Uma
História de Amor é um filme triunfante, belo e tocante que maravilha pela
imaginação da sua narrativa, pelas fabulosas interpretações e pelas inúmeras
mensagens e questões que partilha com a sua audiência. Um clássico!
Num futuro não muito distante, Theodore
Twombly (Joaquin Phoenix) é homem solitário, separado da sua mulher, que
escreve todo o tipo de cartas comemorativas como profissão. Certo dia, Theodore
decide adquirir um novo sistema operativo munido com inteligência artificial,
sendo introduzido a Samantha (Scarlett Johansson), a voz personalizada,
adaptada às suas características, que o guia e organiza e por quem começa a
sentir uma inopinada atracção.
Spike Jonze já
habituou o espectador à originalidade que permeia os seus trabalhos. Contudo, Uma História de Amor é um projecto que
vai muito mais longe, muito mais ambiciosamente do que Spike Jonze alguma vez
se permitiu. A premissa desta história futurística parece inicialmente difícil
de se concretizar, de fugir à armadilha do insólito e de agradar
particularmente. Desengane-se aquele que se confronta com tais conclusões
precipitadas, porquanto Uma História de
Amor é um trabalho profundo, dotado de poderosas reflexões sobre os
relacionamentos humanos, o amor e a amizade, sobre o impacto que a tecnologia e
o produto do próprio intelecto, superando-se ao seu criador, causa a montante,
na sua gloriosa origem, modificando-se pelo leito abaixo até à sua inevitável
libertação a jusante, em novo patamar evolutivo.
Através de
comandos verbais, Samantha transforma-se paulatinamente de um mero e evoluído
sistema operativo para uma verdadeira companheira (sim, diferencia-se em
género) que, em simbiose perfeita, para além de organizar, motivar e ajuizar,
oferece uma componente emotiva extraordinária, preenchendo o vazio emocional e
a solidão compulsiva que assiste Theodore. É inegável que a tecnologia,
encurtando distâncias, tem vindo a afastar os indivíduos no espaço físico.
Relações constroem-se e destroem-se em mundos virtuais; o espaço corpóreo é
progressivamente secundário e alternativo. A existência de um sistema operativo
provido de inteligência artificial como Samantha não é tão improvável quanto
pode parecer. A narrativa de Jonze mostra que o ser humano, tendo evoluindo
para o campo virtual das inter-relações, está pronto para outra evolução
comunicativa: com a máquina moldada à imagem do próprio Eu.
A narrativa
requer os seus momentos de fé cega, mas aquilo que exige do espectador não é
senão análogo ao que os sistemas operativos exigem dos seus utilizadores,
tornado a experiência absorvente e envolvente. Enquanto, no mundo de Jonze, as
relações entre humanos e sistemas operativos se aceitam e banalizam, entre a
tela e a audiência estranham-se e depois entranham-se. A dada altura, o
espectador não vê senão com normalidade que Samantha seja convidada e vá a um
piquenique com amigos de Theodore, ou que vá com ele passear até às montanhas.
Samantha, embora sem presença física, existe indiscutivelmente como ser consciente,
com as suas próprias sensações e opiniões, dúvidas e imperfeições. A única
falha de Samantha é não ter um rosto, um corpo; mas mesmo nesse aspecto se
superioriza através da música, da voz e da capacidade para se metamorfosear até
ao infinito.
A relação de
Samantha com Theodore é uma pura história de amor, pontuada por momentos de
beleza rara e emoção autêntica. É, discutivelmente, uma das grandes histórias
de amor no grande ecrã, grandiosa por não se revezar na frivolidade nem no
costumeiro. Esta história é genuína; se resulta ou não de calculada
programação, a realidade que interessa é a ânsia que provoca no espectador pelo
bem-querer de Samantha e a aflição por não conseguir prever, desconhecendo as
regras deste mundo, o final da narrativa. Como é que esta história poderá
acabar bem? Tão humanizada é Samantha, será que cairá nos mesmos vícios
humanos, ou será que se distinguirá? Independentemente do desfecho, o grande
feito desta tecnologia é a habilidade para reintroduzir o ser humano ao
conceito do amor puro e à beleza do mundo em toda a sua concupiscência natural;
feito que ultrapassa a barreira da tela e se instala na audiência.
O design de produção de Uma História de Amor é absolutamente
soberbo, com uma pitada q.b. de
projecções futurísticas que se amalgamam com o ar retro e de cores desbotadas
do guarda-roupa. Spike Jonze cria magistralmente uma atmosfera que torna Uma História de Amor tão distinta do
mundo actual, mas ao mesmo tempo tão perto dos seus problemas e temáticas. O
seu argumento é de uma imaginação incrível e a maneira como o concretiza na
plenitude aponta um mestre na expressão absoluta da sua arte. A interpretação
de Joaquin Phoenix, solitária, emotiva, inspiradora e desoladora, indicia uma
vez mais que Phoenix se expressa melhor em papéis surreais onde a invenção da
sua personagem é completa. O elenco de suporte encontra-se magnífico, mas
nenhum deixa uma impressão tão forte quanto Scarlett Johansson, cuja precisa
apenas de emprestar a sua voz a Samantha para manifestar o melhor trabalho da
sua carreira. A sua Samantha vive no timbre da voz, na respiração cadenciada e
nos silêncios cuidados; Johansson ganha rosto e forma através da imaginação, da
aspiração e do conhecimento. Uma interpretação memorável que, na natureza e na
importância, só encontra par em HAL de 2001:
Odisseia no Espaço.
A música
fornecida pelos Arcade Fire fornece uma camada extra de contemplação à
atmosfera construída. Tudo agregado, Uma
História de Amor está destinado a tornar-se um clássico, afinado por aquilo
que é, indubitavelmente, uma história excepcional, como muito ainda por
descodificar, reflectir e progredir.
CLASSIFICAÇÃO: 5 em 5 estrelas
Site Oficial: http://www.herthemovie.com/
Trailer:
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