quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Filme: Carrie (2013)

Carrie é uma adaptação desinspirada, rígida e inconsequente do clássico conto de terror de Stephen King. Chloë Grace Moretz interpreta uma versão interessante de Carrie White, mas a sua actuação não é suficiente para disfarçar as inúmeras debilidades deste remake.

Carrie White (Chloë Grace Moretz) é uma adolescente com problemas de comunicação e de integração na escola. Em casa, Carrie tem uma relação muito difícil com Margaret (Julianne Moore), a sua mãe, uma mulher desequilibrada com várias obsessões religiosas. Um dia, após uma aula de ginástica, Carrie tem a sua primeira menstruação, a que reage violenta e assustadoramente, tornando-se alvo de humilhação pelos seus colegas. Com o aproximar do baile de finalistas, Carrie sente-se progressivamente alheada do seu ambiente, enquanto dentro dela começam a crescer um conjunto de poderes extraordinários.

À terceira representação da história homónima de Stephen King, Carrie falha em criar algo verdadeiramente memorável. Alegadamente mais fiel ao trabalho de King, a narrativa apresenta-se rígida e pouco disposta a explorar as importantes questões que levanta. Destas, a temática do bullying é a que salta mais vista e também a que tem menor aderência moral, portando-se exclusivamente como um acelerador de reacções, para a reacção explosiva e destrutiva de Carrie. O fanatismo religioso é outra temática a que Carrie faz ténue alusão, sem origem ou fim claro, na forma do tratamento tortuoso e castrador que Carrie recebe da sua desequilibrada e pouco, se não nada, compreensiva mãe. Não obstante o cariz de terror e do sobrenatural que move esta acção cinematográfica, Carrie perde um importante nível de suspense psicológico por se enviesar das temáticas atrás referidas.

Este Carrie procura ser uma evolução técnica dos seus antecessores. Todavia, o último acto da história enche-se de efeitos especiais e de CGI que se apresentam inacabados. Quando um filme como este trabalha tanto para o seu último acto, menosprezando temáticas pontuais que vão sobrevindo, e quando este último acto fica aquém das expectativas, técnica ou narrativamente, sobeja a ideia de que todo o investimento, quer da produção quer do espectador, foi largamente desperdiçado. É uma constatação infeliz, porquanto Carrie até vinha a apresentar até este derradeiro ponto algum potencial – em matéria (leia-se narrativa) bruta – para se concluir noutro desfecho, com cabeça e sentido.

O elenco faz um bom trabalho para manter a relevância das suas personagens, particularmente o elenco mais jovem que tem que trabalhar com material já demasiado mastigado e convencional. Chloë Grace Moretz é uma Carrie agradável, balanceando com qualidade o lado frágil e tímido, de linguagem corporal fechada, com o lado vingativo, poderoso e destruidor. Julianne Moore, enquanto a mãe fanática e possessiva de Carrie, caminha sempre uma linha muito ténue entre o medo e o ódio que a sua Margaret suscita e a comédia que o seu fanatismo inadvertidamente origina.

Kimberly Peirce não faz nada de extraordinário com esta nova incarnação de Carrie. A sua direcção é demasiado convencional para justificar a nova abordagem ao trabalho de Stephen King, mesmo que os valores de produção, com a óbvia excepção do CGI, sejam razoavelmente competentes. No campo do horror, Carrie pouco ou nada assusta e nada na direcção de Kimberly Peirce dá alguma vez ideia de ter pretensões do filme de terror com que se classifica, ou do conto clássico de terror em que se (des)inspira. Não é nenhum exagero concluir que este Carrie se encontra fadado à inevitável deslembrança.   

CLASSIFICAÇÃO: 2 em 5 estrelas


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terça-feira, 22 de outubro de 2013

Filme: Capitão Phillips (2013)

Capitão Phillips transporta o espectador para o noticiado assalto pirata somali em 2009 com suspense, intensidade e respeito pela condição social. Tom Hanks mostra-se de regresso à plenitude do seu talento.

