quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Filme: The Hunger Games: Em Chamas (2013)

Não obstante alguma sensação de déjà vu, The Hunger Games: Em Chamas, comandado por Jennifer Lawrence, é a rara sequela que melhora sobre o original, explorando e aprofundando os seus temas e as suas mensagens.

Após a vitória nos 74os Jogos da Fome, Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) e Peeta Mellark (Josh Hutcherson) procuram adaptar-se à condição de mentores, uma que os obriga a percorrer os distritos de Panem em tributo aos companheiros falecidos durante os Jogos. Durante a viagem, Katniss e Peeta tentam manter aparências a fim de controlar o sentimento de revolta contra o Capitólio que começa a ganhar força na população. Quando falham, Katniss e Peeta regressam à arena para os 75os Jogos da Fome, um evento especial em que a Colheita é feita a partir de antigos vencedores.

The Hunger Games: Em Chamas não palminha caminhos muito diferentes do seu antecessor – a espaços, parece deveras uma cópia em papel de carbono daquele que lhe dá origem -, mas a evolução favorável na mitologia e nas temáticas envolvidas consagra aquele por vezes raro upgrade numa sequela que cria um registo cinematográfico indiscutivelmente superior. Partindo de um argumento adaptado por Simon Beaufoy e Michael deBruyn (pseudónimo para Michael Arndt), Francis Lawrence agarra sem rodeios no já agradável produto de Gary Ross e, com expectativas acrescidas e sufocantes sobre si, introduz inovação e maturidade onde a narrativa a exige, alargando as dicotomias no mundo de Panem e alimentando as necessidades de sublevação que vão ganhando força nesta saga. Este Hunger Games já não se circunscreve apenas ao horroroso e sádico conceito dos Jogos ou da sua mortífera arena; na verdade, a presença deste recinto é já, por esta altura, um companheiro que chega tarde e desnecessariamente à festa, embora a sua existência não se revele descabida ou importuna.     

Com riscos maiores, Katniss, a Rapariga em Chamas, e Peeta são forçados a uma viagem da vitória por todos os pobres distritos de Panem para acalmar o espírito de perturbação que toma conta da população desde que Katniss se insurgiu contra as regras do Capitólio no final do primeiro capítulo da saga. O ambiente sombrio e frio que envolve esta viagem serve igualmente para criar desconforto no espectador, reforçando o contraste com o visualmente belo e opulente do Capitólio e dos sues relacionados. É nesta envolvência que Katniss começa a compreender que, alheio à sua vontade, representa o gatilho para uma poderosa arma: a insurreição. Todavia, sob a ameaça do Presidente Snow, Katniss recusa ser o rosto desta propaganda, tentando mostrar um rosto de disposta obediente à população dos doze distritos. Quando o esforço não resulta, Snow encontra forma de eliminar o mal pela raiz, forçando Katniss a regressar à arena com Peeta e antigos vencedores dos Jogos.

Este regresso à arena, embora mantendo o foco sobre o inabalável instinto de sobrevivência e entreajuda de Katniss, não deixa de dar a impressão de um intermezzo entre um acto superior e tematicamente expressivo. A forma como Francis Lawrence mantém aqui o espectador distante dos acontecimentos exteriores ao intrincado recinto, ao contrário do que Gary Ross fez no seu contributo inaugural, mostra a determinação do realizador em adiar os seus melhores trunfos para os capítulos conclusivos (sob a sua já anunciada direcção), mesmo que a sua escolha signifique um final algo repentino e confuso para este segundo capítulo. Enquanto The Hunger Games - Os Jogos da Fome é um filme com claro princípio, meio e fim, The Hunger Games: Em Chamas é um filme que se apresenta in medias res ao longo da sua duração. Quando isolado, pode perder significado.    

Não obstante, a realização de Francis Lawrence é superior à de Gary Ross, acercando-se melhor dos valores de produção. Francis Lawrence prima sobretudo na maneira como constrói a cada passo a ideia de que os riscos são maiores e que uma grande tempestade se avizinha, uma que mudará tudo em Panem. No campo da actuação, Jennifer Lawrence, agora galardoada, continua excepcional no papel de Katniss Everdeen, apresentando-se na mesma naturalidade e facilidade. É ela quem carrega o filme aos ombros e quem cria no espectador o elo afectivo mais forte, algo de preponderância considerável quando ainda não é claro quem é amigo ou inimigo neste meio. O elenco de suporte é seguro, com destaque para Elizabeth Banks enquanto Effie Trinket e Stanley Tucci enquanto Caesar Flickerman. Effie e Caesar são a ligação indispensável com o Capitólio e a demonstração subtil da mudança na consciência dos favorecidos. Os estreantes Philip Seymour Hoffman enquanto Plutarch Heavensbee, Sam Claflin enquanto Finnick Odair e Jena Malone enquanto Johanna Mason introduzem personagens interessantes com camadas ainda por explorar e desenvolver no próximo capítulo, onde lhes é devida maior expressão.

Mesmo que não seja um começo e um fim em si mesmo, The Hunger Games: Em Chamas foge à armadilha das sequelas e evolui os conceitos envolvidos para o ponto em que se torna obrigatório visualizar o final da saga, evento que, ao ritmo actual, promete surpreender, dar que falar e colocar a saga lado-a-lado com as melhores. Destino ao sucesso na bilheteira, esta sequela entusiasmará consideravelmente o espectador familiarizado com a literatura de Suzanne Collins e agradará bastante àquele que, não conhecendo de antemão os desenvolvimentos narrativos, se coloca às cegas à frente do grande ecrã.

CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


Trailer:




sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Filme: O Quinto Poder (2013)

Embora com Benedict Cumberbatch em bom plano, O Quinto Poder falha em quase todas as linhas, incapaz de criar uma identidade própria e de sobreviver à mediocridade da direcção de Bill Condon.

Em 2010, uma nunca antes vista fuga de informação de arquivos classificados norte-americanos faz furor e tumulto pelo mundo inteiro. Publicados por alguns dos maiores jornais do mundo em parceria com o website Wikileaks, os mais polémicos relatos da guerra no Afeganistão provocam uma crise diplomática. Por detrás de toda controvérsia encontra-se Julian Assange (Benedict Cumberbatch), o fundador do Wikileaks, um homem com uma sede insaciável pela verdade. O ego de Assange, e a sua relação autoritária com os seus parceiros, e em particular com Daniel Domscheit-Berg (Daniel Brühl), pode por em causa todo o esforço realizado.

A melhor forma de começar a resenha de O Quinto Poder é pelo que consegue nos minutos finais: um momento de autoconsciência e auto-depreciação em que Assange, numa pretensa entrevista no seu exílio, comenta desdenhosamente a própria existência de O Quinto Poder. É um raro momento de inteligência e humildade que sugere uma tónica redentora deste projecto de Bill Condon, mas que funciona para acentuar e agravar os problemas de andamento, montagem e péssima exposição que antecedem esta espécie de defeituosa catarse moral. O Quinto Poder nunca arrebata o espectador dos seus pés, nem nunca o deixa descansar. Deixa-o pela grande parte num estado de desconforto e latência, bombardeando-o com uma narrativa em moldes psicadélicos, brusca e desprovida de foco, sob uma enervante banda sonora.               

Grande parte do problema de O Quinto Poder, adaptado por Josh Singer da biografia Inside WikiLeaks: My Time with Julian Assange and the World's Most Dangerous Website do próprio Daniel Domscheit-Berg e do livro WikiLeaks: Inside Julian Assange's War on Secrecy de David Leigh e Luke Harding, é a falta de percepção e escolha. São poucos os filmes que podem ficar num campo neutro; ainda menos os que o conseguem. O Quinto Poder não é de todo um deles. Querendo mostrar todas as perspectivas em jogo e não se atrevendo a se colocar do lado de nenhuma delas, O Quinto Poder acaba por pouco mostrar, por se perder no meio e por se reduzir à indesejável insignificância. Bill Condon não quer pintar Assange de heroísmo ou monstruosidade, a América de culpa ou desculpa. E como uma casa que não é pintada, O Quinto Poder apresenta-se frio, desconfortável e abandonado, como algo não totalmente concretizado.

A espaços, O Quinto Poder parece querer tirar uma A Rede Social da cartola, colocando Daniel ao lado de Assange da mesma forma que David Fincher colocou Eduardo Saverin ao lado de Mark Zuckerberg. Tal como em A Rede Social, a frutuosa relação entre os dois grandes pilares do respectivo website toma um caminho negro, com o fundador a prevalecer sobre o parceiro. Mas enquanto em A Rede Social a narrativa encontra-se exemplarmente estruturada e justificada, em O Quinto Poder a narrativa é convoluta, impaciente e pouco comprometida, em que o lado individual, essencial em A Rede Social, se encontra pobremente trabalhado, apresentando-se num estado quase embrionário.      

A direcção de Bill Condon é escassamente sofrível, tal como é a primeira metade do filme. Desde bem cedo, desmorona-se a ideia de que O Quinto Poder se transforme algures num bom filme. Efectivamente, nunca acontece, embora a segunda metade, se se sobreviver à atrocidade da primeira, mais focada e amansada, consiga dar meia volta e produzir algum verdadeiro interesse. O grosso da melhoria é atribuível a Benedict Cumberbatch, que, ainda que nunca tenha espaço para reflectir optimamente o carácter de Assange e da sua cruzada, rouba a atenção a cada segundo que surge no grande ecrã. É lamentável que a direcção à volta de Cumberbatch nunca se aproxime do seu empenho, da sua qualidade e da sua devoção; neste que deveria ser o ano da sua completa afirmação, Cumberbatch vê-se mergulhado num trabalho ingrato que pode provocar fracturas na sua carreira em ascensão. 


O restante elenco não está mal e oferece alguma entrega aos respectivos papéis. Daniel Brühl, depois de Rush – Duelo de Rivais, volta a estar em bom plano. A fotografia de Tobias Schliessler é interessante, bem como um ou outro aspecto da produção. O insucesso de O Quinto Poder é globalmente atribuível ao péssimo trabalho de Bill Condon, que após o seu serviço na malfadada saga Twilight há-de ter-se esquecido de como contar histórias sérias. Quando o principal tema em causa é a maior fuga e publicação de informação classificada da história, o tratamento cinematográfico merecia ser tão sensível quanto o tratamento dessas matérias polémicas.

CLASSIFICAÇÃO: 1,5 em 5 estrelas


Trailer: