quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Filme: Carrie (2013)

Carrie é uma adaptação desinspirada, rígida e inconsequente do clássico conto de terror de Stephen King. Chloë Grace Moretz interpreta uma versão interessante de Carrie White, mas a sua actuação não é suficiente para disfarçar as inúmeras debilidades deste remake.

Carrie White (Chloë Grace Moretz) é uma adolescente com problemas de comunicação e de integração na escola. Em casa, Carrie tem uma relação muito difícil com Margaret (Julianne Moore), a sua mãe, uma mulher desequilibrada com várias obsessões religiosas. Um dia, após uma aula de ginástica, Carrie tem a sua primeira menstruação, a que reage violenta e assustadoramente, tornando-se alvo de humilhação pelos seus colegas. Com o aproximar do baile de finalistas, Carrie sente-se progressivamente alheada do seu ambiente, enquanto dentro dela começam a crescer um conjunto de poderes extraordinários.

À terceira representação da história homónima de Stephen King, Carrie falha em criar algo verdadeiramente memorável. Alegadamente mais fiel ao trabalho de King, a narrativa apresenta-se rígida e pouco disposta a explorar as importantes questões que levanta. Destas, a temática do bullying é a que salta mais vista e também a que tem menor aderência moral, portando-se exclusivamente como um acelerador de reacções, para a reacção explosiva e destrutiva de Carrie. O fanatismo religioso é outra temática a que Carrie faz ténue alusão, sem origem ou fim claro, na forma do tratamento tortuoso e castrador que Carrie recebe da sua desequilibrada e pouco, se não nada, compreensiva mãe. Não obstante o cariz de terror e do sobrenatural que move esta acção cinematográfica, Carrie perde um importante nível de suspense psicológico por se enviesar das temáticas atrás referidas.

Este Carrie procura ser uma evolução técnica dos seus antecessores. Todavia, o último acto da história enche-se de efeitos especiais e de CGI que se apresentam inacabados. Quando um filme como este trabalha tanto para o seu último acto, menosprezando temáticas pontuais que vão sobrevindo, e quando este último acto fica aquém das expectativas, técnica ou narrativamente, sobeja a ideia de que todo o investimento, quer da produção quer do espectador, foi largamente desperdiçado. É uma constatação infeliz, porquanto Carrie até vinha a apresentar até este derradeiro ponto algum potencial – em matéria (leia-se narrativa) bruta – para se concluir noutro desfecho, com cabeça e sentido.

O elenco faz um bom trabalho para manter a relevância das suas personagens, particularmente o elenco mais jovem que tem que trabalhar com material já demasiado mastigado e convencional. Chloë Grace Moretz é uma Carrie agradável, balanceando com qualidade o lado frágil e tímido, de linguagem corporal fechada, com o lado vingativo, poderoso e destruidor. Julianne Moore, enquanto a mãe fanática e possessiva de Carrie, caminha sempre uma linha muito ténue entre o medo e o ódio que a sua Margaret suscita e a comédia que o seu fanatismo inadvertidamente origina.

Kimberly Peirce não faz nada de extraordinário com esta nova incarnação de Carrie. A sua direcção é demasiado convencional para justificar a nova abordagem ao trabalho de Stephen King, mesmo que os valores de produção, com a óbvia excepção do CGI, sejam razoavelmente competentes. No campo do horror, Carrie pouco ou nada assusta e nada na direcção de Kimberly Peirce dá alguma vez ideia de ter pretensões do filme de terror com que se classifica, ou do conto clássico de terror em que se (des)inspira. Não é nenhum exagero concluir que este Carrie se encontra fadado à inevitável deslembrança.   

CLASSIFICAÇÃO: 2 em 5 estrelas


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terça-feira, 22 de outubro de 2013

Filme: Capitão Phillips (2013)

Capitão Phillips transporta o espectador para o noticiado assalto pirata somali em 2009 com suspense, intensidade e respeito pela condição social. Tom Hanks mostra-se de regresso à plenitude do seu talento.

Richard Phillips (Tom Hanks) é capitão do porta-contentores norte-americano Maersk Alabama, que se encontra numa viagem até ao Corno de África para entregar mercadoria e ajuda humanitária. Ao largo da Somália, o Maersk Alabama é alvo de uma abordagem por um resoluto grupo de piratas, liderado por Abduwali Muse (Barkhad Abdi), uma que só poderá ser resolvida com a astúcia de Phillips e com os recursos da marinha norte-americana.

