quinta-feira, 28 de março de 2013

Filme: Terra Prometida (2013)


Terra Prometida é um trabalho desinspirado de Van Sant, que se extenua num argumento auto-indulgente incapaz de terminar congruentemente o percurso prometido.

Steve Butler (Matt Damon) é consultor de uma multinacional – Global Crosspower Solutions – especializada na extracção de gás natural. Steve é enviado para uma pequena localidade agrícola na Pensilvânia para convencer e aliciar os locais a permitir a extracção de gás nos seus terrenos. O trabalho de Steve parece bem encaminhado, porém encontra um obstáculo num professor, antigo cientista, que exige um voto popular. O problema de Steve aumenta quando um elemento de um grupo ambientalista aparece na localidade para condenar os processos extractivos da Global.

O argumento de Terra Prometida, assinado pelos actores Matt Damon e John Krasinski, trabalha a temática da exploração por parte das grandes multinacionais de uma forma inopinada, colocando a narrativa a favor do poder capitalista, reduzindo, e mesmo denegrindo, o papel do indivíduo comum no processo de decisão, transformando-o num mero obstáculo, facilmente removível, facilmente aliciado, envolto em inaptidão mental. Sendo a localidade em foco na história um meio pequeno, isolado, onde todos se conhecem, o argumento não resiste à estereotipagem, que aproveita, aliás, para alcançar precisamente o efeito atrás referido. Os restantes indivíduos – aqueles que têm algum poder para alterar o resultado da decisão sobre a instalação da empresa Global Crosspower Solutions – surgem mais inteligentes, sarcásticos, munidos do dom da palavra. A ideia do filme não é concretamente colocar o capitalismo num pedestal: a consciencialização para os problemas que advém do cego interesse económico ganha peso ao longo da narrativa, mas sempre de forma ineficaz, incapaz de alcançar a desejada acuidade que impele a audiência à reflexão. Falhando nesse aspecto, falha a premissa da sua existência.

O percurso de consciencialização segue o percurso evolutivo de Steve Butler, consultor temível, confortável com o seu trabalho, que começa a ponderar as questões ambientais e de saúde pública que sempre rejeitou e refutou. O percurso de Steve e a sua abertura aos problemas provocados pela sua empresa torna-se, no entanto, subordinada à relação afectiva com uma popular, desprovendo o seu carácter e o seu caminho de verdadeiro sentido de mudança. Ao contrário de que certamente desejariam Damon e Krasinski, a mensagem de Terra Prometida autodestrói-se parcialmente, embora a interessante reviravolta no final, ficando a impressão da dominância inviolável, impossível de desafiar, do interesse económico, particularmente num cenário de crise que afecta especialmente as pequenas populações.

Gus Van Sant é um realizador inconstante, capaz de grandes filmes como o tocante Milk e de maus filmes como o desnecessário e pretensioso remake de Psico. Terra Prometida fica algures no meio, primando no andamento calmo e descontraído e comprometendo na exposição ao supérfluo e desinteressante. Aos actores não é dado muito a provar, pelo que não se desdobram em interpretações brilhantes e memoráveis. Assumem, na verdade, um à-vontade que chega a tornar-se num elemento dissuasor para a mensagem principal. Os seus papéis são unidimensionais e descaracterizados. A localidade agrícola, enquanto meio para o envolvimento narrativo, também não se encontra propriamente retratada, nunca ficando muito clara a união entre o seu povo e o poder que o parecer de um possui para afectar o dos restantes.

Terra Prometida não chega ao ponto prometido pela sua narrativa, deixando pelo percurso uma sobremaneira negativa opinião sobre o gás natural e o seu processo de extracção. Se há alguma intenção secundária, não é claro. Claro, sim, é o insucesso na transmissão e cumprimento da premissa global.

CLASSIFICAÇÃO: 2,5 em 5 estrelas


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quinta-feira, 21 de março de 2013

Filme: Comboio Noturno para Lisboa (2013)


A sensação de visualizar um filme internacional na capital portuguesa é estimulante e fascinante, particularmente quando o guia de serviço é um tão encantador quanto Jeremy Irons. Comboio Noturno para Lisboa, todavia, enquanto contador de histórias, é um projecto pouco ambicioso, preso à sua própria comodidade.

