quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

TOP 10 - 2012

Segundo o calendário de estreias em Portugal, eis o Top 10 do Terceiro Take dos melhores filmes (revistos aqui) de 2012:

Nota: O Top 10 foi actualizado para incluir o filme «Amor» (visualizado e analisado numa data posterior), tendo em conta a qualidade da película.


 1.  O Artista (ex aequo)

«Não é raro que se atribua ao cinema a categoria de sétima arte, mas é raro que tal designação tinha verdadeira justeza. O Artista é por seu mérito uma aclamação da sétima arte.»


1. Amor (ex aequo)

«Amor é uma das mais puras e íntimas histórias contadas em primeira mão no cinema. É um filme incrível, memorável e incontornável. Verdadeiramente extraordinário.» 


 2.  A Invenção de Hugo

«"Os filmes têm o poder de capturar sonhos." A Invenção de Hugo não só captura o sonho como o recria, abrilhanta e transmite numa exposição espantosa da magia cinematográfica.»


3.  Cavalo de Guerra

«Cavalo de Guerra é uma incrível jornada. Dramático, divertido e deslumbrante, percorre a crueldade da Primeira Guerra Mundial enquanto mantém um pendor de redenção, bravura e improbabilidades benditas que o transformam num trabalho incontornável e memorável.»      

      «Argo é um filme intenso, hábil e admirável. Ben Affeck revela uma vez mais ambivalência de qualidades, à frente da câmara e atrás dela, e poderá finalmente conseguir o reconhecimento que tem competentemente procurado na sua incursão à realização.»



«Aos cinquenta anos de idade, Bond ganha uma nova vida e num mundo de blockbusters dominado por heróis de banda-desenhada e adaptações de best-sellers volta a ser relevante. Mais do que isso, volta a ser a escala de comparação para as fitas de espionagem e para as fitas de acção em geral.»


   
     «A Vida de Pi é do ponto de vista técnico magnífico, particularmente na utilização estilizada do 3D. É também um triunfo visual. Mas é acima de tudo uma incrível história com profundos significados, com necessárias reflexões e incontornáveis questões.»



«Millenium 1 – Os Homens que Odeiam as Mulheres pode muito bem ser um dos filmes do ano. Certamente é dos melhores thrillers dos últimos anos. As sociedades modernas são corruptas e muitas vezes maldosas, com repugnantes actos contra os seus próprios elementos, e Millenium 1 não tem medo de o mostrar da forma mais crua e sórdida.

«O Cavaleiro das Trevas Renasce alarga a mitologia de Batman e conclui a trilogia num espectáculo sublime. É o filme a superar no género, mesmo que ele não supere completamente o seu predecessor. Mais do que outro capítulo de Batman, é o final merecido para o grande empreendimento de Christopher Nolan.»



«Vergonha é tudo menos o que o seu título pretende passar. Aqui não há vergonha. É um filme comodista nas suas próprias normas e preconceitos. O seu objectivo não é chocar, nem corrigir. Pretende tão-somente despir a cegueira moral do espectador para uma demonstração quasi-grotesca da perturbação, do vício e do distúrbio sexual que não tem um início nem um fim em si mesmo.»



«Temos de Falar Sobre Kevin é um filme perturbante sobre a complicada relação de uma mãe com o seu filho. Mas mais do que isso, é um filme que se propõe a explorar os recessos psicóticos de uma personalidade perversa. Tilda Swinton está fantástica como nunca.»




sábado, 22 de dezembro de 2012

Filme: A Vida de Pi (2012)


A Vida de Pi é do ponto de vista técnico magnífico, particularmente na utilização estilizada do 3D. É também um triunfo visual. Mas é acima de tudo uma incrível história com profundos significados, com necessárias reflexões e incontornáveis questões.

Piscine Molitor "Pi" Patel (Suraj Sharma) fica desolado quando os seus pais decidem vender os animais do zoo que dirigem e mudar-se para o Canadá. Dividido entre três religiões, encantado por uma paixão e cansado de se provar à família, Pi embarca com o coração perdido. Mas quando a tragédia o atinge e perde a sua família num terrível naufrágio, Pi embarca numa jornada individual (com uma zebra, um orangotango, uma hiena e um tigre) que colocará no limbo a sua sobrevivência e as suas crenças. Já adulto, Pi conta toda a história a um escritor (Rafe Spall) e leva-o similarmente a questionar as suas crenças.

A Vida de Pi não é uma mera história de sobrevivência de um náufrago em condições desafiantes e impossíveis. Embora tudo isso esteja presente, é um simples apetrecho para um quadro de representações alegóricas de vários apanágios da vida: o instinto de sobrevivência, a fé e o afecto. Interligados, o filme não faz juízos sobre a autoridade de cada um deles relativamente aos outros, remetendo tal escolha para o espectador, que a decidirá conforme a sua própria disposição na vida, na fé e nos relacionamentos. O próprio Pi revela-se uma personagem confusa, inicialmente na religião (segue três teologias), e mais tarde na jornada que realiza através de paragens e ocasiões improváveis. E se no fim se nos apresenta com duas versões dos factos, ainda que o filme apenas desenvolva uma, a confusão já não é de Pi, mas do espectador que deve escolher entre a fantasia e o real, entre as suas próprias convicções e o limite da sua crença.

Dissecar a história em cada uma das suas alegorias é um exercício que se impõe ao espectador durante o visionamento do filme. Não se pode ficar apenas pelo maravilhamento da fotografia e pelos pasmos causados pelas três dimensões que a película espontaneamente ganha em sequências que prendem a respiração. Mesmo a música que acompanha as duas horas sugere uma meditação contínua. Não quer isto significar, no entanto, que o espectador se aliará às conclusões a que Pi e o escritor chegam; podem, na realidade, ser absolutamente contrárias, e a força e a importância do filme residem precisamente nesse aspecto. A Vida de Pi questiona e sugere, toma uma posição, mas deixa terreno vazio para o caminho que cada um quiser construir.

Ang Lee realiza provavelmente o filme mais significante da sua carreira com a adaptação da obra homónima de Yann Martel. A reflexão do realizador taiwanês é perceptível na forma como agarra com sentido cada imagem e como transforma simples cenários de uma barca sobre a água em quadros que remetem para o subliminar e para o espiritualismo. A obra de Yann Martel era considerada impossível de filmar, mas Ang Lee, tal como Pi na história, contorna o impossível e chega a bom porto. A Vida de Pi, todavia, não está isenta de falhas. A primeira metade do filme nunca chega perto da qualidade e da majestosidade da segunda metade, nem se desprende de alguma banalidade na forma como mostra a Índia e a sua cultura, ou como caracteriza algumas personagens secundárias com um importante impacto na jornada de Pi. Felizmente, são males menores e consegue arrancar de Suraj Sharma uma interpretação de alto-calibre.

A Vida de Pi é uma maravilha técnica e uma preciosidade cinematográfica destinada a tornar-se um clássico moderno. Porventura, alguns não o tomarão por mais do que um aprimorado documentário do National Geographic ou do Discovery. Mas nada antes trabalhou tão bem o círculo da vida, a natureza crua e o lugar do ser humano nesse tão vasto meio após despojado de todos os apetrechos produzidos pela sua inteligência.  

CLASSIFICAÇÃO: 4,5 em 5 estrelas

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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Filme: O Hobbit - Uma Viagem Inesperada (2012)


O Hobbit: Uma Viagem Inesperada não provoca imediatamente o mesmo esplendor nem evoca a mesma majestosidade de A Irmandade do Anel. Tecnicamente mais evoluído e visualmente fascinante, apresenta um tom mais suave, também mais alegre; mas são os elementos pertencentes à premiada trilogia que cativam verdadeiramente.

Em vésperas de celebrar o seu centésimo décimo primeiro aniversário, e antes de toda a tenebrosidade trazida pelo Anel, Bilbo Baggins (Martin Freeman) reconta a grande aventura que lhe trouxe Gandalf, O Cinzento (Ian McKellen), na companhia de 13 valentes guerreiros anões, para recuperar o perdido reino Erebor das garras do temível dragão Smaug.

Adaptar o Senhor dos Anéis ao grande ecrã foi considerado por muitos impossível, dada a extensão, a variedade e profundidade da obra de J. R. R. Tolkien. Até que Peter Jackson alcançou o inesperado no virar do milénio ao apresentar três capítulos que homenagearam a visão de Tolkien e lhe acrescentaram a magnitude, a escala e a personificação que encantaram audiências e convenceram cépticos pelo mundo inteiro. Adaptar O Hobbit, por outro lado, muito menor em tamanho e sobriedade, depois do sucesso da trilogia, já não beneficia da descrença, nem do inesperado. É o passo esperado, o caminho evidente, e as expectativas, contagiadas pelo triunfo anterior, não podiam ser mais elevadas. Até certo ponto, Jackson cumpre a ânsia do espectador. Todavia, na imensidão de efeitos visuais estonteantes, de paisagens de cortar a respiração e de sequências de acção deslumbrantes, é inegável a falta de qualquer coisa, daquela pitada de sal extra que aprimora o sabor e o torna distintivo dos demais. Seja o prolongamento de uma história por si só curta (recorrendo aos apêndices de O Senhor dos Anéis) ou a falta de verdadeira emoção e sentido de missão, Uma Viagem Inesperada não surpreende totalmente.

Tecnicamente, a execução de Uma Viagem Inesperada é irrepreensível (pelo menos no formato 24fps, no qual foi visualizado). Mesmo o 3D, habitualmente apetrecho desnecessário para justificar preços mais elevados, é usado a seu favor e aumenta a dimensão dos fascinantes cenários – aliás, o factor dimensão é mesmo o que salta mais à vista, captado em planos mais largos e aéreos que obsequiam maior realismo. Os velhos cenários, reciclados da original trilogia, surgem mais coloridos, mais verdadeiros, com novos pormenores e agradáveis extensões – em particular, Rivendell. Novos cenários, como Erebor, deixam já a sua impressão na saga. A música de Howard Shore introduz novas melodias, recupera anteriores, combinando sabiamente novo com velho à medida dos acontecimentos. A acção é mais fluida e contínua que na original trilogia e os efeitos computorizados mesclam-se melhor com o táctil e real. O decorrer dos acontecimentos não é, porventura, o mais natural, mas Jackson não é conhecido por apressar eventos – leva o tempo necessário para mostrar o que deve ser mostrado. O enredo usa mais linguagens imaginárias que na trilogia original, acrescendo à famosa linguagem dos elfos a linguagem dos anões e a linguagem dos orcs, embora sem o mesmo encanto.

O elenco é largamente dominado pela presença de novas personagens. Mas dos treze anões que perfazem a companhia, poucos deixam uma imagem duradoura na memória – ressaltam Thorin (com uma notável actuação de Richard Armitage), Fili e Kili. Martin Freeman não podia encarnar Bilbo Baggins melhor e Sylvester McCoy introduz uma inesperada diversão enquanto Radagast. As personagens antigas ressurgem com o mesmo encanto, especialmente Galadriel de Cate Blanchett e Gollum/Sméagol de Andy Serkis. No entanto, de todos eles, nenhum causa mais impacto e impressiona com a sua presença do que Gandalf de Ian McKellen – por esta altura, o senhor da saga.

O Hobbit: Uma Viagem Inesperada não é o começo mais desejado da nova trilogia, mas induz a necessidade suficiente e introduz os ingredientes essenciais para maravilhar, corrigir e tirar as dúvidas remanescentes nos restantes capítulos. Enquanto, para alguns, a inclusão de elementos inexistentes na obra de Tolkien para fazer uma ligação mais lógica com O Senhor dos Anéis possa estranhar e desagradar, é, na verdade, uma decisão inteligente e vencedora – entrega a Uma Viagem Inesperada a importante familiaridade e acrescenta outro nível de perigo e seriedade que seriam, de outro modo, ofuscadas pela excessiva descontracção e diversão de uma história feita para miúdos. Jackson não abdica totalmente da ingenuidade de O Hobbit e homenageia-a com canções, partidas e ironias (algumas exageradas), mas não perde o sentido geral de um longo trabalho que começou há mais de dez anos. Tanto é que o filme se desencontra e reencontra várias vezes na mistura de duas características tão distintas, entre o inocente e o sério (onde perde, possivelmente, a majestosidade ansiada). Mas Uma Viagem Inesperada é apenas o começo de uma nova longa jornada. E com espaços inexplorados da Terra-Média por visitar, o pior tem que estar para trás. 

CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas

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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Filme: Anna Karenina (2012)


Anna Karenina, outra colaboração entre Wright e Knightley, tem tanto de familiar como de novo. Imaginativo e pontualmente fascinante, ilustra satisfatoriamente o escândalo social, a traição e o amor proibido. É marcado por boas actuações, por pormenores técnicos curiosos e por um ritmo delongado.   

Quando Anna (Keira Knightley) viaja para Moscovo para visitar o seu irmão, conhece por acaso o Conde Vronsky (Aaron Taylor-Johnson), por quem sente uma imediata atracção. Kitty (Alicia Vikander), irmã da cunhada de Anna, recebe uma proposta de casamento de Konstantin Levin (Domhnall Gleeson), que rejeita por aguardar semelhante proposta de Vronsky. Mas Vronsky enamora-se por Anna e ambos principiam um caso amoroso que choca a alta-sociedade russa e enfurece o marido de Anna, Alexei Karenin (Jude Law).   

O clássico romance de Leo Tolstoy já sofreu inúmeros tratamentos televisivos e cinematográficos nos últimos cem anos. Joe Wright, reconhecido e estimado pelas suas adaptações de Orgulho & Preconceito e Expiação, arriscou transformar com a sua versada visão o trabalho icónico de Tolstoy (considerado por muitos o maior romance de todos os tempos e a grande influência da literatura moderna). O resultado é outro filme de época de Wright que vive para além dos panoramas e dos guarda-roupas exuberantes, mas que não alcança completamente a qualidade de Orgulho & Preconceito ou, tão-pouco, de Expiação. Constrangido por um reduzido orçamento, Wright tem a engenhosidade de rodar a grande parte do enredo num velho teatro adaptado ao longo da história às várias situações, sentimentos e estratos sociais. Nisso, a história avança num voluteio interessante de planos contínuos e alternações de cenário inesperadas, sobrevivendo da iluminação e dos sons para entranhar no espectador a noção de realismo e espaço. Embora, efectivamente, a qualidade teatral de Anna Karenina passe eventualmente despercebida, ou aceitável, as cenas exteriores (mais frequentes na segunda metade do filme) surgem como uma lufada de ar fresco e retiram alguma sensação de claustrofobia que resida no espectador. Além disso, o aspecto teatral cria por vezes no filme a sensação de um musical não cantado, marcado pela rotina da execução e pela manifesta encenação. Mas o que também consegue, por via de tal aspecto, são brilhantes momentos, como um baile na primeira metade que cria ansiedade e encanto.

Com Anna Karenina, fica definitivamente comprovado que Keira Knightley nasceu para os filmes de época. Assume convincentemente os comportamentos, os maneirismos e a postura de uma sociedade russa industrializada e pré-revolucionária que se debate com a tradição e com a mudança. Deslumbrante até ao último momento, Knightley é uma categórica Karenina, sedutora e delirante. Jude Law, por outro lado, é magnífico a interpretar um marido e pai que parece sempre impávido e confortável, mas que mascara um forte controlo emocional sempre perto do limite. Aaron Taylor-Johnson é o mais fraco no triângulo amoroso e a sua interpretação é por vezes inesperadamente caricata e emocionalmente comprometida. O restante elenco, maioritariamente britânico, nunca compromete o seu papel e traz vivacidade comedida a tantas outras personagens da extensa obra de Tolstoy.

A história secundária de Konstantin Levin e Kitty, embora funcione como o fio moral que agrega todo enredo (e proporcione também o necessário refúgio dos cenários exteriores), nunca ganha particular interesse e torna Anna Karenina mais extenso do que devia ser. Contudo, no fim de contas, o filme é uma adaptação agradável que merece ser visionada, não só pelos amantes do trabalho de Tolstoy, como pelos amantes de cinema em geral. Uma vez mais, a colaboração entre Wright e Knightley (e, porque não, Dario Marianelli – cuja música volta a deliciar) dá frutos. E mesmo que não esteja ao nível das colaborações anteriores, está bem melhor que muitos dos recentes filmes de época.


CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas

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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Filme: Mata-os suavemente (2012)


Mata-os suavemente não podia ter um título mais congruente. Marcado pela morosidade e pela excessiva conversa fiada, pouco faz para cativar o espectador. E tão abruptamente acaba que o sentimento é de alívio para muitos.

Depois de uma casa ilegal de póquer, guardada pela máfia, ser assaltada por dois vulgares ladrões, Jackie Cogan (Brad Pitt) é contrato para encontrar e eliminá-los. Quando descobre que um dos ladrões o conhece, Cogan chama outro assassino, Mickey (James Gandolfini). Mas as capacidades de Mickey já não são o que eram e Cogan terá que arranjar uma forma de cumprir o seu contrato.    

Mata-os suavemente parece o típico filme sobre o crime e a máfia com as características de um clássico do género: um excelente elenco, um realizador talentoso e um romance interessante. Mas a concretização cinematográfica falha surpreendentemente, ensombrada pela escusada procrastinação, pela proliferação de nós não resolvidos e pela teimosia pelo diálogo supérfluo. Chega mesmo a parecer um consultório sentimental para assassinos a soldo, quando não desperdiça vários minutos a preparar as execuções dentro de um carro numa longa conversa sobre como agir (mas sem nunca parecer ter vontade em fazê-lo).

A história, entre o assalto e as execuções, tenta acomodar um tom crítico à economia, às precárias condições sociais e ao final da governação de George W. Bush na América. Intercalando conversas e situações com discursos do antigo Presidente norte-americano (que na televisão fala de um império próspero e de um povo firme), exorta uma fundamentação para as escolhas criminosas dos ladrões e daqueles que os querem executar, mas sem nunca alargar a apreciação ou ostentar qualquer forma de moralidade – a única que ressalta é que na América é cada um por si.

Os valores técnicos do filme estão bons e a qualidade das interpretações nunca está em causa. Brad Pitt está ao nível que tem vindo a habituar nos últimos trabalhos e James Gandolfini, confortável num papel semelhante àquele que o tornou célebre no pequeno ecrã, está perto do brilhantismo. Os diálogos, ainda que excessivos, estão bem construídos e apresentam-se desinibidos como devem estar. O filme não se coíbe na brutalidade dos crimes exibidos (quando finalmente os decide aceitar), que mostra em planos habilmente conseguidos. As músicas que se desenrolam em cenas-chave (dada a ausência de banda-sonora) são astutamente introspectivas.   