Em 2009, a captura do porta-contentares norte-americano Maersk Alabama por piratas somalis fez cabeçalho pelos meios informativos de todo o mundo. A operação de resgate da tripulação do Maersk Alabama e do seu capitão, tomado como refém, foi acompanhada à distância com a ambiguidade que uma atípica situação noticiosa como esta significa, com inevitáveis informações e contra-informações. Capitão Phillips, baseado no relato de eventos A Captain's Duty: Somali Pirates, Navy SEALs, and Dangerous Days at Sea escrito pelo próprio capitão do Maersk Alabama, faculta uma excepcional e detalhada visão por dentro dos provados acontecimentos, colocando o espectador em sufoco e em suspense durante o processo de intensa rotação.

O primeiro momento de tentativa de abordagem pelos piratas da Somália é assustadoramente intenso; o segundo, com sucesso, é de cortar a respiração. Todavia, a forma como Phillips parece tranquilo e preparado ante a iminente ameaça, com todos os seus ardis e sacrifícios para manter a sua tripulação a salvo, enche o espectador com o calor da serenidade. Phillips parece capaz de manter as rédeas da situação; durante a primeira metade, Phillips é deveras capaz de resolver o problema sem males maiores. Mas há, do outro lado, um grupo de piratas desesperado, perdido, sem nada a perder numa vida pobre dada à contínua miséria; um grupo que, recusando-se a reconhecer a situação precária em que se colocou, procura extrair o maior proveito a todo o custo. Capitão Phillips defende tanto a bravura do capitão do Maersk Alabama quanto a inocência relativa do grupo pirata, não vedando os olhos às disparidades sociais no Corno de África que resultaram neste imbróglio.  

A intervenção pela marinha norte-americana na operação de resgate de Phillips, por mais que verídica, ostenta um lado de costumeira vanglória americana que parece inevitavelmente exagerado e pode causar algum aborrecimento. Não obstante, o realizador Paul Greengrass mantém a exuberância cinematográfica suficiente para se absolver do excessivo americanismo, tornando o aparatoso exercício militar num acessório para a medição de forças entre Phillips e Muse. Aqui, as barreiras linguísticas (os diálogos entre o grupo pirata nem sempre são alvo de tradução) desempenham um papel importante no estorvo da resolução pacífica e na desorientação global do espectador.

Capitão Phillips pontua-se pela velocidade de cruzeiro, mas nunca perde sentido da alta rotação. Paul Greengrass, a partir do momento em que o grupo pirata surge, investe numa direcção frenética, desorientadora e, por vezes, claustrofóbica, aplicando uma fotografia discreta, uma montagem metódica e uma vital banda sonora pulsante com tons étnicos e culturais. Paul Greengrass consegue de Tom Hanks, cujo não parece alguma vez mal sobre águas, uma actuação potente e revitalizante; o mérito reparte-se com a qualidade interpretativa que obtém do desconhecido elenco somali, particularmente do estreante Barkhad Abdi enquanto Abduwali Muse, um papel que poderia facilmente cair na ostracização.    


Capitão Phillips, na linha de 00:30 – A Hora Negra, é outra fantástica interpretação cinematográfica de eventos reais onde a intervenção militar toma um lugar acessório e a intervenção pessoal um lugar de relevo. Se com 00:30 – A Hora Negra Jessica Chastain reuniu louvores à sua volta, é previsível que Tom Hanks alcance semelhante nível de consagração. Capitão Phillips, à sua maneira, é pelo menos tão surpreendente.    

CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Filme: Raptadas (2013)

Raptadas é um thriller intenso, sóbrio e absorvente, pautado por boas interpretações e uma boa direcção de Denis Villeneuve. Hugh Jackman segura a narrativa pelas rédeas e dá outra demonstração das suas capacidades.

Na Pensilvânia, no Dia de Acção de Graças, as famílias vizinhas Dover e Birch reúnem-se para celebrar a festividade. Anna Dover e Joy Birch, as duas crianças de cada família, saem de casa para brincar na rua. Anna e Joy não voltam. A polícia é chamada ao local e o detective Loki (Jake Gyllenhaal) toma conta do caso. Com o alongar da investigação sem resultados concretos, Keller Dover (Hugh Jackman) e Franklin Birch (Terrence Howard) decidem agir pelos seus próprios meios sobre aquele que consideram responsável pelo rapto das duas crianças.

Raptadas demora o necessário para desenrolar as potencialidades da sua narrativa, usando a por vezes rara consciência e soberania sobre o tempo para construir um apropriado cenário sorumbático e tristonho. Com os segredos da narrativa guardados a sete chaves pela maior parte do tempo, Raptadas coloca o espectador numa investigação paralela à que se desenrola paulatinamente no grande ecrã. Se o detective Loki tem as suas pistas e suspeitas sobre o desaparecimento de Anna e Joy, o espectador, que dispõe de uma clarividência superior, poderá ter uma visão inteiramente distinta. O triunfo de Raptadas, além do sorumbático tom construído, reside na forma como questiona e faz questionar e mantém a audiência num palpitante jogo de gato e rato até à revelação final.

O tom religioso que supervisiona o filme desde a primeira linha prenuncia uma relação moral, e não defrauda. As diversas decisões tomadas pelos intervenientes da narrativa manifestam um desenlace amoral como resultado da decisão imoral do rapto das duas crianças. Em particular, a captura e consequente tortura por parte de Keller Dover do presumível raptor caracteriza magnificamente a dose incontrolável de desespero e incerteza resultante da primeira imoralidade; demonstra também a ténue limítrofe a que um pai se circunscreve para recuperar a sua filha. A intenção de Raptadas não é colocar o espectador do lado de Keller, nem contra ele; é meramente coadunar-se com a sua essência humana. 

Raptadas perde algumas engrenagens à entrada do último acto e transparece a ideia de que o final poderá empalidecer em comparação com o que veio anteriormente. Efectivamente, alguma da sobriedade esgota-se. As até então ponderadas vias de investigação – à moda antiga – são abandonadas e o caso resolve-se por intervenção externa com o reaparecimento súbito e inexplicado de uma das crianças. Não invalida a investigação que vinha sendo feita, por Loki, Keller ou pelo espectador, mas não lhe permite uma conclusão com clímace.

O canadiano Denis Villeneuve faz um bom trabalho atrás das câmaras, apresentando uma realização segura e instruída. A ambiência que cria, com a fotografia turva (a chuva que cai é muita), a música ora tensa ora soturna e a montagem certeira, absorve o espectador e envolve-o na insegurança que também envolve as suas personagens. Denis Villeneuve obtém dos seus actores interpretações fortes. Hugh Jackman apresenta-se em grande nível e comanda o filme; intenso, impaciente e ameaçador, Keller Dover é uma vítima perpetradora que inflige mais medo no espectador que o reprovável acto que é premissa para esta história. Jake Gyllenhaal, sem ombrear com Hugh Jackman, apresenta-se em bom plano, bem como o restante elenco.  

Raptadas é um dos melhores thrillers dos últimos meses. É um thriller que não se preocupa em mostrar o resultado, mas sim o processo para lá chegar, tomando pelo caminho as providências necessárias para manter a audiência agarrada à mesma esperança que move as suas personagens, não obstante a envolvência tristonha que prenuncia um final menos agradável.

CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


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quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Filme: Gravidade (2013)


A viagem ao Espaço de Gravidade é uma experiência fabulosa e deslumbrante que absorve e impressiona. Ímpar na ambição e na execução, pode muito bem ser a obra de referência de Alfonso Cuarón.

A missão espacial STS-157 encontra-se na recta final dos seus trabalhos de manutenção ao Telescópio Hubble. A STS-157 é a primeira viagem ao Espaço da estreante Dra. Ryan Stone (Sandra Bullock) e a última do veterano Matt Kowalski (George Clooney). Prestes a acabar o seu trabalho e a regressar a casa, a tripulação vê-se no meio de uma tempestade de atritos de satélites abatidos que arrisca a sobrevivência de toda a Missão.

Gravidade é uma experiência absorvente sem paralelo. Da primeira icónica cena crescente de um planeta Terra silencioso e tranquilo a uma última que é semelhante nos apanágios, embora numa índole diferente, Gravidade faz uso do seu poder gravitacional visual para manter a audiência suspensa aos alucinantes acontecimentos. O nível de detalhe é tão imenso e distinto que o tamanho da tela não parece capaz de conter toda a energia de uma câmara vigorosa e omnipresente. Gravidade, e não só por trâmite de uma aplicação a três dimensões admirável, extravasa as fronteiras da tela e puxa o espectador para os seus eventos. Muita desta sensação resulta da forma como Alfonso Cuarón, repleto de magia na sua execução, dá a ideia de que subiu ele próprio ao Espaço para filmar o seu ambicioso projecto. A física, mesmo que não infinitamente perfeita, apresenta-se criteriosamente cumprida; Alfonso Cuarón entrega aquilo que promete na premissa da sua história (obediência total à ausência de oxigénio, de pressão de ar e de som no Espaço).

A precisão e a clareza visual da Terra, do Espaço e das plataformas espaciais são impressionantes. Aliadas a uma banda sonora experimental e docemente desconcertante, Gravidade produz momentos de ansiedade capazes de fazer suster a respiração. Curiosamente, num meio tão vasto quanto aquele onde os tripulantes da Missão STS-157 se encontram, a impressão que ressalta é uma de imensa claustrofobia. O tratamento psicológico de que estes tripulantes são alvo desperta desconforto e preocupação. Basta atentar à sua respiração ofegante e esforçada para depreender o seu estado de espírito alarmado e desnorteado. No meio do atordoamento visual e sonoro, Gravidade encontra espaço para desenvolver o lado sensível destas personagens, em particular o da Dra. Ryan Stone, em quem deposita a esperança de uma ligação emotiva com a audiência – ligação que funciona impecavelmente e permite desculpar alguns ociosos automatismos.

A narrativa de Gravidade é simples e precisa, não cobiçando interpretações morais ou facciosas. É a mera história de uma tripulação em missão espacial na órbita da Terra que sofre uma terrível contrariedade e faz o necessário para sobreviver. Se Gravidade apresenta alguma notória falha é nesta natureza tão simplista que, sem outros atributos ou instrumentos de narrativa, vive de uma expressividade excessiva da Lei de Murphy. Todavia, numa experiência tão arrebatadora como esta, a narrativa é menos relevante e o veículo visual mais representativo. Nesta particularidade, Gravidade suplanta qualquer expectativa e estabelece um novo sustentáculo de comparabilidade. O espectador sai desta experiência assombrado e estonteado como se, tendo acompanhado a subida e a estada de Alfonso Cuarón no Espaço, tivesse abruptamente caído na atmosfera terrestre (e, neste caso, na apercepção cinematográfica do acontecimento).

Não obstante o peso visual, Sandra Bullock tem a importante tarefa de tornar a Dra. Ryan Stone apelativa e relacionável. Bullock consegue-o com relativo pouco esforço, ressalvando as fragilidades emocionais da sua personagem no meio do caos espacial. George Clooney não tem muito tempo de ecrã, nem nunca se lhe exige demasiado, mas marca cada cena com o seu discursar brando e reconfortante. A fotografia de Emmanuel Lubezki é globalmente brilhante e inclui momentos de verdadeira sublimidade. O uso da capacidade de aprofundamento espacial do 3D é raramente tão consistente e absorvente como este. Alfonso Cuarón tem possivelmente em Gravidade o seu melhor trabalho; é certamente o seu melhor trabalho visual. O tempo dirá da capacidade de permanência de Gravidade, mas este pode muito bem ser um dos melhores filmes espaciais, senão o melhor. É, incontornavelmente, o mais fidedigno, o mais extraordinário e o mais próximo que cada um pode almejar ficar da experiência extraterrena.   

CLASSIFICAÇÃO: 4,5 em 5 estrelas


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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Filme: Rush - Duelo de Rivais (2013)

Rush – Duelo de Rivais, alinhado na força motora de um argumento de alta cilindragem, recria no grande ecrã a intensa rivalidade entre Niki Lauda e James Hunt com dedicação e compreensibilidade, destinado a fãs e a não-fãs.

Niki Lauda (Daniel Brühl) e James Hunt (Chris Hemsworth) são rivais desde o início da sua carreira, no palco fora da ribalta da Fórmula 3. Lauda e Hunt chegam eventualmente ao grande palco da Fórmula 1 e a sua rivalidade atinge popularidade mundial. Na época de 1976, a discussão pelo título de campeão atinge a maior ferocidade entre os dois. No entanto, Lauda sofre um terrível acidente no Grande Prémio da Alemanha que pode colocar um ponto final na disputa. 

A rivalidade na Fórmula 1 entre os pilotos Niki Lauda e James Hunt marcou uma era do desporto motorizado. O realizador Ron Howard transporta para o grande ecrã a intensidade rival entre os dois pilotos com toda a exuberância visual apoiada na energia automobilística. Servindo-se apropriadamente de um argumento equilibrado de Peter Morgan, Ron Howard começa por recuar na famigerada história, apresentando ao espectador a raiz da rivalidade no meio menor e mais obscuro da Fórmula 3, onde Lauda e Hunt se cruzam pela primeira vez, Lauda como um indivíduo sisudo e compenetrado e Hunt como um indivíduo imaturo e mimado. Embora as quase antagónicas diferenças de personalidade, ambos os novatos pilotos partilham uma imensa paixão pela velocidade e um conflito de vontades com as respectivas famílias. Hunt e Lauda, após um primeiro embate que os coloca de sobreaviso sobre as potencialidades do outro, seguem caminhos separados e dificuldades distintas. Lauda chega à Fórmula 1 graças ao seu conhecimento de mecânica e à seriedade com que encara o seu trabalho, enquanto Hunt chega ao campeonato de primeira linha com patrocínio interno e convicção no talento bruto.

No caminho para o topo e para a incontornável época de 1976, Ron Howard refreia-se do impulso de acção e trabalha cuidadosamente o lado pessoal e privado de cada um dos pilotos, desvendando o lado singelamente humano de cada lenda. Lauda mostra-se alguém com dificuldade de relacionamento, alguém que encara melhor uma corrida perigosa do que uma prova de afecto e amizade. Quando Marlene Knaus se cruza no seu caminho, Lauda enfrenta provavelmente o maior desafio da sua vida; nunca se transforma verdadeiramente no indivíduo carinhoso, para Marlene ou para o espectador, mas transforma-se aos poucos e poucos na alma e no coração da história. Hunt, por outro lado, é desde o princípio alguém sem barreiras relacionais, carismático e galanteador, com quem todos gostam de estar, mas que poucos reconhecem valor. Curiosamente, é nos momentos em que Lauda e Hunt interagem que os problemas de cada um parecem minimizados, e quando competem que são completamente superados. A rivalidade não é meramente competitiva: serve para dar força e propósito para a vida pessoal.

O acidente de Lauda na perigosa pista de Nürburgring na Alemanha é um momento de enorme consequência para o filme, momento em que Rush – Duelo de Rivais se transforma em algo especial. Nos momentos sequentes, incluindo a impressionante recuperação de Lauda, Ron Howard, apoiado em bons valores de produção dos quais se destacam a música vibrante e emotiva de Hans Zimmer e a fotografia contrabalançada de Anthony Dod Mantle, cria uma experiência intensa e fascinante ao som fremente dos motores e ao batuque cardíaco das emoções em jogo. O desfecho da época de 1976 não é nenhuma surpresa, mas Ron Howard estabelece a ambiência necessária para criar a ilusão no espectador de que é possível torcer por outro desenlace; afinal, este é um filme também construído, ou mesmo essencialmente construído, para não seguidores da Fórmula 1.

Chris Hemsworth apresenta-se no melhor papel da sua carreira. O lado playboy e despreocupado de James Hunt assenta-lhe que nem uma luva, mas Hemsworth mantêm-se moderado e dá mais atenção ao lado emocional e o intimamente frágil de Hunt. É, todavia, em Daniel Brühl que se descobre a melhor representação. O seu Lauda tem várias e tão distintas facetas e Brühl trata cada uma com a mesma importância e pormenor. A jornada de Lauda de um indivíduo distante e pouco relacionável para um Lauda heróico e sensível é impressionante, mas é o seu trabalho a partir do acidente em Nürburgring que é verdadeiramente notável. Aqui, Brühl prende a atenção do espectador, choca-o com a crueza das feridas de Lauda e conquista o seu bem-querer até ao final.


