Blue
Jasmine é o regresso de Woody Allen à boa forma. A sua caricatura social
ganha outra camada com Blue Jasmine,
onde apresenta uma personagem desequilibrada e moralmente comprometida
interpretada de forma brilhante por Cate Blanchett.
Jeanette “Jasmine” Francis (Cate Blanchett)
caiu na desgraça. O seu marido Hal (Alec Baldwin) foi apanhado em negócios
ilícitos e toda a vasta fortuna do casal Francis foi apreendida pelas
autoridades. Aparentemente recuperada de uma profunda depressão, Jasmine viaja
para São Francisco para viver temporariamente com a sua irmã Ginger (Sally
Hawkins) e recomeçar a sua vida. Contudo, habituada às mordomias e
progressivamente desgostosa, a nova vida de Jasmine em São Francisco não será
nada fácil.
Enquadrando em
pouco minutos e com poucas falas, nos seus habituais planos cénicos, a premissa
da sua história, Woody Allen introduz Blue
Jasmine como uma sarcástica admiração da riqueza descontrolada e da
superioridade falsa. Jasmine, ou Jeanette, não é a habitual musa em quem muitas
vezes Woody Allen deposita os seus desejos; é, se de todo alguma coisa para o
realizador americano, uma antítese dessa representação costumeira: é uma mulher
que não inspira, profundamente embrulhada na decepção, na inconformação e na depressão.
Não há dúvidas de que o caminho de Jasmine, descendo à terra, não será feliz;
não se estaria a discorrer sobre Woody Allen se se esperasse outro desfecho. O
importante aqui é a jornada, compreender nos pequenos detalhes o âmbito da
caricatura social.
E assim
Jasmine é desde logo introduzida na amplitude das suas fraquezas, entre o
consumo excessivo de álcool e o vício desmesurado por auto-medicação. Aqui
contrasta com Ginger, a sua irmã adoptiva, alguém que, acostumado às penúrias
da vida, deve passar por um igual estado de transformação, mas com resultado
distinto. Entre Jasmine e Ginger é criada uma dicotomia social; mesmo que a
pobreza que atinge Jasmine coloque as irmãs ao mesmo nível, as diferenças não
se erodem: acentuam-se. Ao mesmo tempo, é estabelecida na confusa mente de
Jasmine outra dicotomia: entre o seu estado de profusão em Nova Iorque e o seu
estado de ampla privação em São Francisco. Se com a primeira dicotomia Woody
Allen pretende dissertar sobre as pequenas decisões que tornam dois caminhos
inicialmente comuns tão distantemente discrepantes, com a segunda, repousada na
insanidade mental de Jasmine, pretende dissertar sobre os grandes abalos,
capazes de mudar uma vida inteira, sentidos por grandes decisões. E em bom woodysmo, a grande decisão de Jasmine é
puramente sentimental, desapegada de razão ou altruísmo, consequente do ciúme e
do rancor.
Depois de um Para Roma com Amor desinspirado e
periclitante, Woody Allen volta a construir um argumento convicto e com valor,
com óbvia mais-valia. O argumento não é isento de alguns exageros,
maioritariamente relacionados com a personagem estereotipada de Chili e com os
seus amigos; todavia, por esta altura, qualquer exagero de Woody Allen é mais
mania do que desacerto, e, como tal, deve-se alguma indulgência. Blue Jasmine, além do favorável
argumento, conta com um elenco empenhado e competente, onde o destaque é todo
de Cate Blanchett, brilhante actriz que parece incapaz de se apresentar mal.
Cate Blanchett é verdadeiramente excepcional, criando e desconstruindo uma
Jasmine ociosa, egocêntrica e elegantemente desequilibrada, em quem a beleza
externa dissimula uma grande pobreza de espírito.
Blue Jasmine, feito de encontros e
coincidências, não é inteiramente linear e a abordagem não engloba um
necessário princípio, meio e fim. É como uma fotografia instantânea de alguém
que estava ilegitimamente no topo do mundo e que, ante a queda, se deixa cair
de braços afastados, como se ainda lá em cima estivesse a demonstrar a sua
superioridade. Ninguém melhor do que Woody Allen para capturar e transmitir
visceralmente a queda.
CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas
Site Oficial: http://www.sonyclassics.com/bluejasmine/
Trailer:
Fui ver ontem e gostei bastante. Concordo realmente com tudo o que foi dito no post e gostei especialmente de todas as dicotomias ao longo do filme. Cate Blanchett esteve impecável.
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