Raimund Gregorius (Jeremy Irons) é um professor suíço de velhas línguas. Certo dia, Raimund salva uma misteriosa mulher de uma tentativa de suicídio. A mulher desaparece e deixa para trás um livro de edição pequena e única de um desconhecido autor português, Amadeu de Prado (Jack Huston). No livro, Raimund encontra bilhetes de comboio para Lisboa. Numa decisão impulsiva, Raimund decide-se a fazer a viagem, uma que o levará a conhecer a vida de Amadeu e o seu papel na revolução portuguesa que terminou a ditadura do Estado Novo.

O romance homónimo de Pascal Mercier, do qual Comboio Noturno para Lisboa é adaptado, é uma obra com uma intenção filosófica e reflectiva com pano de fundo a ditadura portuguesa e o movimento revolucionário que eventualmente lhe pôs um fim. Comboio Noturno para Lisboa – o filme – procura capturar e transpor para o grande ecrã o mesmo encanto ensimesmado, envolvendo o seu enredo numa atmosfera melancólica e soturna, agarrada e prisioneira dos eventos do passado, à vitalidade e à significância de cada acção individual para um panorama comum em secreta mudança. A concernência do presente é pouca e Comboio Noturno para Lisboa evita perder tempo no seu marasmo, apressando Raimund entre cenários, personagens e transportes para rapidamente se lançar noutra reminiscência do passado, aos poucos e poucos agregando as cores desordenadas de uma pintura incomum alusiva à revolução portuguesa do 25 de Abril de 1974. A singularidade deste retrato encontra-se no destaque que entrega às decisões individuais e à eventualidade de serem afectadas pela inevitabilidade de amar e invejar.

Comboio Noturno para Lisboa, embora bem-intencionado, nunca estabelece uma motivação clara, ou aceitável, para a obstinação de Raimund para percorrer Lisboa em busca da vida de Amadeu de Prado e dos ideais por trás do seu livro, um que chega às mãos Raimund através de um acto que nunca apresenta explicação. Aponta apenas para o aborrecimento da sua vida e para a insignificância do seu trabalho. Raimund, e praticamente todo o enredo do tempo presente, é quase completamente dispensável, meramente expositivo; é apetrecho para bater de porta em porta e para realizar travessias sobre o Tejo, embora Jeremy Irons, na sua presença sempre fascinante, lhe acrescente valor. Comboio Noturno para Lisboa, numa oportunidade perdida, também não se preocupa em estabelecer uma causalidade intemporal entre as circunstâncias da revolução e o actual desalento social, recordando o seu propósito de meditação.

É significante testemunhar a cidade de Lisboa numa produção internacional, mesmo que o realizador dinamarquês Bille August nunca se perca em contemplações abusivas da cidade ou dos seus principais pontos turísticos. A sua visão da capital portuguesa é, acertadamente, simples e populista. Mais considerável ainda é a agradável frequência da guitarra portuguesa numa banda sonora reservada e humorada. O elenco internacional, nem sempre tão aportuguesado quanto tenciona, é marcado pelas boas interpretações de Jeremy Irons, dedicado e incansável, Jack Huston, cativante e apreensivo, e Charlotte Rampling, elegante e misteriosa. Entre os portugueses, destaque para Marco D’Almeida, capaz de uma expressão e absorvimento emocionais que os seus projectos televisivos raramente permitem, e Beatriz Batarda, encantadora e sensível.

Comboio Noturno para Lisboa prende sobretudo a atenção quando se foca na ditadura e na revolução, calmamente, sem desnecessárias tensões. Quando o foco são os pensamentos de Amadeu de Prado e a consequente interpretação de Raimund, distancia-se do espectador, do seu interesse, embora a pertinência da sua intenção filosófica e reflectiva. O problema é, possivelmente, a menos boa combinação conseguida por Bille August. O epílogo é desnecessariamente longo, mesmo com a presença da encantadora Lena Olin. Comboio Noturno para Lisboa deixa, no fim, um sentimento amargo, entre a gratificação de uma produção internacional realizada em Portugal (muitos são os nomes portugueses que preenchem os créditos finais) e o dissabor de uma história que, referenciando-se na ditadura portuguesa, parece incompleta e mal contextualizada. 

