Adequadamente baço, visual e explosivo e
liderado pelas actuações de Brad Pitt e de Logan Lerman, Fúria introduz outro destacável capítulo cinematográfico na 2ª
Guerra Mundial apoiado na valentia, na camaradagem e na adaptação.
A 2ª Guerra Mundial está muito perto do fim.
As forças aliadas conquistam terreno na inimiga Alemanha, mas a resistência
ainda é forte e atroz. Don "Wardaddy" Collier (Brad Pitt) comanda o
tanque Fury, um dos mais destacados do Regimento 66. O regimento de Fury é
composto por Boyd "Bible" Swan (Shia LaBeouf), Grady
"Coon-Ass" Travis (Jon Bernthal) e Trini "Gordo" Garcia
(Michael Peña). Quando um quinto membro do regimento morre em combate, o
recém-chegado Norman Ellison (Logan Lerman) é destacado para Fury. A guerra que
Norman pensava relatar não é a guerra que vai efectivamente viver.
Escrito e
realizado por David Ayer, Fúria
retrata a 2ª Guerra Mundial, ou pelo menos o seu furioso epílogo, com um ritmo
diferente do que seria de esperar, tomando tempo para os seus momentos de
reflexão moral e religiosa e para os seus planos vívidos e visualmente
esviscerais. A história não é verídica. Resulta da criatividade de David Ayer,
mas não sobejam muitas dúvidas sobre a credibilidade e o realismo desta
representação crua. Em certos momentos, talvez a narrativa exponha os seus
intervenientes a sortes improváveis, mas David Ayer nunca passa totalmente o
risco da probabilidade ou se tenta a evidentes mecanismos Deus ex machina.
No confinado
tanque baptizado Fury, David Ayer joga com personalidades distintas. Cruza a
religião com a descrença religiosa, a experiência na guerra com a
inexperiência, a velhice com a juventude. O regimento de Wardaddy está
profundamente marcado pela longa guerra, de África à Alemanha; marcado não
apenas nas por vezes horripilantes cicatrizes físicas, mas também na mente, no
alento e na crença. Tão marcados pelas atrocidades, pelo vermelho do sangue e
pelo laranja das chamas, o regimento parece já indiferente ao horror,
insensível à dor e desinteressado na ocasional injustiça. É com este cenário
pouco animador e intolerante que o recém-chegado Norman se depara.
Há pouco mais
do que oito semanas na guerra e inicialmente destacado para dactilografar,
Norman vê-se inserido num grupo que não o aceita e que não lhe reconhece
qualquer capacidade ou qualidade. Norman é praxado de forma cruel e constante
pelos seus companheiros. Chega a ser forçado a liquidar um inimigo que se
rendera contra a sua vontade e instinto de justiça. O tratamento que Norman
recebe parece exagerado, mas a hostilização persistente por parte dos seus
companheiros ilumina-se de uma intenção válida: a de desenvolver rapidamente em
Norman as sensações de indiferença, insensibilidade e desinteresse que se
espraiaram no regimento durante anos de conflito e que os foi mantendo a salvo.
Afinal, o tanque só funciona se todos remarem no mesmo sentido, e só todos
sobreviverão se forem capazes de cumprir o seu papel, quão desumano seja ou
possa vir a ser.
David Ayer não
se coíbe a mostrar esta desumanidade, toda a desumanidade da guerra. Os
momentos de confrontos são exímios e tensos, numa sucessão de planos abertos e
fechados que aumenta o perigo sobre o regimento de Fury. As cores atenuadas e a
música expectante acentuam a devastação provocada e a pouco esperança com que
todos os intervenientes parecem compactuar. David Ayer eleva o ritmo e a acção
no acto final, onde filma uma admirável demonstração de tácticas de guerra. O
realizador americano não se esquiva por um momento da sua visão bruta e
autêntica do confronto. A tensão de cortar à faca quando Wadarddy e Norman se
hospedam sem licença na casa de duas alemãs, ou a conformidade entre o plano
inicial e o plano final do filme, com o tanque no centro da desolação, são
testemunhos desta rigorosa compostura.
Brad Pitt
volta a interpretar um papel no contexto da 2ª Guerra Mundial, mas nem por isso
o seu trabalho se torna menos original e desinspirado. O seu Wardaddy prova-se
um homem de aparência forte, de liderança nata; embora o semblante sério e
pesado, talvez sinta e padeça mais do que qualquer outro à sua volta. A certa
altura no acto final, pela forma como captura o momento, David Ayer parece
sugerir uma relação entre Wardaddy e Bible superior à mera amizade e ao
companheirismo. David Ayer não dedica mais qualquer instante a esta percepção,
a esclarecê-la ou aprofundá-la. E bem. É natural; não é forçado. No elenco de
suporte a Brad Pitt, Logan Lerman destaca-se no papel Norman. A sua personagem
é a que mais transformações sofre durante Fúria
e a que carrega o fardo de ser os olhos da audiência. Logan Lerman mostra-se à
altura do desafio. O restante elenco compõe-se bem, incorporando qualidades e
peculiaridades em personagens de outra forma contagiadas por algum
corriqueirismo.
Fúria não é o melhor trabalho
cinematográfico que tem como pano de fundo a 2ª Guerra Mundial. Há obras
incontornáveis no género que são difíceis de alcançar. Mas Fúria conquista meritoriamente o seu espaço. Conquista com uma
premissa muito simples, destacada no discurso consternador e vaticinador de
Wardaddy: as ideias são pacíficas, mas a história é violenta.