimosia pelo diálogo supérfluo. Chega mesmo a parecer um consultório sentimental para assassinos a soldo, quando não desperdiça vários minutos a preparar as execuções dentro de um carro numa longa conversa sobre como agir (mas sem nunca parecer ter vontade em fazê-lo).

A história, entre o assalto e as execuções, tenta acomodar um tom crítico à economia, às precárias condições sociais e ao final da governação de George W. Bush na América. Intercalando conversas e situações com discursos do antigo Presidente norte-americano (que na televisão fala de um império próspero e de um povo firme), exorta uma fundamentação para as escolhas criminosas dos ladrões e daqueles que os querem executar, mas sem nunca alargar a apreciação ou ostentar qualquer forma de moralidade – a única que ressalta é que na América é cada um por si.

Os valores técnicos do filme estão bons e a qualidade das interpretações nunca está em causa. Brad Pitt está ao nível que tem vindo a habituar nos últimos trabalhos e James Gandolfini, confortável num papel semelhante àquele que o tornou célebre no pequeno ecrã, está perto do brilhantismo. Os diálogos, ainda que excessivos, estão bem construídos e apresentam-se desinibidos como devem estar. O filme não se coíbe na brutalidade dos crimes exibidos (quando finalmente os decide aceitar), que mostra em planos habilmente conseguidos. As músicas que se desenrolam em cenas-chave (dada a ausência de banda-sonora) são astutamente introspectivas.   

Tudo em conta, Mata-os suavemente não é uma película de fácil, ou clara, degustação. Se um aceitar a suavidade e ultrapassar a impaciência, apreciará a história e a maneira como decorre. Caso não, é provável que experiencie frustração nos momentos mais parados e um alívio no final que tem tanto de satisfação quanto de desagrado.   

CLASSIFICAÇÃO: 2,5 em 5 estrelas

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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Filme: Operação Outono (2012)


Operação Outono não é de visualização fácil. Tecnicamente comprometido, inclui algumas interpretações interessantes. Mas o argumento, que devia ser o seu trunfo, é pobre, indiferente e trivial.

Humberto Delgado (John Ventimiglia) encontra-se refugiado na Argélia depois das eleições fraudulentas que o viram eleito pela população portuguesa, mas derrotado e perseguido pela PIDE e pelo Estado Novo. Enquanto procura outra forma de depor Salazar, os agentes da PIDE traçam um plano para o eliminar. Quando os dois objectivos se cruzam, a Operação Outono acaba tragicamente a 13 de Fevereiro de 1965 em Los Almerines, Badajoz. Mas quem tem realmente culpa?

Operação Outono é minimalista na abordagem histórica e na caracterização psicológica dos seus vários elementos. Ainda que tal distanciamento funcione algumas vezes a favor do filme, resulta maioritariamente contra, impedido qualquer elo emocional entre o espectador e a personagem, conheça ele ou não os factos históricos. A própria necessidade da Operação Outono pela PIDE nunca é adequadamente estabelecida, sobrevivendo a ligação lógica do filme no conhecimento que o espectador tenha do Estado Novo, o que pode (deve) ser verdade para o espectador português, mas incerto (ou completamente desconhecido) para o espectador internacional. Se o filme consegue sobreviver sem estas substruções, consegue, mas transverte-se num trabalho muito mais insosso, numa construção de situações e conversas encaixadas umas nas outras sem qualquer beleza cinematográfica.    

Tecnicamente, Operação Outono é incongruente. Filmado exclusivamente em 16mm, a fotografia faz uma reconstrução de época legítima e interessante, ainda que não seja bonita ou colorida, ou sequer bem iluminada. O objectivo também nunca foi ser esteticamente agradável. A edição de som é péssima e desarticulada da imagem e a dobragem de John Ventimiglia estranha sempre e nunca entranha. A música de Dead Combo é completamente desassociada da história e da época e a sua inexistência não seria lamentada. Uma montagem da música de Paulo de Carvalho “E Depois do Adeus” com imagens da revolução do 25 de Abril de 1974 é possivelmente o auge técnico do filme.

