sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Filme: Fúria (2014)

Adequadamente baço, visual e explosivo e liderado pelas actuações de Brad Pitt e de Logan Lerman, Fúria introduz outro destacável capítulo cinematográfico na 2ª Guerra Mundial apoiado na valentia, na camaradagem e na adaptação.

A 2ª Guerra Mundial está muito perto do fim. As forças aliadas conquistam terreno na inimiga Alemanha, mas a resistência ainda é forte e atroz. Don "Wardaddy" Collier (Brad Pitt) comanda o tanque Fury, um dos mais destacados do Regimento 66. O regimento de Fury é composto por Boyd "Bible" Swan (Shia LaBeouf), Grady "Coon-Ass" Travis (Jon Bernthal) e Trini "Gordo" Garcia (Michael Peña). Quando um quinto membro do regimento morre em combate, o recém-chegado Norman Ellison (Logan Lerman) é destacado para Fury. A guerra que Norman pensava relatar não é a guerra que vai efectivamente viver.

Escrito e realizado por David Ayer, Fúria retrata a 2ª Guerra Mundial, ou pelo menos o seu furioso epílogo, com um ritmo diferente do que seria de esperar, tomando tempo para os seus momentos de reflexão moral e religiosa e para os seus planos vívidos e visualmente esviscerais. A história não é verídica. Resulta da criatividade de David Ayer, mas não sobejam muitas dúvidas sobre a credibilidade e o realismo desta representação crua. Em certos momentos, talvez a narrativa exponha os seus intervenientes a sortes improváveis, mas David Ayer nunca passa totalmente o risco da probabilidade ou se tenta a evidentes mecanismos Deus ex machina.    

No confinado tanque baptizado Fury, David Ayer joga com personalidades distintas. Cruza a religião com a descrença religiosa, a experiência na guerra com a inexperiência, a velhice com a juventude. O regimento de Wardaddy está profundamente marcado pela longa guerra, de África à Alemanha; marcado não apenas nas por vezes horripilantes cicatrizes físicas, mas também na mente, no alento e na crença. Tão marcados pelas atrocidades, pelo vermelho do sangue e pelo laranja das chamas, o regimento parece já indiferente ao horror, insensível à dor e desinteressado na ocasional injustiça. É com este cenário pouco animador e intolerante que o recém-chegado Norman se depara.

Há pouco mais do que oito semanas na guerra e inicialmente destacado para dactilografar, Norman vê-se inserido num grupo que não o aceita e que não lhe reconhece qualquer capacidade ou qualidade. Norman é praxado de forma cruel e constante pelos seus companheiros. Chega a ser forçado a liquidar um inimigo que se rendera contra a sua vontade e instinto de justiça. O tratamento que Norman recebe parece exagerado, mas a hostilização persistente por parte dos seus companheiros ilumina-se de uma intenção válida: a de desenvolver rapidamente em Norman as sensações de indiferença, insensibilidade e desinteresse que se espraiaram no regimento durante anos de conflito e que os foi mantendo a salvo. Afinal, o tanque só funciona se todos remarem no mesmo sentido, e só todos sobreviverão se forem capazes de cumprir o seu papel, quão desumano seja ou possa vir a ser. 

David Ayer não se coíbe a mostrar esta desumanidade, toda a desumanidade da guerra. Os momentos de confrontos são exímios e tensos, numa sucessão de planos abertos e fechados que aumenta o perigo sobre o regimento de Fury. As cores atenuadas e a música expectante acentuam a devastação provocada e a pouco esperança com que todos os intervenientes parecem compactuar. David Ayer eleva o ritmo e a acção no acto final, onde filma uma admirável demonstração de tácticas de guerra. O realizador americano não se esquiva por um momento da sua visão bruta e autêntica do confronto. A tensão de cortar à faca quando Wadarddy e Norman se hospedam sem licença na casa de duas alemãs, ou a conformidade entre o plano inicial e o plano final do filme, com o tanque no centro da desolação, são testemunhos desta rigorosa compostura.

Brad Pitt volta a interpretar um papel no contexto da 2ª Guerra Mundial, mas nem por isso o seu trabalho se torna menos original e desinspirado. O seu Wardaddy prova-se um homem de aparência forte, de liderança nata; embora o semblante sério e pesado, talvez sinta e padeça mais do que qualquer outro à sua volta. A certa altura no acto final, pela forma como captura o momento, David Ayer parece sugerir uma relação entre Wardaddy e Bible superior à mera amizade e ao companheirismo. David Ayer não dedica mais qualquer instante a esta percepção, a esclarecê-la ou aprofundá-la. E bem. É natural; não é forçado. No elenco de suporte a Brad Pitt, Logan Lerman destaca-se no papel Norman. A sua personagem é a que mais transformações sofre durante Fúria e a que carrega o fardo de ser os olhos da audiência. Logan Lerman mostra-se à altura do desafio. O restante elenco compõe-se bem, incorporando qualidades e peculiaridades em personagens de outra forma contagiadas por algum corriqueirismo.  

Fúria não é o melhor trabalho cinematográfico que tem como pano de fundo a 2ª Guerra Mundial. Há obras incontornáveis no género que são difíceis de alcançar. Mas Fúria conquista meritoriamente o seu espaço. Conquista com uma premissa muito simples, destacada no discurso consternador e vaticinador de Wardaddy: as ideias são pacíficas, mas a história é violenta.

 CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


Trailer:

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