Tudo em conta, Mata-os suavemente não é uma película de fácil, ou clara, degustação. Se um aceitar a suavidade e ultrapassar a impaciência, apreciará a história e a maneira como decorre. Caso não, é provável que experiencie frustração nos momentos mais parados e um alívio no final que tem tanto de satisfação quanto de desagrado.   

CLASSIFICAÇÃO: 2,5 em 5 estrelas

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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Filme: Operação Outono (2012)


Operação Outono não é de visualização fácil. Tecnicamente comprometido, inclui algumas interpretações interessantes. Mas o argumento, que devia ser o seu trunfo, é pobre, indiferente e trivial.

Humberto Delgado (John Ventimiglia) encontra-se refugiado na Argélia depois das eleições fraudulentas que o viram eleito pela população portuguesa, mas derrotado e perseguido pela PIDE e pelo Estado Novo. Enquanto procura outra forma de depor Salazar, os agentes da PIDE traçam um plano para o eliminar. Quando os dois objectivos se cruzam, a Operação Outono acaba tragicamente a 13 de Fevereiro de 1965 em Los Almerines, Badajoz. Mas quem tem realmente culpa?

Operação Outono é minimalista na abordagem histórica e na caracterização psicológica dos seus vários elementos. Ainda que tal distanciamento funcione algumas vezes a favor do filme, resulta maioritariamente contra, impedido qualquer elo emocional entre o espectador e a personagem, conheça ele ou não os factos históricos. A própria necessidade da Operação Outono pela PIDE nunca é adequadamente estabelecida, sobrevivendo a ligação lógica do filme no conhecimento que o espectador tenha do Estado Novo, o que pode (deve) ser verdade para o espectador português, mas incerto (ou completamente desconhecido) para o espectador internacional. Se o filme consegue sobreviver sem estas substruções, consegue, mas transverte-se num trabalho muito mais insosso, numa construção de situações e conversas encaixadas umas nas outras sem qualquer beleza cinematográfica.    

Tecnicamente, Operação Outono é incongruente. Filmado exclusivamente em 16mm, a fotografia faz uma reconstrução de época legítima e interessante, ainda que não seja bonita ou colorida, ou sequer bem iluminada. O objectivo também nunca foi ser esteticamente agradável. A edição de som é péssima e desarticulada da imagem e a dobragem de John Ventimiglia estranha sempre e nunca entranha. A música de Dead Combo é completamente desassociada da história e da época e a sua inexistência não seria lamentada. Uma montagem da música de Paulo de Carvalho “E Depois do Adeus” com imagens da revolução do 25 de Abril de 1974 é possivelmente o auge técnico do filme.

As interpretações do vasto elenco são boas, sobretudo se se ativer a falta de registos audiovisuais e históricos das várias personagens que necessitaram de uma reinvenção e caracterização pelos actores. Carlos Santos é distintamente espantoso e conquista todas as cenas em que está presente, criando falta nas restantes. John Ventimiglia pouco acrescenta ao General Sem Medo com a sua experiência norte-americana e o seu trabalho reduz-se a expressões gestuais que qualquer actor português conseguiria (talvez melhor). A escolha de Ventimiglia só pode ser justificada pela vontade de internacionalizar o filme, o que enfrenta o bicudo problema já acima mencionado.

Um thriller político que se veste a intervalos de espionagem, Operação Outono consegue apenas levantar algumas questões sobre o assassinato de Delgado, o envolvimento da PIDE e a actuação possivelmente compactuada do Tribunal de Santa Clara. Não mostra culpa nem culpados até à última cena, e mesmo essa, pela maneira como se apresenta, não é para ser levada a sério. Com um estilo que poderá ser considerado amador para muitos espectadores, Operação Outono é mais fracasso que sucesso. Quanto muito, abre caminho e necessidade para outras adaptações (aprofundadas) de Delgado, da sua vida e da sua morte. 

CLASSIFICAÇÃO: 2 em 5 estrelas

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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Filme: O Substituto (2012)


O Substituto nunca chega a atingir o potencial da sua história ou do seu bom elenco. Parecendo a momentos mais um documentário do que um drama, resulta numa edição desordenada de enredos que parecia desejar seguir, mas que foi deixando de parte, puramente esquecidos, para manter o foco numa personagem de Brody que, embora ao seu melhor nível, é tão confusa e incompleta quanto o filme em si.

Henry Barthes (Adrien Brody) é um professor substituto que acaba de ser colocado, durante um mês, numa nova escola. Enquanto enfrenta a doença do seu avô e dá abrigo e ajuda uma jovem prostituta a recomeçar a sua vida, batalha com os vários problemas sociais da nova escola e tenta compreender o papel e o trabalho dos seus colegas. Mas como um outsider, distanciado da realidade daquele meio, sentirá problemas e enfrentará vários desafios.

Se O Substituto faz uma coisa bem, muito bem até, é expor a realidade de um professor numa escola com um meio social complicado da forma mais crua e sincera. Mostra os desejos dos professores, aquelas motivações primárias que os encaminharam à profissão – a vontade de ajudar e marcar a diferença –, e depois o seu cair na realidade, no desespero, na pressão por resultados forçadamente positivos, conformando-se com a inaptidão de alunos desinteressados e pais indiferentes. Ainda que ao de leve, faz uma decente exposição do bullying e da prostituição juvenil. Mas O Substituto é, sobretudo, uma introspecção de Henry Barthes e de tudo aquilo que o leva a um distanciamento e desapego progressivos, à sua incapacidade, resultante de uma tragédia passada mal explorada, para ser mais do que um simples substituto.

Tivessem os elementos anteriores sido orientados de uma maneira assertiva, O Substituto podia ser mais do que um simples filme: podia constituir uma séria e incontornável lição. Mas como se perde numa edição confusa, e mistura mal elementos de documentário e drama, desperdiça qualquer hipótese de moralidade, mesmo que todo o filme esteja preenchido, possivelmente a tapar evidentes fendas no guião, com frases e representações genuínas e motivadoras. Não ajuda também que Henry Barthes seja uma personagem emocionalmente distante e que o restante elenco esteja emocionalmente indisponível.

