sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Filme: Os Descendentes (2012)


Os Descendentes é um drama (a designação oficial também diz comédia [?] ) terra-a-terra. O enredo é simples, as personagens são vulgares e a realização é segura. Mas esta singeleza é, afinal, a grande força de Os Descendentes. Retira de George Clooney uma representação inteligente, sincera e laudável de um marido e pai que procura o controlo emocional numa altura dramática da sua família.

Matt King (George Clooney) é um advogado em Honolulu (Havai). Fideicomissário de um terreno com 25 000 hectares na ilha Kauai, Matt sente-se numa encruzilhada. Pressionado pela família a vender o terreno (se nada for feito, em sete anos o terreno deixa de lhes pertencer aos olhos da Lei), Matt tem também que lidar com o estado comatoso da sua mulher depois de um acidente de barco. Antes um pai ausente (“o pai de reserva”), Matt procura agora reforçar a ligação com as suas duas filhas, ao mesmo tempo que procura a melhor forma de lhes transmitir e ao resto da família que a sua mulher está clinicamente morta. Quando descobre um segredo sobre a sua mulher, e quando tal segredo pode ter impacto sobre a decisão de vender ou não o terreno de 25 000 hectares, Matt tem que trazer de dentro de si toda a coragem e compostura.

Baseado no livro homónimo de Kaui Hart Hemmings, Os Descendentes é um filme peculiarmente simples. Prende a atenção do espectador com um pêndulo de emoções legítimas e contra-emoções implícitas, mesmo que já se saiba desde o início que o fim só poderá ser um. Mas é não saber como esse fim chegará, e como a vida das personagens será daí em diante, que o processo é feito com novidade e meditação. Eu acho que está tudo, diz a personagem de Clooney pela última vez no filme. Daqui para a frente tudo ficará bem, parece ainda querer dizer; embora pareça uma constatação simples, resulta de uma jornada lenta pela reconciliação, aceitação e perdão. Mas são na verdade os pequenos e tocantes momentos que acabam mesmo por marcar a película, como uma cena em que Matt mostra o terreno de 25 000 hectares às suas duas filhas: em Clooney podemos ver o ar de quem não consegue deixar o passado para trás, em Shailene Woodley, interpretando a filha mais velha, o ar de quem ainda não fez reconciliações até consigo própria e em Amara Miller, como filha mais nova, o ar de quem ainda não consegue compreender a plenitude dos acontecimentos. São estes pequenos momentos, estas pequenas e subtis trocas de olhares e palavras sentidas que faz Os Descendentes valer muito mais que a simplicidade da sua história. E é só quando Matt e as suas duas filhas se juntam no sofá, na última cena, para um genuíno momento familiar, e o ecrã fica aos poucos preto, que nos apercebemos que presenciámos uma história terna e moralizante.

Momentos há em que o filme parece que vai perder a sua espontaneidade. Mas Alexander Payne sabe ter um punho firme na câmara e manter a objectiva concentrada nos momentos mais proeminentes, ainda que de quando em vez não tema perder alguns instantes em contemplações, geralmente acompanhadas com belíssimas músicas havaianas. Mas é Clooney quem merece o mais rasgado elogio. Clooney é sobretudo a conjugação de todo o espírito do filme: é um marido amargurado e desiludido; é um pai afectuoso e atrapalhado; é um familiar empenhado e consciente. A interacção entre Clooney e Woodley é particularmente encantadora e genuína.

Os Descendentes está nomeado para cinco Óscares da Academia, incluindo Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Actor. Embora talvez não ganhe nenhuma destas três principais categorias (com a fortíssima concorrência d’O Artista), Os Descendentes marca o ano cinematográfico de 2011 por ser uma película arriscada – poderia falhar crassamente à primeira decisão de realização errada – que resulta primorosamente numa história e numa reflexão sobre a vida, a morte e o poder de reconciliação.


CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


IMDB: http://www.imdb.com/title/tt1033575/

Site Oficial: http://content.foxsearchlight.com/films/node/4365

Trailer:

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