Richard Phillips (Tom Hanks) é capitão do porta-contentores norte-americano Maersk Alabama, que se encontra numa viagem até ao Corno de África para entregar mercadoria e ajuda humanitária. Ao largo da Somália, o Maersk Alabama é alvo de uma abordagem por um resoluto grupo de piratas, liderado por Abduwali Muse (Barkhad Abdi), uma que só poderá ser resolvida com a astúcia de Phillips e com os recursos da marinha norte-americana.

Em 2009, a captura do porta-contentares norte-americano Maersk Alabama por piratas somalis fez cabeçalho pelos meios informativos de todo o mundo. A operação de resgate da tripulação do Maersk Alabama e do seu capitão, tomado como refém, foi acompanhada à distância com a ambiguidade que uma atípica situação noticiosa como esta significa, com inevitáveis informações e contra-informações. Capitão Phillips, baseado no relato de eventos A Captain's Duty: Somali Pirates, Navy SEALs, and Dangerous Days at Sea escrito pelo próprio capitão do Maersk Alabama, faculta uma excepcional e detalhada visão por dentro dos provados acontecimentos, colocando o espectador em sufoco e em suspense durante o processo de intensa rotação.

O primeiro momento de tentativa de abordagem pelos piratas da Somália é assustadoramente intenso; o segundo, com sucesso, é de cortar a respiração. Todavia, a forma como Phillips parece tranquilo e preparado ante a iminente ameaça, com todos os seus ardis e sacrifícios para manter a sua tripulação a salvo, enche o espectador com o calor da serenidade. Phillips parece capaz de manter as rédeas da situação; durante a primeira metade, Phillips é deveras capaz de resolver o problema sem males maiores. Mas há, do outro lado, um grupo de piratas desesperado, perdido, sem nada a perder numa vida pobre dada à contínua miséria; um grupo que, recusando-se a reconhecer a situação precária em que se colocou, procura extrair o maior proveito a todo o custo. Capitão Phillips defende tanto a bravura do capitão do Maersk Alabama quanto a inocência relativa do grupo pirata, não vedando os olhos às disparidades sociais no Corno de África que resultaram neste imbróglio.  

A intervenção pela marinha norte-americana na operação de resgate de Phillips, por mais que verídica, ostenta um lado de costumeira vanglória americana que parece inevitavelmente exagerado e pode causar algum aborrecimento. Não obstante, o realizador Paul Greengrass mantém a exuberância cinematográfica suficiente para se absolver do excessivo americanismo, tornando o aparatoso exercício militar num acessório para a medição de forças entre Phillips e Muse. Aqui, as barreiras linguísticas (os diálogos entre o grupo pirata nem sempre são alvo de tradução) desempenham um papel importante no estorvo da resolução pacífica e na desorientação global do espectador.

Capitão Phillips pontua-se pela velocidade de cruzeiro, mas nunca perde sentido da alta rotação. Paul Greengrass, a partir do momento em que o grupo pirata surge, investe numa direcção frenética, desorientadora e, por vezes, claustrofóbica, aplicando uma fotografia discreta, uma montagem metódica e uma vital banda sonora pulsante com tons étnicos e culturais. Paul Greengrass consegue de Tom Hanks, cujo não parece alguma vez mal sobre águas, uma actuação potente e revitalizante; o mérito reparte-se com a qualidade interpretativa que obtém do desconhecido elenco somali, particularmente do estreante Barkhad Abdi enquanto Abduwali Muse, um papel que poderia facilmente cair na ostracização.    


Capitão Phillips, na linha de 00:30 – A Hora Negra, é outra fantástica interpretação cinematográfica de eventos reais onde a intervenção militar toma um lugar acessório e a intervenção pessoal um lugar de relevo. Se com 00:30 – A Hora Negra Jessica Chastain reuniu louvores à sua volta, é previsível que Tom Hanks alcance semelhante nível de consagração. Capitão Phillips, à sua maneira, é pelo menos tão surpreendente.    

CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


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