A edição, como já mencionado, é confusa, baralha a identidade do filme, e a fotografia, pontualmente com planos e disposições interessantes, nada traz de tecnicamente relevante. A música que acompanha, particularmente melancólica e maçuda, não oferece emoção ou disfarça a morosidade dos acontecimentos. Ocasionalmente, gráficos animados, a similar giz num quadro de ardósia, expõem alguns sentimentos mais profundos de algumas personagens e oferecem uma bem-vinda distracção, mas não mais do que isso.

Adrien Brody está de volta ao seu nível máximo de representação neste filme. Com o pouco que lhe foi dado a fazer – emocionalmente –, superou-se. Esse aspecto, juntamente com a forma como é reproduzido o ambiente social de uma escola, torna O Substituto cativante. Tudo o resto torna-o irrelevante. 

CLASSIFICAÇÃO: 2,5 em 5 estrelas

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terça-feira, 6 de novembro de 2012

Filme: Argo (2012)


Argo é um filme intenso, hábil e admirável. Ben Affeck revela uma vez mais ambivalência de qualidades, à frente da câmara e atrás dela, e poderá finalmente conseguir o reconhecimento que tem competentemente procurado na sua incursão à realização.

Em 1979, rebenta a Revolução Iraniana e o Xá Mohammad Reza Pahlevi é deposto do poder. Doente e vencido, Pahlevi consegue asilo político nos Estados Unidos da América. Revoltado, o povo iraniano exige o regresso do Xá e a 4 de Novembro de 1979 invade e toma reféns na embaixada norte-americana. Na confusão, seis diplomatas americanos fogem da embaixada e refugiam-se na casa do embaixador canadiano. O especialista em extracções da CIA, Tony Mendez (Ben Affleck), desenvolve um plano meticuloso para resgatá-los, envolvendo a produção fictícia de um filme de ficção científica. Mas a secreta missão enfrentará muitos adversários e desafios, tanto no Irão como nos próprios Estados Unidos da América.

Os eventos que levaram ao resgate dos seis refugiados foram mantidos em segredo durante muitos anos e só a partir de 1997 foram tornados públicos e o envolvimento de Tony Mendez foi reconhecido publicamente. Enquanto, na realidade, o trabalho de Mendez parece efectivamente algo retirado de um filme, Argo faz muito, e muito bem, para o tornar verosímil, detalhando todo o processo com inteligência, humor e drama. E onde o argumento de Chris Terrio se encontra consciente do processo de extracção, não se coíbe a contornar a realidade e a reordenar e a relocalizar os eventos para criar espanto e gradualmente elaborar um momento de altíssimo suspense que coloca a audiência numa angustiante expectativa. Afinal, Argo é um filme, um thriller, e não um documentário.  
     
Meticulosamente filmado, Argo combina imagens reais, reproduz outras, com o seu lado fictício, nem sempre sendo óbvia a distinção entre elas. A edição é de nível e é particularmente brilhante numa cena intercalada em que o falso filme «Argo», da CIA, é apresentado em Hollywood e em Teerão os reféns da embaixada são considerados espiões e ficam com as vidas em risco. A fotografia é tendenciosamente escura, a intervalos baça, não só contribuindo para dificultar a distinção entre os planos reais e os planos fictícios nos momentos em que se concertam como para transmitir uma atmosfera encoberta tal como aquela de um dia que antevê uma tempestade e o ruir dos esforços. A cadência da banda sonora de Alexandre Desplat, afinada às variadas circunstâncias, envolve em brio os esforços anteriores e torna a tensão e a angustiante expectativa mais intensas ainda.

Se Argo tem um aspecto negativo de saltar à vista terão que ser a falhadas breves sugestões de uma vida pessoal de Tony Mendez fracassada e problemática, com um provável problema de alcoolismo. Nada disso interessa para o guião central nem toma influência no sucesso ou insucesso da missão. Nem é necessário para tornar o arriscado trabalho de Mendez heróico e laudável. Mas da maneira como o filme corre, poucos se aperceberão ou importarão com este menor lado.  

Ben Affleck desempenha o papel principal e está de corpo presente em quase todo o filme. Tão bem quanto efectivamente está, é importante realçar a qualidade do restante elenco, nomeadamente Bryan Cranston e Alan Arkin. Seguindo a tradição de Hollywood de premiar filmes que mostram a competência norte-americana, Argo poderá estar a caminho de uma época de prémios em cheio. A verdade, porém, é que merecerá a grande parte deles. Merece, sobretudo, pela capacidade de transverter uma história acessória dos eventos da Revolução Islâmica e da tomada de 444 dias da embaixada norte-americana no mais notório acontecimento. 

CLASSIFICAÇÃO: 4,5 em 5 estrelas

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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Filme: Dos Homens sem Lei (2012)


Dos Homens sem Lei é um interessante filme de época que, não abordando especialmente os problemas da Grande Depressão, caracteriza bem os tempos da Lei Seca e da criminalidade associada. As actuações de Hardy e Pearce, em particular, são de enaltecer.
   
Em 1931, em plena Grande Depressão e imposição da Lei Seca, os irmãos Bondurant controlam uma destilaria ilegal de sucesso em Franklin County, Virginia. Forrest (Tom Hardy) é o irmão mais velho, também o cérebro e músculo da operação, Howard (Jason Clarke) o irmão de cabeça quente e Jack (Shia LaBeouf) o irmão novo e vacilante. Quando o recém-chegado delegado Charlie Rakes (Guy Pearce) coloca a operação dos irmãos Bondurant em causa, Franklin County deixa de ser o paraíso das destilarias ilegais e a alegada invencibilidade dos Bondurant é colocada à prova.

Dos Homens sem Lei, adaptado por Nick Cave do livro The Wettest County in the World de Matt Bondurant (neto de Jack Bondurant), nunca chega a ser um filme coeso. Divide-se em momentos de criminalidade e momentos de relacionamentos maioritariamente desligados uns dos outros. Faz um muito melhor trabalho a reproduzir a violência (muitas vezes vertiginosa, inesperada e gráfica) do que a estabelecer relações interessantes, revelando um problema de identidade provavelmente justificado pela necessidade de humanizar um grupo de foras-da-lei. A natureza da obra de Matt Bondurant constrange o enredo a seguir a personagem de LaBeouf em todas as suas interacções diárias, quando a verdadeira qualidade do filme se encontra nas personagens de Hardy e Pearce, mesmo que Jack Bondurant seja no fim de contas o mais simples e íntegro dos irmãos que merece redenção aos olhos das outras personagens e do espectador no final.

