sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Filme: Golpada Americana (2014)

David O. Russell tem com Golpada Americana outra excelsa demonstração da sua extraordinária capacidade para reunir e tirar o melhor proveito de um elenco. Embora a narrativa de Golpada Americana não se preconize pela perfeição, o filme não deixa de surpreender e de fascinar.

Em 1978, os vigaristas e amantes Irving Rosenfeld (Christian Bale) e Sydney Prosser (Amy Adams) são apanhados em flagrante delito pelo agente do FBI Richard "Richie" DiMaso (Bradley Cooper). DiMaso promete a Irving e a Sydney a liberdade se foram capazes de lhe trazer quatro prisões. Irving e Sydney escolhem o Mayor Carmine Polito (Jeremy Renner) como alvo do seu derradeiro golpe. Contudo, Rosalyn (Jennifer Lawrence), a mulher lunática de Irving, e a desconfiança mútua podem custar-lhes caro.

Golpada Americana agarra-se ao feeling de uma sociedade americana de finais de anos setenta, pós crise energética mundial, para construir paulatinamente um enredo exuberante, excêntrico e hilariante que coloca a audiência em suspensão e incerteza sobre os passos que se vão suceder. O intento final de cada personagem raramente é intencionalmente banhado por clareza, perdurando-se e sustentando-se a sensação de que o jogo de gato e rato entre tantos cenários alternativos possíveis é para ser concluído em concerto com a omnipotente ironia que determina toda a narrativa. Num mundo onde a trapacice, mais do que um meio de sobrevivência, é um estilo de vida, e onde cada um consente consideráveis esforços para levar a melhor sobre o outro, o intento final do filme é, quiçá, dar a golpada final no espectador com uma reviravolta derradeira sobre os acontecimentos da narrativa. Se sucede ou não, dependerá da expectativa de cada qual, da sua maior ou menor atenção ao detalhe.           

O golpe de Golpada Americana é essencialmente explicado ao espectador via narração, apostando na força visual e no diálogo para a elucidação pontual do enredo. A primeira parte de Golpada Americana apresenta-se, causalmente, demasiado expositiva, podendo alienar alguma da atenção necessária. Quando a sua veia expositiva não pulsa tão fortemente, Golpada Americana surpreende com o carácter mais íntimo das suas personagens, debruçando igualmente o filme sobre a qualidade e a veracidade do vínculo interpessoal. Este é uma particularidade importante para a validação de Golpada Americana, apresentando a ideia de que uma trama, por mais que ideada e preparada, pode ruir a qualquer momento por obra de um sentido pessoal mais pobre. Rosalyn é a principal cartada incerta, mas as restantes personagens também não são de sólida confiança e podem a qualquer momento atraiçoar o golpe ou as pessoas mais próximas. 

David O. Russell parece genuinamente divertido e motivado na sua realização. A sua câmara acompanha a narrativa com deslumbramento, maravilhando-se no guarda-roupa e na extravagância geral dos anos setenta. Não espantam, pois, os diversos planos que parecem reintroduzir repetidas vezes as personagens através de fumos, de luzes e de novos cenários. David O. Russell também não teme intervalar a sua narrativa com momentos de descontracção, como o são a cómica sequência inicial em que Irving arranja o seu cabelo ou a sequência alucinada em que Rosalyn interpreta uma famosa música de Paul McCartney e dos Wings.

David O. Russell prova-se uma vez mais ágil e apto para a condução do seu elenco. Este é, sem sombra de dúvidas, um elenco de luxo; não obstante, o realizador americano mostra-se capaz de elevar as potencialidades dos seus actores. São incríveis as actuações de Golpada Americana e não parece justo destacar uma das restantes; todavia, é mais injusto não reforçar a qualidade dos desempenhos de Christian Bale, Amy Adams, Bradley Cooper e Jennifer Lawrence. A transformação física de Bale é quase ela uma personagem com mérito por si mesma, mas Bale não se fica simplesmente pelo alcance visual do seu trabalho. Adams, femme fatale, bela e fabulosa, não desbarata nenhuma oportunidade para manifestar toda a sua qualidade. Cooper é a interpretação que mais sentimentos opostos pode provocar, mas é algo que resulta obrigatoriamente da essência delirante do seu Richie DiMaso. Lawrence interpreta a personagem que surge com maior aleatoriedade na narrativa, uma Rosalyn que se aparenta pouco esperta e desinteressada, num mundo à parte em que só ela existe e importa; contudo, Lawrence vende-a a peso de ouro com incrível facilidade, com toda a sensualidade e delírio que já lhe são conhecidos.

Golpada Americana não passa a perna ao espectador, nem se vende por menos. Como se apresenta é como é, com toda a sua excentricidade, exposição e agitação. A sua recepção pela audiência depende da naturalidade com que a sua narrativa for permitida, com repudio pela barafunda ou elogio pela intencionada vaguidade moral. A opinião aqui é que a abordagem de Golpada Americana, embora as suas imperfeições, deveras resulta e não deixa nada nem ninguém indiferente.

CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


Trailer:



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