CLASSIFICAÇÃO: 3 em 5 estrelas


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sexta-feira, 15 de março de 2013

Filme: Ferrugem e Osso (2013)



Ferrugem e Osso é um trabalho peculiar, ditosamente diferente, que exige uma visualização tencionada e atenta para maior interiorização. Não se propõe a emocionar ou a dramatizar. Apenas sugere. Schoenaerts e Cotillard brilham.

Ali (Matthias Schoenaerts) não tem emprego e tem agora um problema maior em mãos: o seu filho de cinco anos que a mãe decidiu abandonar. Ali viaja para o sul de França, onde mora a sua irmã. Ela fornece-lhe alojamento temporário e Ali arranja um emprego como segurança. Certa noite, Ali conhece Stéphanie (Marion Cotillard) e acompanha-a a casa, mas nada mais acontece. Algum tempo depois, Stéphanie sofre um terrível acidente e, na depressão consequente, volta a entrar em contacto com Ali. Imperceptivelmente, ajudam-se mutuamente.

A narrativa de Ferrugem e Osso, vista como um todo, remete para a fase derradeira de uma tragédia clássica, em que já se passou da felicidade para a infelicidade e se procura a catarse final que liberta e purifica. Efectivamente, Ferrugem e Osso começa logo para traçar um cenário negro para Ali, desempregado, sem dinheiro, sem casa e com a responsabilidade de cuidar de um filho de cinco anos que a mãe abandonou. As adversidades de Ali cruzam-se com a aparente estabilidade de Stéphanie, empregada, com casa própria e um relacionamento. Mas, no fundo, Stéphanie é uma heroína que já caminha para a desgraça, para uma tragédia prenunciada na discoteca em que conhece Ali. A desgraça acontece, inevitável, custando a Stéphanie as suas pernas e a sua liberdade. A infelicidade é o elemento que liga Ali a Stéphanie, mesmo que se não apercebam. Ali ajuda Stéphanie a olhar para além da sua nova condição, trazendo-lhe liberdade e a noção de que muito do que antes era possível continua a ser válido. Por seu lado, Stéphanie cria em Ali algo que não conhecia há muito tempo: uma verdadeira amizade; uma que, aos poucos e poucos, cresce e se torna em algo maior.

O caminho para a catarse de Ali e Stéphanie encontra um obstáculo quando ambos tomam consciência da evolução da sua relação. Stéphanie sente-se desconfortável com a frieza, o distanciamento e a despreocupação de Ali, enquanto este, desabituado e inadaptado a uma relação com significado, sente medo. A condição de Stéphanie nunca é uma particularidade que interdite a relação – aqui reside a força da narrativa: as únicas barreiras são os desejos e os medos individuais, as intrínsecas características de ser humano que moldam trajectos e destinos. O melodrama não é, porquanto, físico: é psicológico. A tragédia, e a consequente catarse, assume naturalmente a mesma forma – do foro da mente –, mesmo que a cura de Stéphanie comece no implante de duas próteses e a de Ali na prossecução do seu sonho de kickboxing.
    
Ferrugem e Osso fraqueja quando parece assustar-se com a invulgaridade da sua mensagem e introduz na narrativa momentos triviais na intenção de sossegar o espectador. Esses momentos, todavia, maioritariamente associados às ilegais lutas de kickboxing e à ilegal espionagem de trabalhadores em supermercados, desviam a necessária atenção da temática central, não interessando tanto quanto o filme tenciona. Felizmente, as louváveis interpretações de Matthias Schoenaerts e Marion Cotillard conseguem desviá-los do total falhanço. Schoenaerts, de uma forma máscula e distante, e Cotillard, de uma forma sentida e frágil, novamente de volta ao seu meio privilegiado, engradecem os seus respectivos papéis e introduzem um nível de qualidade na narrativa que torna a complexa moral mais facilmente permeável.

O mérito é também repartido com o realizador Jacques Audiard que, embora os desnecessários atalhos, raramente perde ideia da sua mensagem principal. A sua realização resiste à emoção fácil. Na verdade, procura mais vezes criar um certo mistério e remeter para o espectador a procura de alguma perturbação. Tanto o é que parece esquecer-se de concluir rigorosamente a sua história: fá-lo de forma repentina, inopinadamente, entregando ao espectador a função de moldar a sua conclusão e a sua interpretação da catarse. Talvez não seja uma conclusão propriamente justa. Aliás, todo o último acto parece apressado e descontextualizado. Porém, se o espectador se permitir algum trabalho, retirará benefício moral da narrativa de Ferrugem e Osso.  

CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


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quarta-feira, 13 de março de 2013

Filme: Robô e Frank (2013)


Simples, divertido e inesperadamente comovedor, Robô e Frank utiliza inteligentemente elementos de diferentes géneros cinematográficos para construir uma relação improvável e, mais intimamente, detalhar a velhice, a família e o hábito.

Num futuro próximo, Frank Weld (Frank Langella) é um velho pai e um reformado ladrão de jóias que vive isolado da família. Progressivamente incapaz de manter a sua memória norteada, Frank é relutante em aceitar um robô-mordomo (Peter Sarsgaard) que o seu filho oferece para realizar as tarefas do dia-a-dia e mantê-lo mental e fisicamente activo. Robô é, precisamente, o instrumento que Frank precisa para recuperar alguma genica, a suficiente para planear um novo roubo. Mas Robô irá recuperar mais em Frank do que ele imagina.

Robô e Frank é um filme particularmente incomum, agregando elementos de vários géneros cinematográficos para construir uma história que se revela mais profunda do que aparenta inicialmente. Muito mais do que a história de uma inopinada relação entre um idoso, ainda apegado à simplicidade da tecnologia do passado, e um robô-mordomo, com uma programação encantadora e inteligente, é um olhar desintricado e agradavelmente simples sobre a velhice, a família e o hábito. Na velhice, confronta a senilidade e a diminuição de capacidades. Na família, a inevitabilidade dos rumos individuais e dos erros cometidos. No hábito, a perpetuidade do vício, já transformando em mania e em doença. Agregando os três numa personagem – Frank – nem sempre moralmente adequada, mas circunspectamente encantadora e relutantemente tocada por afabilidade, Robô e Frank cria um género próprio para escapar a comodidades e convencionalismos, embora, com franqueza, não chegue a libertar-se nem de um nem de outro. Não obstante, o pouco que consegue satisfaz. E satisfaz graças, sobretudo, a uma notável e até inesperada revelação final que muda consideravelmente o cariz da história e da sua pertinência moral.

O carácter de ficção científica nunca assume uma dimensão que aliene audiências mais desconfiadas. Na verdade, serve mais como um adereço, repleto de curiosidade, para o enredo principal, particularmente quando Robô ultrapassa a barreira do apetrecho tecnológico para se transformar numa voz da consciência sempre presente e correcta para um Frank progressivamente absorto. O carácter de comédia não abunda ou abusa, tomando até um lugar mais secundário do que se possa estar à espera, criando mais espaço para o desenvolvimento do drama despretensioso, mas cônscio e sorrateiramente activo. Robô e Frank, que mostra preocupação com as suas personagens principais, perde-se na marginalização das suas personagens secundárias, cujas se tornam num mero expediente para avanços e recuos de enredo, com pouca ou nenhuma carga moral e afectiva associada. Perde-se mais um pouco na narrativa do roubo de algumas jóias valiosas e numa acção policial minimamente improvável.

Frank Langella sustenta quase por completo os sucessos do filme com a sua presença emocionalmente inteligente, sem nunca precisar de abrir o seu semblante para transformar um momento vulgar num momento cómico, ou um momento reflectivo num momento de inesperada desorientação. Mérito é também atribuído a Peter Sarsgaard, que dá a voz a Robô com carga emotiva disfarçada na formalidade da acção aparentemente fria de algo tecnológico, sem vida. Pouco há a apontar ao restante elenco, bom ou mau, porquanto a sua acção é reduzida e limitada ao convencional.

A primeira realização de Jake Schreier prima pela simplicidade com que trata e mistura os vários géneros e protege os trunfos do argumento – similarmente o primeiro – de Christopher D. Ford. Mesmo que Schreier, que previamente realizara uma curta-metragem em 2005, revele alguma ingenuidade na maneira como se ocupa das histórias e das personagens secundárias, mostra natural aptidão. Robô e Frank é demonstração disso, tal como é demonstração de que é possível usar conjuntamente ingredientes de receitas diferentes com resultados mais do que satisfatórios.

CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas


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quinta-feira, 7 de março de 2013

Filme: Oz - O Grande e Poderoso (2013)


Oz – O Grande Poderoso é, individualmente, um trabalho decente e, conjuntamente, uma menos decente prequela de uma consideravelmente superior obra. Recria Oz com todo o encanto que a tecnologia permite, mas a magia está ausente e a narrativa atinge a trivialidade.

Oscar Diggs (James Franco) é um mágico num pequeno circo ambulante. Com poucos espectadores e um espectáculo que não emociona, Oscar sonha em juntar-se a grandes nomes como Houdini e Edison. Certo dia, no Kansas, quando um espectáculo corre mal, Oscar acaba em fuga num balão de ar quente. Quando o balão se perde num tornado, Diggs vê-se num mundo completamente diferente: Oz. Em Oz, Oscar aprende sobre uma profecia que o envolve a ele, a Oz e ao seu povo. Oscar poderá ser o salvador do mágico mundo, mas muito dependerá das intenções de três bruxas: Theodora (Mila Kunis), Evanora (Rachel Weisz) e Glinda (Michelle Williams).

Oz – O Grande e Poderoso é a concretização de um longo projecto da Disney para reavivar o fabuloso mundo de Oz – criado por L. Frank Baum – que ganhou forma e cor com O Feiticeiro de Oz, encantando audiências em 1939 e incontáveis espectadores desde então. O Feiticeiro de Oz tornou-se num clássico e numa referência cultural e da fantasia. Com O Grande e Poderoso, pretende provavelmente a Disney capitalizar sobre o fenómeno e reconstruir o mundo de Oz com as mais inovadoras técnicas cinematográficas. É previsível que a produtora retire lucros do seu empreendimento, mas a intenção de ressuscitar Oz e de lhe dar outra vida esbarra num resultado final que, embora mergulhado num sem-número de efeitos especiais de encher o olho, não consegue capturar a magia e a beleza cinematográfica alcançada com métodos comparativamente rudimentares em 1939.

Não significa que os ditos efeitos, que o CGI e que os grandiosos cenários multicolores, não acrescentem nada ao mundo de Oz. Conseguem torná-lo mais palpável, mais extenso e mais vibrante. O problema – a falta de magia e de beleza cinematográfica – encontra-se acorrentado à história, a um argumento pobre, que não transpira a mesma jornada moral de auto-descoberta e auto-capacitação, singelamente evidenciados no original de 1939 e quase completamente ausentes aqui. A história da origem do feiticeiro de Oz (cuja não é totalmente despropositada) exigia semelhante jornada. O que existe, no lugar, é uma torrente de sucedimentos novelescos que desacreditam a própria essência do mundo de Oz, que se aproveitam do espectáculo visual para distrair o espectador das débeis fundações que os sustentam.

A realização de Sam Raimi é inesperadamente desinspirada, tendo em conta o material imaginativo à sua disposição. Sucumbe à estilização, à falta de substância. A técnica pode ter funcionado na trilogia de Homem-Aranha, mas não aqui, onde a força não reside na acção ou na computorização, mas no acto primordial de contar uma história. O melhor momento de Raimi fica logo no início, num prólogo no Kansas, a preto e branco, reutilizando a mesma técnica empregada por Victor Fleming no original de 1939, num prólogo semelhante. Pena que Raimi não tenha seguido a inspiração daí para a frente. A música de Danny Elfman, raramente desencantadora, é igualmente desinspirada e desinteressante, desdobrando-se em coros apagados e em auges ruidosos. As interpretações são rotineiras e unidimensionais, sem momentos memoráveis. James Franco é um decente Oscar Diggs e um melhor feiticeiro de Oz. Mila Kunis, Rachel Weisz e Michelle Williams não se empenham muito, mas não comprometem. A personagem mais encantadora encontra forma, curiosamente, numa adorável boneca de porcelana, com a voz da jovem Joey King.