Em plena Grande Depressão, é de lamentar que as terríveis condições de vida não surjam como condicionantes para os habitantes de Franklin County e para a criminalidade dos irmãos Bondurant e dos produtores de álcool ilegal em geral. À parte, possivelmente, da excelente fotografia baça e fria de Benoît Delhomme, apenas uma única referência à crise é feita, praticamente um ponto de situação para o espectador. Seria mais concebível que a conformação à criminalidade dos irmãos Bondurant viesse de um contexto económico e social degradado e incomportável do que das exposições prolongadas a relacionamentos desinteressantes em que Dos Homens sem Lei desperdiça demasiado tempo. 

Mas onde o guião de Dos Homens sem Lei é fraco, as interpretações são fortes. Hardy é quem mais fica na memória, não apenas pela natureza aparentemente indestrutível de Forrest, mas também pela credibilidade, resolução e ponderação que Hardy lhe confere, transformando-o num herói silencioso que é difícil não apoiar. Pearce fica imediatamente atrás de Hardy: o seu Rakes é deliciosamente instável, enervante e perigoso. O restante elenco faz um bom trabalho, sem a notabilidade destes dois, sendo necessário realçar, no entanto, pelo lado menos, o trabalho demasiado secundarizado de Jessica Chastain, que serve mais de adereço do que outra coisa.

Dos Homens sem Lei é muito bem filmado, alternando inteligentemente entre planos abertos e planos fechados, não se amedrontando na demonstração da sanguinolência da violência. Uma banda sonora mais presente teria sido vantajoso, daria outro espírito ao andamento da história, mas como está, com as suas falhas e virtudes, Dos Homens sem Lei vale a pena ser visualizado, quanto não seja pela veracidade de uma história de uma época de foras-da-lei.

CLASSIFICAÇÃO: 3 em 5 estrelas

Site oficial: http://lawless-film.com/
Trailer:

sábado, 27 de outubro de 2012

Filme: 007 - Skyfall (2012)


Aos cinquenta anos de idade, Bond ganha uma nova vida e, num mundo de blockbusters dominado por heróis de banda-desenhada e adaptações de best-sellers, volta a ser relevante. Mais do que isso, volta a ser a escala de comparação para as fitas de espionagem e para as fitas de acção em geral.

James Bond (Daniel Craig) encontra-se numa importante missão em Istambul para recuperar um disco rígido que contém informação confidencial e sensível sobre agentes da Nato infiltrados em organizações terroristas. Na iminência de perder o assaltante, M (Judy Dench), a partir do centro de operações em Londres, dá uma ordem de fogo que acaba na aparente morte de Bond e na fuga definitiva do assaltante. Quando as informações contidas no disco começam a ser libertadas na Internet e o próprio centro de operações do MI6 é atacado, Bond regressa para ajudar M e parar o homem por detrás dos ataques. Mas o perigo pode ser mais familiar do que Bond e M imaginam.

Skyfall dá praticamente por esquecidos os acontecimentos dos últimos dois filmes (os primeiros com Craig) e introduz na icónica série uma nova brisa e uma renovação necessárias e bem-vindas. Se Bond faz uma breve ressurreição em Skyfall, Skyfall faz uma ressurreição na série de vinte e três filmes do famoso espião de Ian Fleming. E torna Bond novamente pertinente ao reconhecer a idade do seu espião, as alterações no mundo da espionagem e o fenómeno do terrorismo cibernético e individual que não é necessariamente apoiado por um grupo, movimento ou ideologia. Os tempos da guerra-fria acabaram, a espionagem já não pode ter apenas nações em conta e o poder do bit é de todas a ferramenta mais útil e poderosa (e também a mais perigosa). 

A nova missão de Bond tem momentos de acção deslumbrantes – a sequência de abertura, em perfeito testemunho, é tão fluida e integrada que não é possível questionar a plausibilidade de uma perseguição de carro (e depois de mota) acabar no topo de um comboio em movimento numa belíssima ponte. Mas Skyfall não dispensa diálogos ponderados e panoramas de reflexão pela acção apenas pela acção – a acção surge como um complemento, um acessório per se, a um olhar às raízes, às escolhas e ao envelhecimento do MI6 e do próprio Bond. A história lida com cada um destes três aspectos individualmente, e depois em conjunto, e no final a questão transforma-se num problema mais familiar do que institucional, nas simples problemáticas humanas da maternidade, da rejeição e da desforra, em que Bond se encontra no epicentro de uma vingança física e emocional de um "irmão" espião à mulher que os criou.

Skyfall também olha para um Bond mais velho num MI6 mais novo numa era mais informatizada. Bond procura o seu lugar na nova realidade, mas sem querer abandonar por completo os antigos hábitos e maneirismos. A Bond girl, por exemplo, tem muito menor impacto na história que em versões anteriores, como também tem o recurso a equipamentos de espionagem de vanguarda. Skyfall, na verdade, é muito tradicional nos seus recursos, saudosista dos primeiros Bonds, e funciona como elo entre o engenho desses e ligeireza dos mais recentes.      

As actuações em Skyfall são muito boas, mas a nota de destaque vai conjuntamente para Judy Dench e Javier Bardem. A primeira mostra um lado frágil de M, de fim de ciclo, que se desconhecia e o segundo cria um vilão emocionalmente perturbado, sexualmente confuso, com um provável complexo de Édipo. Craig não deve ser, porém, esquecido – o seu Bond é mais maduro e ponderado que anteriormente. A fotografia é deslumbrante, equilibrando tons frios e quentes, nitidez e luz com profundidade – realça sempre brilhantemente as belíssimas paisagens onde decorre a acção, quer nos confusos mercados de Istambul pelo dia ou no caos luminoso de Xangai e Macau pela noite. Mas é a fotografia no último acto, na Escócia, que se torna no grande momento (possivelmente premiado) de Roger Deakins. A banda sonora de Thomas Newman é outro aspecto notável: dramática, pulsante e suspensiva. Skyfall não está, todavia, isento de falhas. Algumas transições não são decentemente explicadas (como o súbito anoitecer no último acto) e Bardem é, infelizmente, subutilizado, aparecendo apenas na segunda metade do filme quando poderia ter colocado mais desafios e interacções.

