A sensação de visualizar um filme
internacional na capital portuguesa é estimulante e fascinante, particularmente
quando o guia de serviço é um tão encantador quanto Jeremy Irons. Comboio Noturno para Lisboa, todavia,
enquanto contador de histórias, é um projecto pouco ambicioso, preso à sua própria
comodidade.
Raimund Gregorius (Jeremy Irons) é um
professor suíço de velhas línguas. Certo dia, Raimund salva uma misteriosa
mulher de uma tentativa de suicídio. A mulher desaparece e deixa para trás um
livro de edição pequena e única de um desconhecido autor português, Amadeu de Prado (Jack
Huston). No livro, Raimund encontra bilhetes de comboio para Lisboa. Numa
decisão impulsiva, Raimund decide-se a fazer a viagem, uma que o levará a
conhecer a vida de Amadeu e o seu papel na revolução portuguesa que terminou a
ditadura do Estado Novo.
O romance
homónimo de Pascal Mercier, do qual Comboio
Noturno para Lisboa é adaptado, é uma obra com uma intenção filosófica e
reflectiva com pano de fundo a ditadura portuguesa e o movimento revolucionário
que eventualmente lhe pôs um fim. Comboio
Noturno para Lisboa – o filme – procura capturar e transpor para o grande
ecrã o mesmo encanto ensimesmado, envolvendo o seu enredo numa atmosfera
melancólica e soturna, agarrada e prisioneira dos eventos do passado, à
vitalidade e à significância de cada acção individual para um panorama comum em
secreta mudança. A concernência do presente é pouca e Comboio Noturno para Lisboa evita perder tempo no seu marasmo,
apressando Raimund entre cenários, personagens e transportes para rapidamente
se lançar noutra reminiscência do passado, aos poucos e poucos agregando as
cores desordenadas de uma pintura incomum alusiva à revolução portuguesa do 25
de Abril de 1974. A singularidade deste retrato encontra-se no destaque que
entrega às decisões individuais e à eventualidade de serem afectadas pela inevitabilidade
de amar e invejar.
Comboio Noturno para Lisboa, embora bem-intencionado,
nunca estabelece uma motivação clara, ou aceitável, para a obstinação de
Raimund para percorrer Lisboa em busca da vida de Amadeu de Prado e dos ideais
por trás do seu livro, um que chega às mãos Raimund através de um acto que
nunca apresenta explicação. Aponta apenas para o aborrecimento da sua vida e para
a insignificância do seu trabalho. Raimund, e praticamente todo o enredo do tempo presente, é quase completamente dispensável, meramente expositivo; é apetrecho para bater de porta em porta e para realizar travessias sobre o Tejo,
embora Jeremy Irons, na sua presença sempre fascinante, lhe acrescente valor. Comboio Noturno para Lisboa, numa
oportunidade perdida, também não se preocupa em estabelecer uma causalidade intemporal
entre as circunstâncias da revolução e o actual desalento social, recordando o seu
propósito de meditação.
É significante
testemunhar a cidade de Lisboa numa produção internacional, mesmo que o
realizador dinamarquês Bille August nunca se perca em contemplações abusivas da
cidade ou dos seus principais pontos turísticos. A sua visão da capital portuguesa
é, acertadamente, simples e populista. Mais considerável ainda é a agradável frequência
da guitarra portuguesa numa banda sonora reservada e humorada. O elenco
internacional, nem sempre tão aportuguesado quanto tenciona, é marcado pelas boas
interpretações de Jeremy Irons, dedicado e incansável, Jack Huston, cativante e
apreensivo, e Charlotte Rampling, elegante e misteriosa. Entre os portugueses,
destaque para Marco D’Almeida, capaz de uma expressão e absorvimento emocionais
que os seus projectos televisivos raramente permitem, e Beatriz Batarda, encantadora
e sensível.
Comboio Noturno para Lisboa prende sobretudo
a atenção quando se foca na ditadura e na revolução, calmamente, sem
desnecessárias tensões. Quando o foco são os pensamentos de Amadeu de Prado e a
consequente interpretação de Raimund, distancia-se do espectador, do seu
interesse, embora a pertinência da sua intenção filosófica e reflectiva. O
problema é, possivelmente, a menos boa combinação conseguida por Bille August. O
epílogo é desnecessariamente longo, mesmo com a presença da encantadora Lena
Olin. Comboio Noturno para Lisboa
deixa, no fim, um sentimento amargo, entre a gratificação de uma produção
internacional realizada em Portugal (muitos são os nomes portugueses que
preenchem os créditos finais) e o dissabor de uma história que, referenciando-se
na ditadura portuguesa, parece incompleta e mal contextualizada.
CLASSIFICAÇÃO: 3 em 5 estrelas
Site Oficial: http://www.nighttrain-film.com/
Trailer:
Certo.. mas a maior crítica ainda é se falar inglês em contextos absurdos como é o caso da revolução dos cravos e de serem personagens supostamente portuguesas.. para não falar no cúmulo de actores portugueses falarem inglês entre si no seu próprio país e dentro da sua própria história, independentemente de a produção ser estrangeira. Para mim o filme acaba aí. Ganda palhaçada. Pode ter um grande enredo e ser maravilhosamente produzido mas só esse pequeno (GRANDE) pormenor borra a pintura toda. É a mesma coisa de se ir à china retratar períodos sobre a cultura e história deles em que, no lugar de se falar mandarim, fala-se comercialmente inglês...poupem-me
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