quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Filme: Uma História de Amor (2014)

Uma História de Amor é um filme triunfante, belo e tocante que maravilha pela imaginação da sua narrativa, pelas fabulosas interpretações e pelas inúmeras mensagens e questões que partilha com a sua audiência. Um clássico! 

Num futuro não muito distante, Theodore Twombly (Joaquin Phoenix) é homem solitário, separado da sua mulher, que escreve todo o tipo de cartas comemorativas como profissão. Certo dia, Theodore decide adquirir um novo sistema operativo munido com inteligência artificial, sendo introduzido a Samantha (Scarlett Johansson), a voz personalizada, adaptada às suas características, que o guia e organiza e por quem começa a sentir uma inopinada atracção. 

Spike Jonze já habituou o espectador à originalidade que permeia os seus trabalhos. Contudo, Uma História de Amor é um projecto que vai muito mais longe, muito mais ambiciosamente do que Spike Jonze alguma vez se permitiu. A premissa desta história futurística parece inicialmente difícil de se concretizar, de fugir à armadilha do insólito e de agradar particularmente. Desengane-se aquele que se confronta com tais conclusões precipitadas, porquanto Uma História de Amor é um trabalho profundo, dotado de poderosas reflexões sobre os relacionamentos humanos, o amor e a amizade, sobre o impacto que a tecnologia e o produto do próprio intelecto, superando-se ao seu criador, causa a montante, na sua gloriosa origem, modificando-se pelo leito abaixo até à sua inevitável libertação a jusante, em novo patamar evolutivo.

Através de comandos verbais, Samantha transforma-se paulatinamente de um mero e evoluído sistema operativo para uma verdadeira companheira (sim, diferencia-se em género) que, em simbiose perfeita, para além de organizar, motivar e ajuizar, oferece uma componente emotiva extraordinária, preenchendo o vazio emocional e a solidão compulsiva que assiste Theodore. É inegável que a tecnologia, encurtando distâncias, tem vindo a afastar os indivíduos no espaço físico. Relações constroem-se e destroem-se em mundos virtuais; o espaço corpóreo é progressivamente secundário e alternativo. A existência de um sistema operativo provido de inteligência artificial como Samantha não é tão improvável quanto pode parecer. A narrativa de Jonze mostra que o ser humano, tendo evoluindo para o campo virtual das inter-relações, está pronto para outra evolução comunicativa: com a máquina moldada à imagem do próprio Eu.    

A narrativa requer os seus momentos de fé cega, mas aquilo que exige do espectador não é senão análogo ao que os sistemas operativos exigem dos seus utilizadores, tornado a experiência absorvente e envolvente. Enquanto, no mundo de Jonze, as relações entre humanos e sistemas operativos se aceitam e banalizam, entre a tela e a audiência estranham-se e depois entranham-se. A dada altura, o espectador não vê senão com normalidade que Samantha seja convidada e vá a um piquenique com amigos de Theodore, ou que vá com ele passear até às montanhas. Samantha, embora sem presença física, existe indiscutivelmente como ser consciente, com as suas próprias sensações e opiniões, dúvidas e imperfeições. A única falha de Samantha é não ter um rosto, um corpo; mas mesmo nesse aspecto se superioriza através da música, da voz e da capacidade para se metamorfosear até ao infinito. 

A relação de Samantha com Theodore é uma pura história de amor, pontuada por momentos de beleza rara e emoção autêntica. É, discutivelmente, uma das grandes histórias de amor no grande ecrã, grandiosa por não se revezar na frivolidade nem no costumeiro. Esta história é genuína; se resulta ou não de calculada programação, a realidade que interessa é a ânsia que provoca no espectador pelo bem-querer de Samantha e a aflição por não conseguir prever, desconhecendo as regras deste mundo, o final da narrativa. Como é que esta história poderá acabar bem? Tão humanizada é Samantha, será que cairá nos mesmos vícios humanos, ou será que se distinguirá? Independentemente do desfecho, o grande feito desta tecnologia é a habilidade para reintroduzir o ser humano ao conceito do amor puro e à beleza do mundo em toda a sua concupiscência natural; feito que ultrapassa a barreira da tela e se instala na audiência.

O design de produção de Uma História de Amor é absolutamente soberbo, com uma pitada q.b. de projecções futurísticas que se amalgamam com o ar retro e de cores desbotadas do guarda-roupa. Spike Jonze cria magistralmente uma atmosfera que torna Uma História de Amor tão distinta do mundo actual, mas ao mesmo tempo tão perto dos seus problemas e temáticas. O seu argumento é de uma imaginação incrível e a maneira como o concretiza na plenitude aponta um mestre na expressão absoluta da sua arte. A interpretação de Joaquin Phoenix, solitária, emotiva, inspiradora e desoladora, indicia uma vez mais que Phoenix se expressa melhor em papéis surreais onde a invenção da sua personagem é completa. O elenco de suporte encontra-se magnífico, mas nenhum deixa uma impressão tão forte quanto Scarlett Johansson, cuja precisa apenas de emprestar a sua voz a Samantha para manifestar o melhor trabalho da sua carreira. A sua Samantha vive no timbre da voz, na respiração cadenciada e nos silêncios cuidados; Johansson ganha rosto e forma através da imaginação, da aspiração e do conhecimento. Uma interpretação memorável que, na natureza e na importância, só encontra par em HAL de 2001: Odisseia no Espaço.

A música fornecida pelos Arcade Fire fornece uma camada extra de contemplação à atmosfera construída. Tudo agregado, Uma História de Amor está destinado a tornar-se um clássico, afinado por aquilo que é, indubitavelmente, uma história excepcional, como muito ainda por descodificar, reflectir e progredir.

CLASSIFICAÇÃO: 5 em 5 estrelas


Trailer:

     


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