quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Filme: Diana (2013)

Diana é um pobre retrato e um mau exemplo biográfico de uma das mulheres mais famosas e influentes de sempre. Naomi Watts encarna a Princesa do Povo de forma espantosa, mas nada pode fazer quando o argumento é artificial como este.

Após o fim da sua mediática e conturbada relação com o Príncipe Carlos, Diana, Princesa de Gales (Naomi Watts), sempre debaixo dos holofotes, não consegue dar um rumo à sua vida. Certo dia, Diana conhece o cardiologista Hasnat Khan (Naveen Andrews), com quem tem uma relação secreta. Quando o relacionamento se torna inevitavelmente público, Diana e Hasnat têm dificuldade em lidar com a pressão mediática e uma decisão tem que ser tomada.

Para um filme que se propõe a homenagear a Princesa de Gales, Diana largamente marginaliza e é desrespeitoso para com o legado deixado. O trabalho humanitário é copiosamente desprezado, salvo quando a sua inclusão pode servir de pretexto para alavancar o romance com Hasnat. O romance é, porquanto, o foco deste trabalho; não é biográfico, nem uma expressão de Diana enquanto sujeito de virtudes e defeitos. É uma tentativa quase atroz de humanizar pela via do romance alguém já sobejamente conhecido e eternizado pela sua humanização e pelos seus actos de bondade e caridade. Nos seus derradeiros anos, a Princesa Diana era já alguém com os pés assentes na terra; não satisfeito, o realizador Oliver Hirschbiegel projecta a Princesa do Povo para o ar, para um meio de alguma instabilidade psicológica, a fim de puxá-la à sua maneira, no âmbito da sua perspectiva, para a terra. O espectador não necessita que Diana faça esse percurso moral de descida; precisa sim de acompanhar aquilo que, com os pés assentes na terra, fez para eternizar com tanta nostalgia e afecto o seu nome. E nisto Oliver Hirschbiegel falha completamente, apresentando uma Diana sem vida e sem capacidade de decisão, um caco cujo encanto e admiração não trespassa o ecrã.

Esta Diana, adaptada do livro Diana: Her Last Love de Kate Snell, tem algo de Marilyn Monroe por cima. A dependência emocional pelo sexo masculino é semelhante, a fama transformada em infâmia a mesma e o caminho trágico, quase shakespeariano, escreve-se pelas mesmas linhas. Mas enquanto os complicados relacionamentos de Marilyn Monroe fazem parte da sua imortalização, a imortalização de Diana, e a razão pela qual é relembrada com tanta nostalgia, resulta do seu trabalho e da sua ambição humanitária. É quase indecente que, na tela preta final, na ânsia catártica, seja feita menção ao que de positivo resultou postumamente do seu trabalho quando tanta desconsideração mereceu durante todo o filme. Diana, provavelmente de forma não intencional fomentada pela montagem descontrolada, levanta discretamente uma questão polémica: se o cariz humanitário da Princesa se trata de verdadeira compaixão ou de uma meticulosa acção de relações públicas. Diana, obviamente, não apresenta resposta a esta questão; nem é evidente que se aperceba da sua existência.

Naomi Watts tem um trabalho ingrato. A sua personificação da Princesa Diana é admirável e emula os sui generis maneirismos com uma facilidade tremenda. Contudo, o incansável esforço de Naomi Watts não chega para dissimular um argumento débil e moribundo, de diálogos exagerados, parca intensidade emocional e desadequação de transições. Naomi Watts e Naveen Andrews mostram desconforto em cenas tentativamente mais românticas e proferem os seus diálogos como se ainda numa fase ensaística estivessem; em sua defesa, era difícil conseguir melhor com a material à disposição. Por mais esforços de Naomi Watts e Naveen Andrews para outorgar uma carga emotiva à narrativa, nada podem alcançar quando a montagem é tão desorganizada como esta e quando a realização procura tão cegamente a despretensão que tomba sobre o peso da sua insignificância. A inabilidade de Oliver Hirschbiegel não surpreende; para o espectador que visualizou A Invasão, de 2007, o repto estava lançado.      


A interpretação de Naomi Watts poderá ser duradoura e referenciável, mas Diana cairá no esquecimento. Pelo melhor, porquanto outro projecto mais adequadamente ambicioso e dignificante pode tomar o seu lugar.