As interpretações do vasto elenco são boas, sobretudo se se ativer a falta de registos audiovisuais e históricos das várias personagens que necessitaram de uma reinvenção e caracterização pelos actores. Carlos Santos é distintamente espantoso e conquista todas as cenas em que está presente, criando falta nas restantes. John Ventimiglia pouco acrescenta ao General Sem Medo com a sua experiência norte-americana e o seu trabalho reduz-se a expressões gestuais que qualquer actor português conseguiria (talvez melhor). A escolha de Ventimiglia só pode ser justificada pela vontade de internacionalizar o filme, o que enfrenta o bicudo problema já acima mencionado.

Um thriller político que se veste a intervalos de espionagem, Operação Outono consegue apenas levantar algumas questões sobre o assassinato de Delgado, o envolvimento da PIDE e a actuação possivelmente compactuada do Tribunal de Santa Clara. Não mostra culpa nem culpados até à última cena, e mesmo essa, pela maneira como se apresenta, não é para ser levada a sério. Com um estilo que poderá ser considerado amador para muitos espectadores, Operação Outono é mais fracasso que sucesso. Quanto muito, abre caminho e necessidade para outras adaptações (aprofundadas) de Delgado, da sua vida e da sua morte. 

CLASSIFICAÇÃO: 2 em 5 estrelas

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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Filme: O Substituto (2012)


O Substituto nunca chega a atingir o potencial da sua história ou do seu bom elenco. Parecendo a momentos mais um documentário do que um drama, resulta numa edição desordenada de enredos que parecia desejar seguir, mas que foi deixando de parte, puramente esquecidos, para manter o foco numa personagem de Brody que, embora ao seu melhor nível, é tão confusa e incompleta quanto o filme em si.

Henry Barthes (Adrien Brody) é um professor substituto que acaba de ser colocado, durante um mês, numa nova escola. Enquanto enfrenta a doença do seu avô e dá abrigo e ajuda uma jovem prostituta a recomeçar a sua vida, batalha com os vários problemas sociais da nova escola e tenta compreender o papel e o trabalho dos seus colegas. Mas como um outsider, distanciado da realidade daquele meio, sentirá problemas e enfrentará vários desafios.

Se O Substituto faz uma coisa bem, muito bem até, é expor a realidade de um professor numa escola com um meio social complicado da forma mais crua e sincera. Mostra os desejos dos professores, aquelas motivações primárias que os encaminharam à profissão – a vontade de ajudar e marcar a diferença –, e depois o seu cair na realidade, no desespero, na pressão por resultados forçadamente positivos, conformando-se com a inaptidão de alunos desinteressados e pais indiferentes. Ainda que ao de leve, faz uma decente exposição do bullying e da prostituição juvenil. Mas O Substituto é, sobretudo, uma introspecção de Henry Barthes e de tudo aquilo que o leva a um distanciamento e desapego progressivos, à sua incapacidade, resultante de uma tragédia passada mal explorada, para ser mais do que um simples substituto.

Tivessem os elementos anteriores sido orientados de uma maneira assertiva, O Substituto podia ser mais do que um simples filme: podia constituir uma séria e incontornável lição. Mas como se perde numa edição confusa, e mistura mal elementos de documentário e drama, desperdiça qualquer hipótese de moralidade, mesmo que todo o filme esteja preenchido, possivelmente a tapar evidentes fendas no guião, com frases e representações genuínas e motivadoras. Não ajuda também que Henry Barthes seja uma personagem emocionalmente distante e que o restante elenco esteja emocionalmente indisponível.

A edição, como já mencionado, é confusa, baralha a identidade do filme, e a fotografia, pontualmente com planos e disposições interessantes, nada traz de tecnicamente relevante. A música que acompanha, particularmente melancólica e maçuda, não oferece emoção ou disfarça a morosidade dos acontecimentos. Ocasionalmente, gráficos animados, a similar giz num quadro de ardósia, expõem alguns sentimentos mais profundos de algumas personagens e oferecem uma bem-vinda distracção, mas não mais do que isso.