Em última análise, Skyfall faz muito por James Bond. Reaviva a série, apresenta caras novas, traz-lhe humor, drama e acção e potencia um futuro de nova glória para o espião britânico. Sam Mendes partilhou que se inspirou no Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan. E não surpreende. Se o Cavaleiro das Trevas transformou os filmes de super-heróis, Skyfall transformará os filmes de espionagem. E transformará porque soube olhar para trás, para os primeiros Bonds, e tirar inspirações e métodos. A certo ponto em Skyfall, M pergunta a Bond para onde vão. Bond responde simplesmente: “De volta ao passado.” E isso basta.

CLASSIFICAÇÃO: 4,5 em 5 estrelas

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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Filme: A Advogada (2012)


A Advogada traz-nos a incrível história verídica de persistência e incondicional amor de Betty Anne Waters pelo seu irmão. Embora partidista na maneira como aborda os factos, galvaniza Hilary Swank para a por vezes rara performance notável.

Betty Anne Waters (Hilary Swank) trabalha incansavelmente para provar a inocência do seu irmão, Kenny (Sam Rockwell), e libertá-lo de uma pena perpétua. Ante as dificuldades financeiras e a indiferença da justiça, Betty decide formar-se em advocacia para compreender melhor o sistema e ajudar o seu irmão, enquanto sente dificuldades para sustentar os próprios filhos. A força da sua amiga de curso, Abra Rice (Minnie Driver), e a emergência de testes de ADN dão a Betty a derradeira oportunidade para tentar apurar a verdade.     

A Advogada consegue ser um filme brilhante a espaços, nomeadamente quando é capaz de relacionar os eventos presentes dos irmãos Waters com a sua infância difícil e errática. É dessa maneira que consegue explicar com plausibilidade a perseverança de Betty em socorrer o seu irmão. Dispensou 16 anos da sua vida para ilibá-lo, desinvestindo do seu casamento e quase perdendo os seus filhos – prova de amor absoluto que o filme consegue apresentar da melhor maneira. Mas se A Advogada triunfa nessa vertente, falha na parte jurídica do seu guião. Munindo-se da veracidade da história e dos anos que passaram desde os acontecimentos, pouco ou nada faz para lançar uma real suspeita sobre a alegada envolvência de Kenny no assassínio de Katharina Brow, ou para apresentar a visão da família da vítima e da justiça. O filme certamente ficaria a ganhar se este lado tivesse sido trabalhado e o resultado do esforço de Betty seria mais recompensador.

Se A Advogada não chega a ser um filme brilhante pela tendência para apenas um lado dos acontecimentos, ou pela debilidade no tratamento dos temas e procedimentos jurídicos envolvidos, é efectivamente um bom drama e uma oportunidade eximiamente aproveitada tanto por Swank e Rockwell para puxarem dos seus galões. Swank consegue comover nos momentos de desespero e encantar nos momentos de triunfo, enquanto Rockwell envolve a sua personagem em camadas de amabilidade que se sente que podem ruir a qualquer instante fruto da desesperança e da melancolia.

A Advogada chega a Portugal dois anos depois da estreia oficial. Não se compreende a demora na distribuição portuguesa do filme – é certo que não é nenhum blockbuster, mas o seu visionamento vale mais a pena que a maioria deles. É uma excelente e tocante história de afeição, sacrifício e obstinação. É difícil não torcer pela libertação de Kenny (mesmo que o filme manipule, de certo modo, nesse sentido), sobretudo quando um tem em mente a quantidade de indivíduos erroneamente acusados por falta de verdadeiros e transparentes procedimentos de investigação. É uma história ainda mais tocante se se tiver em conta o que ocorreu depois dos acontecimentos retratados no filme.  

CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas

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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Filme: Frankenweenie (2012)


Frankenweenie é regresso de Tim Burton à animação e também o regresso e reinvenção ao segundo trabalho da sua carreira. Pontuado pela comédia, pelo afecto e pela vivacidade do desenho, Frankenweenie seguramente agradará a pequenos e graúdos.

Victor Frankenstein (Charlie Tahan) é um pequeno cineasta e cientista que vive inseparável do seu cão Sparky. Quando é convencido pelo seu pai a jogar basebol para que conviva mais com os seus colegas da escola, Victor efectua uma jogada que resulta no atropelamento de Sparky. Estimulado por uma das aulas de ciências, Victor decide fazer o inimaginável: ressuscitar Sparky. A experiência funciona, mas acarretará um conjunto de perigos que colocarão a cidade de New Holland, e mesmo o regresso de Sparky, em risco.

Em 1984, Tim Burton realizou uma curta-metragem para servir simultaneamente de paródia e homenagem a Frankenstein de 1931. Com apenas meia hora de duração, Frankenweenie de 1984 é um filme razoável, com personagens reais e alguns efeitos especiais interessantes. O seu mérito é, efectivamente, a reviravolta que dá à história original de Frankenstein. Mas fica-se por aí e fica no ar a sensação de que lhe falta essência, brilhantismo e ternura. Tim Burton percebeu isso mesmo a dada altura e convenceu a Walt Disney a financiar um remake. Usando muito a técnica que aplicou em A Noiva Cadáver (aliás, a equipa é quase a mesma), Burton reinventa Frankenweenie como uma longa-metragem de animação, acrescentado o humor, o drama e o horror gótico que faltou à curta-metragem – chega mesmo a transladar take a take algumas das cenas mais icónicas do original. A escolha pela animação é a maior virtude do remake, e bem assim a escolha por uma fotografia a preto e branco que acrescenta até mais nitidez, detalhe e fantasia que o uso de coloração.   

As personagens são maioritariamente estereótipos da sociedade, mas não são por isso mal utilizadas. Quase todas vêm do remake, e são todas elas vivamente extrapoladas da sua versão original para uma forma mais caricata, desarranjada e parva. É, no entanto, uma modificação que acaba por trazer momentos inspirados e marcantes ao remake. Em particular, a personagem de Victor surge mais irreverente, meiga e escrupulosa.

Frankenweenie não traz nada de novo tecnicamente – a intervalos, aliás, apresenta algumas imperfeições na espontaneidade das imagens mais rápidas, como sejam os movimentos das pernas e das bocas (todavia, uma falha menor do stop motion que não esbarra com a beleza das imagens). O uso do 3D também nada acrescenta, como, de resto, poucos filmes têm acrescentado ultimamente – é mais uma decisão monetária que uma decisão artística. Além disso, existe um conflito temporal e histórico no guião: enquanto o setting é dos anos 50 para 60, são feitas referências recentes como a exclusão de Plutão da lista de planetas. 