O Grande e Poderoso consegue eventualmente estabelecer a desejada ponte com O Feiticeiro de Oz e transformar Oscar Diggs na figura que lança Dorothy Gale na sua fabulosa aventura. Mas apraz muito pouco, pobremente, quando a moeda de troca são duas horas de artifícios visuais vazios e aborrecidos, de estereótipos e narrativas que já não são novos, ou entusiasmantes. Se O Grande e Poderoso acaba por fazer alguma coisa bem é tornar O Feiticeiro de Oz numa obra cinematográfica ainda mais venerável e obrigatória.   

CLASSIFICAÇÃO: 2,5 em 5 estrelas


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sexta-feira, 1 de março de 2013

Filme: Agora fico Bem (2013)

Agora fico Bem, com actuações satisfatórias, pode iludir com a pretensão emocional da sua história, mas o carácter estereotipado e barato de todo o argumento é indisfarçável e lamentável. 

Tessa (Dakota Fanning) é uma adolescente de 17 anos que se encontra na fase terminal de leucemia. Cansada e infeliz com as várias viagens ao hospital que pouca qualidade de vida lhe têm acrescentado, decide suspender todos os tratamentos e aproveitar o tempo e os momentos que lhe restam para viver ao máximo e satisfazer todos os seus desejos. A vida de Tessa melhora quando conhece Adam (Jeremy Irvine), tornando a sua escolha – de mais nenhum tratamento – ao mesmo tempo difícil e essencial.  

A história de Agora fico Bem, adaptado do livro Before I Die de Jenny Downham, é um testemunho interessante sobre a fase derradeira, terminal, de uma terrível doença. Desperta especialmente a curiosidade por retratar uma doente que decide enfrentar o seu irrevogável destino, aceitando-o com a maior das virtuosidades em vez de intentar penosos e infelizes tratamentos de pouco adiamento. Contudo, o filme nunca abandona a corrente de convencionalismos a que inexplicavelmente se prende, preterindo o efeito agonizante e redentor de uma resoluta doente de leucemia por triviais dramas juvenis fundamentalmente descontextualizados. E embora bem tencionada, a ideia de tornar a narrativa num conjunto de momentos significantes apenas contribui para uma desestruturação ilógica e pouco emocionada.

De Agora fico Bem é exigido muito mais; muito mais do que o filme mostra coragem. Várias são as temáticas a que a narrativa alude – na família: o desolador inconformismo de um pai, a terrível passividade de uma mãe e a venturosa ingenuidade de um irmão; na vida: os contidos receios de um novo namorado e o desconsolo e a solidão de uma amiga de longa data. Infelizmente, Agora fico Bem fica-se pela mera alusão na maioria das situações, rejeitando sinceras vantagens para se refugiar e refrear nas situações mais digeríveis e mais emocionalmente acessíveis. É, pelo menos, decente a mostrar a visão de Tessa sobre a vida e sobre o medo que a cerca. E sobre a sobriedade da lista de últimos desejos que elabora, mesmo que o filme não chegue a mostrar ou a executar a maioria deles.  

As interpretações são o ponto mais forte de Agora fico Bem, particularmente da jovem Dakota Fanning, com um interessante sotaque britânico, que volta a confirmar as suas qualidades depois de alguns projectos recentes menos bem-sucedidos. Jeremy Irvine, depois de Cavalo de Guerra, torna a mostrar uma disponibilidade e maleabilidade emocional agradável. Os britânicos Paddy Considine e Olivia Williams, enquanto pais de Tessa, primam pela capacidade de tornar dois papéis marginalizados em duas actuações importantes para moderar o marasmo da teia dramática juvenil. A realização de Ol Parker – o seu segundo trabalho – é relativamente exotérica, sem contribuir com sinal mais ou menos para o panorama geral. 
  
Agora fico Bem é, sobretudo, penalizado por uma história mal abordada e emocionalmente simplificada, fazendo lembrar a instantes uma adaptação de um dos muitos romances de Nicholas Sparks. A ideia até pode ter sido a de se relacionar com tal público. Pena que Ol Parker não se tenha dignado a pensar nos restantes espectadores. Talvez não tivesse comprometido Agora fico Bem tanto à partida.    

CLASSIFICAÇÃO: 2,5 em 5 estrelas


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