Adrien Brody está de volta ao seu nível máximo de representação neste filme. Com o pouco que lhe foi dado a fazer – emocionalmente –, superou-se. Esse aspecto, juntamente com a forma como é reproduzido o ambiente social de uma escola, torna O Substituto cativante. Tudo o resto torna-o irrelevante. 

CLASSIFICAÇÃO: 2,5 em 5 estrelas

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terça-feira, 6 de novembro de 2012

Filme: Argo (2012)


Argo é um filme intenso, hábil e admirável. Ben Affeck revela uma vez mais ambivalência de qualidades, à frente da câmara e atrás dela, e poderá finalmente conseguir o reconhecimento que tem competentemente procurado na sua incursão à realização.

Em 1979, rebenta a Revolução Iraniana e o Xá Mohammad Reza Pahlevi é deposto do poder. Doente e vencido, Pahlevi consegue asilo político nos Estados Unidos da América. Revoltado, o povo iraniano exige o regresso do Xá e a 4 de Novembro de 1979 invade e toma reféns na embaixada norte-americana. Na confusão, seis diplomatas americanos fogem da embaixada e refugiam-se na casa do embaixador canadiano. O especialista em extracções da CIA, Tony Mendez (Ben Affleck), desenvolve um plano meticuloso para resgatá-los, envolvendo a produção fictícia de um filme de ficção científica. Mas a secreta missão enfrentará muitos adversários e desafios, tanto no Irão como nos próprios Estados Unidos da América.

Os eventos que levaram ao resgate dos seis refugiados foram mantidos em segredo durante muitos anos e só a partir de 1997 foram tornados públicos e o envolvimento de Tony Mendez foi reconhecido publicamente. Enquanto, na realidade, o trabalho de Mendez parece efectivamente algo retirado de um filme, Argo faz muito, e muito bem, para o tornar verosímil, detalhando todo o processo com inteligência, humor e drama. E onde o argumento de Chris Terrio se encontra consciente do processo de extracção, não se coíbe a contornar a realidade e a reordenar e a relocalizar os eventos para criar espanto e gradualmente elaborar um momento de altíssimo suspense que coloca a audiência numa angustiante expectativa. Afinal, Argo é um filme, um thriller, e não um documentário.  
     
Meticulosamente filmado, Argo combina imagens reais, reproduz outras, com o seu lado fictício, nem sempre sendo óbvia a distinção entre elas. A edição é de nível e é particularmente brilhante numa cena intercalada em que o falso filme «Argo», da CIA, é apresentado em Hollywood e em Teerão os reféns da embaixada são considerados espiões e ficam com as vidas em risco. A fotografia é tendenciosamente escura, a intervalos baça, não só contribuindo para dificultar a distinção entre os planos reais e os planos fictícios nos momentos em que se concertam como para transmitir uma atmosfera encoberta tal como aquela de um dia que antevê uma tempestade e o ruir dos esforços. A cadência da banda sonora de Alexandre Desplat, afinada às variadas circunstâncias, envolve em brio os esforços anteriores e torna a tensão e a angustiante expectativa mais intensas ainda.

Se Argo tem um aspecto negativo de saltar à vista terão que ser a falhadas breves sugestões de uma vida pessoal de Tony Mendez fracassada e problemática, com um provável problema de alcoolismo. Nada disso interessa para o guião central nem toma influência no sucesso ou insucesso da missão. Nem é necessário para tornar o arriscado trabalho de Mendez heróico e laudável. Mas da maneira como o filme corre, poucos se aperceberão ou importarão com este menor lado.  

Ben Affleck desempenha o papel principal e está de corpo presente em quase todo o filme. Tão bem quanto efectivamente está, é importante realçar a qualidade do restante elenco, nomeadamente Bryan Cranston e Alan Arkin. Seguindo a tradição de Hollywood de premiar filmes que mostram a competência norte-americana, Argo poderá estar a caminho de uma época de prémios em cheio. A verdade, porém, é que merecerá a grande parte deles. Merece, sobretudo, pela capacidade de transverter uma história acessória dos eventos da Revolução Islâmica e da tomada de 444 dias da embaixada norte-americana no mais notório acontecimento. 