CLASSIFICAÇÃO: 2 em 5 estrelas


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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Filme: Como um Trovão (2013)

Absorvente e ousado, Como um Trovão é uma envolvente história de casualidades e aspirações sem meias-medidas levadas a cabo por um elenco compenetrado.

Luke Glanton (Ryan Gosling) realiza acrobacias com a sua moto para viver. Quando descobre ter um filho de uma relação anterior em Schenectady, Nova Iorque, Luke desiste do seu trabalho e decide usar as suas habilidades para assaltar os bancos da localidade para melhor prover a sua criança. Um dia, Luke perde a cabeça e o assalto corre mal. O polícia Avery Cross (Bradley Cooper) pára Luke e é considerado um herói em Schenectady. Mas a nova realidade de Avery não é tão limpa quando deseja, nem o motivo para o seu heroísmo tão enaltecedor.

Como um Trovão começa com um certo grau de incerteza quanto à natureza da sua narrativa. O que inicialmente parece uma história de um pai que procura conquistar o amor e a confiança de um filho cuja existência acaba de tomar conhecimento, transmuta-se para uma longa crónica sobre causas e consequências e o prélio geracional, onde a perspectiva do espectador, reproduzindo igual transmutação, passa por filtros de indulgência. A intenção de Como um Trovão não é criar lados, nem de servir de advogado do diabo; antes, é o de meramente acompanhar, livre da pressão de moralismos, o impacto interpessoal de decisões pessoais. Neste aspecto, Como um Trovão é verdadeiramente absorvente.

As mudanças de perspectiva podem bater como um murro. A primeira, em particular, da qual resulta a despedida prematura de Luke, não parece real, nem se coaduna com o que até ali parecia ser o caminho seguido. Habituar-se pode constituir um desafio, mas é neste decisivo processo que Como um Trovão se liberta de alguma rotina e manifesta a sua real essência. É aqui que se se apercebe que este não é um estudo de personagem, mas sim um estudo de lugar, de influências e inevitabilidades, onde todos os caminhos se mostram necessariamente entrelaçados, onde as acções de um assaltante de bancos, de um bando de polícias corruptos e de um aspirante a Procurador-Geral estão intrinsecamente correlacionadas e dependentes. 

A principal falha de Como um Trovão é não ter dimensão suficiente para o escopo da narrativa. Ainda que sem comprometer o filme, o realizador Derek Cianfrance mostra-se um pouco à deriva, possivelmente incapacitado pela extensão e pela característica crónica do seu próprio argumento. Este não é, afinal, Blue Valentine – Só Tu e Eu, onde a história, embora no mesmo sentido crónico, era mais elementar e objectiva. Em Como um Trovão, a abordagem exige ser menos contida e Derek Cianfrance, preso pela perspectiva, tende para o oposto. Pela positiva, a ambiência conseguida é exemplar. Derek Cianfrance rodeia-se de excelentes valores de produção, onde se destacam a fotografia e a música sorumbáticas. A maneira como a câmara acompanha as sequências de maior acção mantendo-se presa ao próprio veículo da acção é impressionante.

No campo da representação, Ryan Gosling e Bradley Cooper mostram-se no melhor do seu registo e complicam a criação de juízos de valor sobre os comportamentos amorais das suas personagens. Se por um lado as decisões das suas personagens são injustificáveis, Gosling e Cooper fazem compreender o âmbito e a necessidade das mesmas; depois, ante a relativa aceitação do espectador, são capazes de dar a volta e torná-las novamente repreensíveis. Eva Mendes, num papel mais reduzido, trabalha bem a sua personagem; numa fase posterior, Dane DeHaan apresenta-se excepcional.

Como um Trovão, não obstante o refreamento excessivo de Derek Cianfrance, é globalmente outro bom registo do norte-americano, que continua a ser um talento a ter em conta. Aqui não há nem heróis nem malfeitores, nem a estrutura crónica até à geração seguinte permite uma observação de fenómenos psíquicos tão profunda. Como um Trovão é menos drama e mais um relatar cru de verdades cruas, onde o provimento geracional é motriz. 


CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas


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