Rush – Duelo de Rivais é ainda pontuado por momentos de humor na forma de inteligentes diálogos. É o melhor filme de Ron Howard desde Frost/Nixon. É um filme pronto para agradar fãs de Fórmula 1 e aqueles que, não acompanhando ou se interessando pelo desporto, procuram uma boa história de rivalidade, perseverança e heroicidade; uma que acontece ser real.   

CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


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terça-feira, 1 de outubro de 2013

Filme: Isto é o Fim! (2013)

Isto é o Fim! é uma hilariante comédia com um inteligente toque de autocrítica e sátira num cenário exagerado e vibrante. 

Quando Jay Baruchel regressa a Los Angeles para visitar o seu melhor amigo Seth Rogen, Jay percebe que a relação de amizade entre ambos mudou. Seth tem um novo grupo de amigos com quem agora tem mais em comum. Jay tenta integrar-se no grupo, aceitando ir a uma festa na casa de James Franco. Jay detesta a experiência. Mas tudo muda nessa noite. O Apocalipse acontece e o grupo deve unir-se para sobreviver.

Isto é o Fim! não é um filme para ser levado a sério. Esta é a primeira noção que o espectador tem na cabeça e a impressão com que ficará após o seu visionamento. É uma comédia arduamente focada em proporcionar bons momentos de diversão. Todavia, Isto é o Fim! carrega uma mensagem sincera num hilariante e bem-vindo cenário de autocrítica e justaposição entre a imagem que o espectador tem da vida de celebridade e a imagem que as próprias celebridades têm da imagem sobre si. Isto é o Fim! é intrinsecamente satírico; satírico de todos para todos. Se por um lado aponta de forma acusadora a opinião pública estereotipada, por outro toma consciência da preeminência financeira e das superiores condições de vida que assistem Hollywood. Tudo isto num cenário em que o Apocalipse (aquele bíblico que descreve detalhadamente o fim dos tempos) toma lugar e em que os justos são imediatamente salvos e os menos justos ficam para ajustar contas. Obviamente, no teor da autocrítica, nenhuma celebridade é amnistiada por este rapture.    

A bela casa de James Franco é palco para o supracitado Apocalipse. As suas obras de arte e os variados adereços dos seus filmes servem de armas de combate e de arremesso para a batalha pela sobrevivência, onde a falsidade na sua origem e na sua infrutífera aplicação é reveladora da falsidade que rodeia o seu trabalho. Por mais que se mostrem indivíduos de valor nos seus projectos, estas celebridades, pelo menos nesta versão satírica, são indivíduos ocos e imorais na vida fora da tela. A valentia mostrada é falsa e completamente inexistente quando o imaginário se torna real. É um exercício absolutamente hilariante admirar a sua completa falta de soluções e de alento no meio do desastre, entre inteligentes e bem colocadas referências culturais.

Com o decorrer da endiabrada narrativa, que por vezes parece desalinhada e improvisada, a autocrítica torna-se pedagógica, mostrando que até estas celebridades fúteis merecem uma oportunidade para mostrar o seu valor e alcançar a salvação. Nem todas o conseguem, mas nem todas mostram a necessária predisposição (leia-se independência narrativa). A ideia de que as relações entre estas celebridades não são o mar de rosas que por vezes se imagina fornece outro tipo de introspecção que não será inteiramente descabido, embora não nos níveis bruscos aqui divertidamente apresentados.    

São muitas as caras famosas que passam por Isto é o Fim!, algumas num cameo tão vertiginoso que a pequena distracção leva à sua privação. Destas, Emma Watson é a mais hilariante, criando uma versão violenta, obstinada e irredutível da sua personalidade. Do elenco principal, James Franco, Seth Rogen e Jay Baruchel são quem estão mais à-vontade com o papel de um certo transtorno de personalidade; como tal, são os mais cómicos.


A realização a cargo de Seth Rogen e de Evan Goldberg (que também assinam o argumento) padece de alguma qualidade e de alguma organização. Se em parte funciona para tornar algumas cenas mais divertidas, em parte torna algumas cenas estranhas e de franzir o nariz, nomeadamente as relacionadas com adições visivelmente incompletas de CGI. Como um todo, no entanto, Isto é o Fim! cumpre com distinção aquilo a que se propõe: divertir. Isto fá-lo como poucas intencionadas comédias têm feito recentemente.

CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas


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