CLASSIFICAÇÃO: 4,5 em 5 estrelas

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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Filme: Dos Homens sem Lei (2012)


Dos Homens sem Lei é um interessante filme de época que, não abordando especialmente os problemas da Grande Depressão, caracteriza bem os tempos da Lei Seca e da criminalidade associada. As actuações de Hardy e Pearce, em particular, são de enaltecer.
   
Em 1931, em plena Grande Depressão e imposição da Lei Seca, os irmãos Bondurant controlam uma destilaria ilegal de sucesso em Franklin County, Virginia. Forrest (Tom Hardy) é o irmão mais velho, também o cérebro e músculo da operação, Howard (Jason Clarke) o irmão de cabeça quente e Jack (Shia LaBeouf) o irmão novo e vacilante. Quando o recém-chegado delegado Charlie Rakes (Guy Pearce) coloca a operação dos irmãos Bondurant em causa, Franklin County deixa de ser o paraíso das destilarias ilegais e a alegada invencibilidade dos Bondurant é colocada à prova.

Dos Homens sem Lei, adaptado por Nick Cave do livro The Wettest County in the World de Matt Bondurant (neto de Jack Bondurant), nunca chega a ser um filme coeso. Divide-se em momentos de criminalidade e momentos de relacionamentos maioritariamente desligados uns dos outros. Faz um muito melhor trabalho a reproduzir a violência (muitas vezes vertiginosa, inesperada e gráfica) do que a estabelecer relações interessantes, revelando um problema de identidade provavelmente justificado pela necessidade de humanizar um grupo de foras-da-lei. A natureza da obra de Matt Bondurant constrange o enredo a seguir a personagem de LaBeouf em todas as suas interacções diárias, quando a verdadeira qualidade do filme se encontra nas personagens de Hardy e Pearce, mesmo que Jack Bondurant seja no fim de contas o mais simples e íntegro dos irmãos que merece redenção aos olhos das outras personagens e do espectador no final.

Em plena Grande Depressão, é de lamentar que as terríveis condições de vida não surjam como condicionantes para os habitantes de Franklin County e para a criminalidade dos irmãos Bondurant e dos produtores de álcool ilegal em geral. À parte, possivelmente, da excelente fotografia baça e fria de Benoît Delhomme, apenas uma única referência à crise é feita, praticamente um ponto de situação para o espectador. Seria mais concebível que a conformação à criminalidade dos irmãos Bondurant viesse de um contexto económico e social degradado e incomportável do que das exposições prolongadas a relacionamentos desinteressantes em que Dos Homens sem Lei desperdiça demasiado tempo. 

Mas onde o guião de Dos Homens sem Lei é fraco, as interpretações são fortes. Hardy é quem mais fica na memória, não apenas pela natureza aparentemente indestrutível de Forrest, mas também pela credibilidade, resolução e ponderação que Hardy lhe confere, transformando-o num herói silencioso que é difícil não apoiar. Pearce fica imediatamente atrás de Hardy: o seu Rakes é deliciosamente instável, enervante e perigoso. O restante elenco faz um bom trabalho, sem a notabilidade destes dois, sendo necessário realçar, no entanto, pelo lado menos, o trabalho demasiado secundarizado de Jessica Chastain, que serve mais de adereço do que outra coisa.

Dos Homens sem Lei é muito bem filmado, alternando inteligentemente entre planos abertos e planos fechados, não se amedrontando na demonstração da sanguinolência da violência. Uma banda sonora mais presente teria sido vantajoso, daria outro espírito ao andamento da história, mas como está, com as suas falhas e virtudes, Dos Homens sem Lei vale a pena ser visualizado, quanto não seja pela veracidade de uma história de uma época de foras-da-lei.

CLASSIFICAÇÃO: 3 em 5 estrelas

Site oficial: http://lawless-film.com/
Trailer: