David O. Russell tem com Golpada Americana outra excelsa
demonstração da sua extraordinária capacidade para reunir e tirar o melhor
proveito de um elenco. Embora a narrativa de Golpada Americana não se preconize pela perfeição, o filme não
deixa de surpreender e de fascinar.
Em 1978, os vigaristas e amantes Irving
Rosenfeld (Christian Bale) e Sydney Prosser (Amy Adams) são apanhados em
flagrante delito pelo agente do FBI Richard "Richie" DiMaso (Bradley
Cooper). DiMaso promete a Irving e a Sydney a liberdade se foram capazes de lhe
trazer quatro prisões. Irving e Sydney escolhem o Mayor Carmine Polito (Jeremy
Renner) como alvo do seu derradeiro golpe. Contudo, Rosalyn (Jennifer
Lawrence), a mulher lunática de Irving, e a desconfiança mútua podem
custar-lhes caro.
Golpada Americana agarra-se ao feeling de uma sociedade americana de
finais de anos setenta, pós crise energética mundial, para construir
paulatinamente um enredo exuberante, excêntrico e hilariante que coloca a
audiência em suspensão e incerteza sobre os passos que se vão suceder. O
intento final de cada personagem raramente é intencionalmente banhado por
clareza, perdurando-se e sustentando-se a sensação de que o jogo de gato e rato
entre tantos cenários alternativos possíveis é para ser concluído em concerto
com a omnipotente ironia que determina toda a narrativa. Num mundo onde a
trapacice, mais do que um meio de sobrevivência, é um estilo de vida, e onde
cada um consente consideráveis esforços para levar a melhor sobre o outro, o
intento final do filme é, quiçá, dar a golpada final no espectador com uma
reviravolta derradeira sobre os acontecimentos da narrativa. Se sucede ou não,
dependerá da expectativa de cada qual, da sua maior ou menor atenção ao
detalhe.
O golpe de Golpada Americana é essencialmente
explicado ao espectador via narração, apostando na força visual e no diálogo
para a elucidação pontual do enredo. A primeira parte de Golpada Americana apresenta-se, causalmente, demasiado expositiva,
podendo alienar alguma da atenção necessária. Quando a sua veia expositiva não
pulsa tão fortemente, Golpada Americana
surpreende com o carácter mais íntimo das suas personagens, debruçando
igualmente o filme sobre a qualidade e a veracidade do vínculo interpessoal.
Este é uma particularidade importante para a validação de Golpada Americana, apresentando a ideia de que uma trama, por mais
que ideada e preparada, pode ruir a qualquer momento por obra de um sentido
pessoal mais pobre. Rosalyn é a principal cartada incerta, mas as restantes
personagens também não são de sólida confiança e podem a qualquer momento
atraiçoar o golpe ou as pessoas mais próximas.
David O.
Russell parece genuinamente divertido e motivado na sua realização. A sua
câmara acompanha a narrativa com deslumbramento, maravilhando-se no
guarda-roupa e na extravagância geral dos anos setenta. Não espantam, pois, os
diversos planos que parecem reintroduzir repetidas vezes as personagens através
de fumos, de luzes e de novos cenários. David O. Russell também não teme
intervalar a sua narrativa com momentos de descontracção, como o são a cómica
sequência inicial em que Irving arranja o seu cabelo ou a sequência alucinada
em que Rosalyn interpreta uma famosa música de Paul McCartney e dos Wings.
David O.
Russell prova-se uma vez mais ágil e apto para a condução do seu elenco. Este
é, sem sombra de dúvidas, um elenco de luxo; não obstante, o realizador
americano mostra-se capaz de elevar as potencialidades dos seus actores. São
incríveis as actuações de Golpada
Americana e não parece justo destacar uma das restantes; todavia, é mais
injusto não reforçar a qualidade dos desempenhos de Christian Bale, Amy Adams,
Bradley Cooper e Jennifer Lawrence. A transformação física de Bale é quase ela
uma personagem com mérito por si mesma, mas Bale não se fica simplesmente pelo
alcance visual do seu trabalho. Adams,
femme fatale, bela e fabulosa, não desbarata nenhuma oportunidade para
manifestar toda a sua qualidade. Cooper é a interpretação que mais sentimentos
opostos pode provocar, mas é algo que resulta obrigatoriamente da essência
delirante do seu Richie DiMaso. Lawrence interpreta a personagem que surge com
maior aleatoriedade na narrativa, uma Rosalyn que se aparenta pouco esperta e desinteressada,
num mundo à parte em que só ela existe e importa; contudo, Lawrence vende-a a
peso de ouro com incrível facilidade, com toda a sensualidade e delírio que já
lhe são conhecidos.
Golpada Americana não passa a perna ao
espectador, nem se vende por menos. Como se apresenta é como é, com toda a sua
excentricidade, exposição e agitação. A sua recepção pela audiência depende da
naturalidade com que a sua narrativa for permitida, com repudio pela barafunda
ou elogio pela intencionada vaguidade moral. A opinião aqui é que a abordagem
de Golpada Americana, embora as suas
imperfeições, deveras resulta e não deixa nada nem ninguém indiferente.
CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas
Site Oficial: http://www.americanhustle-movie.com/
Trailer:
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