sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Filme: 12 Anos Escravo (2014)

Adaptado da biografia Twelve Years a Slave de Solomon Northup, 12 Anos Escravo é um triunfo completo. Uma obra-prima de Steve McQueen, inspirada pelas brilhantes actuações de Chiwetel Ejiofor, de Michael Fassbender e de Lupita Nyong'o. Poderoso e incontornável! 

Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor) é um negro livre numa América pré-Guerra Civil dividida e ainda agarrada a desumanas tradições. Certo dia, sobre o pretexto de um novo trabalho, Solomon é raptado, vendido e transformado em escravo. Durante doze anos, passando por diferentes donos, árduos trabalhos e extensas plantações, Solomon tenta sobreviver às injustiças e à violência diária, sonhando pelo dia em que a liberdade voltará a si. 

12 Anos Escravo é um filme brilhante, uma lição para tempos vindouros sobre um dos grandes flagelos da humanidade. Através do olhar afligido de Solomon Northup, a escravatura é colocada à vista na sua forma mais crua, mais realística e mais chocante, sem pretensões de revoltas morais ou de heróis improváveis. O olhar é calmo, terrivelmente calmo, arrastando-se na mesma apatia dos subjugados, na mesma indolência dos subjugadores. Nem a beleza da natureza se reduz e se distrai na interpretação cinematográfica pelas mãos de Sean Bobbitt, mantendo-se indiferente e bela na sua congénita imperturbalidade aos agravos humanos. Tudo é indiferente à maldade perpetuada e mesmo homens de coração mais bondoso se retraem perante o peso e a autoridade da tradição. Steve McQueen captura esta indiferença de forma superior e a vergonha que a dureza das suas imagens provoca na audiência é mesclada na pavorosa constatação da hirteza que ainda tomará conta da História por mais uma centena de anos após os tempos tortuosos de Solomon Northup.  

Ainda que parco em acção, 12 Anos Escravo é provavelmente mais violento que um filme de guerra. Há cenas capazes de fazer virar o estômago; não completamente efeito da dureza das imagens (que são deveras duras e imperdoáveis), mas daquilo que representam sobre a capacidade e a inclinação para a selvajaria do carácter humano. Puxando barreiras, Steve McQueen não se coíbe nem filtra o seu olhar omnipresente; não é o seu estilo e causalmente 12 Anos Escravo sobe a um patamar artístico que muitos poucos, embora a força das suas histórias, conseguem alcançar. Steve McQueen segue a narrativa de modo amorfo, sem desnecessárias exposições e apresentações, saltando entre personagens, cenários e eventos com a leveza de um verdadeiro mestre da sua arte, no completo domínio das suas capacidades.

A história de Solomon Northup é suficientemente emocionante e horrível para construir algo com valor cinematográfico, mas o leque de brilhantes interpretações dá-lhe um toque extra de qualidade e personalidade que a torna inesquecível. Chiwetel Ejiofor é incrível, comovedor e suavemente heróico na sua interpretação de Solomon. Michael Fassbender, noutro grande registo da sua carreira, é profundamente hipnotizante no seu papel de irremissível e bruto esclavagista. A estreante Lupita Nyong'o, enquanto a consideravelmente maltratada Patsey, apresenta-se numa impressionante tour-de-force; Lupita Nyong'o é uma agradável revelação. O restante elenco, com mais ou menos tempo de ecrã, exibe-se em bom plano, com destaque para Benedict Cumberbatch e Sarah Paulson. 


Steve McQueen rodeia-se de valores de produção de alta qualidade para construir o melhor filme da sua carreira. No plano da música, Hans Zimmer oferece um dos seus melhores trabalhos, uma banda sonora que se encaixa com perfeição quer nos momentos cortantes, quer nos momentos emocionantes. A fotografia equilibrada de Sean Bobbitt, a montagem meticulosa de Joe Walker e o argumento escrupuloso de John Ridley são outros pontos fortes. Usando a crueldade de Fome e a impudência de Vergonha, Steve McQueen constrói um filme ainda mais visceral e de visualização mais difícil e indispensável; é-lhe certamente o trabalho mais próximo e a sua imaginável e definidora obra-prima.

CLASSIFICAÇÃO: 5 em 5 estrelas


Trailer:

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