Mas as imperfeições técnicas e conflitos temporais não interessarão para o espectador que procure, possivelmente em família, passar um bom momento. Frankenweenie está carregado deles e possui uma estrela que tem o poder para ficar na memória de todos: Sparky. Se houve quem se encantasse com Uggie n’O Artista, haverá com certeza quem se apaixonará por Sparky, mesmo que ele não seja de pêlo e osso. Acompanhado por outra excelente banda sonora de Danny Elfman (em mais uma colaboração com Burton), e mesmo que o final não seja particularmente surpreendente, Frankenweenie é uma aposta ganha de Burton, nem que seja tão-somente pelo contributo na promoção aos animais de estimação.   

CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas

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domingo, 14 de outubro de 2012

Filme: Arbitrage – A Fraude (2012)


Arbitrage – A Fraude é um drama meticuloso, com sérios momentos de thriller e suspense. Eximiamente representado, gira quase por completo em torno de Richard Gere, que tão cedo na época de prémios pode ser um candidato a melhor actor.

Robert Miller (Richard Gere) é um bilionário que acaba de completar sessenta anos de idade. A perspectiva da velhice persuade-o a vender a sua organização a fim de tapar um grave buraco financeiro provocado por um mau investimento. Mas nas vésperas de a venda ser tornada oficial, Miller envolve-se num acidente de automóvel com a sua amante. Temendo que o acidente adie a venda da organização, que leve a uma auditoria mais profunda e que traga ao de cima as fraudes existentes, Miller foge e tenta eliminar todas as provas da sua envolvência no desastre automóvel.

Arbitrage é um drama em três frentes. A primeira, a disputa entre Miller e a polícia sobre o acidente automóvel. A segunda, o desespero contido de Miller para vender rapidamente a sua organização e esconder a fraudulência. A terceira, o comportamento furtivo de Miller para esconder todos os problemas anteriores da sua família, nomeadamente da filha e da mulher. Com todas estas frentes interligadas e influenciáveis pelo resultado de uma ou de outra, Arbitrage, que desembrulha o seu enredo sem pressas, tem a incomum capacidade de manter o espectador com atenção ininterrupta.

É, sobretudo, um muito interessante estudo a uma personagem – Miller – sem escrúpulos. Aliás, o verdadeiro mérito de Gere, se não for a sua capacidade para humanizar Miller com muitos defeitos e poucas virtudes, é a facilidade com que induz o espectador a torcer por um homem fraudulento, infiel e incorrecto. Gere vende muito bem a sua personagem, mas também a vende Susan Sarandon (como esposa atenta de Miller), Brit Marling (como filha desconfiada de Miller) e Tim Roth (como detective compenetrado). É pena que, todavia, Sarandon seja subaproveitada e não tenha uma presença mais assídua nos 100 minutos do filme. Uma actriz do calibre desta senhora só poderia tornar Arbitrage ainda melhor do que é. Mas este é o filme de Gere e Gere é mestre no seu desempenho.

A produção de Arbitrage é boa e Nicholas Jarecki merece ser elogiado pela sua primeira vez na cadeira de realizador; em especial, deve ser aplaudido pelo argumento inteligente e consciente. Arbitrage contribui para mostrar uma vez mais que as produções independentes têm muito valor. É, contudo, de lamentar que Arbitrage acabe algo abruptamente quando se sentia que ainda podia dar mais qualquer coisa.  

CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas

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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Filme: Até que o fim do mundo nos separe (2012)


O mérito de Até que o fim do mundo nos separe é a capacidade de passar uma visão optimista de um cenário tão pessimista e desastroso como o fim do mundo e de toda a vida, pontuado por duas performances fortes de Knightley e Carell.

Dodge Petersen (Steve Carell) é um vendedor de seguros que tenta lidar com a horrível notícia que abalou o mundo: o último esforço para desviar um asteróide de 100km da Terra falhou e o planeta será completamente destruído em apenas três semanas. A sua mulher abandona-o e Dodge continua a acordar cedo e a ir para o seu local de trabalho. Mas eis que surge Penny (Keira Knightley), vizinha do seu prédio, que lhe dará coragem para usar os últimos dias que restam para resolver erros passados. 
   
Inicialmente, após a notícia de que restam apenas três semanas, a vida continua num ritmo normal e discute-se como se passará os derradeiros dias com calma e mesmo alegria. Aproveita-se para fazer o que nunca se fez e sempre se desejou. Há lugar a desinibições e a inebriamentos. Todavia, Dodge não é capaz disso, recusando-se a aceitar que o fim está mesmo iminente. É Penny quem o salva: convence-o a procurar a sua primeira amada, lá dos tempos da escola, para que ele lhe possa dizer tudo o que ainda sente por ela. E depois é Dodge quem salva Penny, resgatando-a de uma relação calamitosa. Pelo caminho, cruzam-se com vários indivíduos, cada um deles encarando o fim de modo distinto: há o suicida, há os desinibidos, há os preparados, há os não preparados.

Conforme a viagem continua, Dodge e Penny aprendem mais um sobre o outro. E é com o fortalecer da reacção entre ambos que o filme se fortalece e encontra o pendor certo. É nessa altura que o espectador fica completamente embrenhado na vida restante destas duas personagens. Os bons desempenhos de Carell e Knightley são essenciais para cativar a atenção e disfarçar um problema, de outro modo grave, de Até que o fim do mundo nos separe: o enredo raramente parece ter um rumo certo e volta muitas vezes atrás sem justificações convincentes ou sensatas. Mas, se calhar, até certa medida, a própria indecisão do enredo reflecte a indecisão destes indivíduos que encaram o fim de tudo o que conhecem.

Até que o fim do mundo nos separe não se preocupa em fazer levantamentos políticos, religiosos e morais da iminente tragédia, mesmo que aqui e ali faça breves referências a anarquias e deslealdades. Não é o típico filme de desastres. O cenário que cria é de relativa paz, tranquilidade e positivismo, focado na última jornada de duas personagens tão diferentes uma da outra. É um drama disfarçado de comédia e nem o primeiro é excessivo, nem a segunda é exagerada – é este equilíbrio que torna o filme especial. E quando o fim chega – não há dúvidas de que não chegará; não há nenhuma salvação Deus ex machina – a sensação é de ânimo e satisfação.

CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas

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