quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Filme: Lincoln (2013)


Lincoln é mais uma grande consagração do incrivelmente talentoso Daniel Day-Lewis, mas um exercício demasiado rotineiro de Steven Spielberg, refreado por um argumento excessivamente sistemático que pode desnortear audiências não-americanas.

A Guerra Civil Norte-Americana encontra-se perto do fim e o Presidente Abraham Lincoln (Daniel Day-Lewis) decide levar a cabo o seu projecto de emancipação de todos os oprimidos da América, de abolição da escravatura. Mas quando tal intenção pode prolongar o conflito militar, estando já em confronto com os princípios de muitos Representantes, o Presidente confrontar-se-á com uma acesa guerra política.  

A história de Abraham Lincoln é inegavelmente enriquecedora e várias são as biografias e as adaptações ao pequeno e ao grande ecrã que se presumem mostrar o 16º Presidente dos Estados Unidos da América e, particularmente, o homem, o carácter e as crenças por debaixo do cargo, de uma terrível guerra civil e de desamparadas lutas cívicas. Lincoln dispõe-se do conhecimento à priori de Abraham, com a sua figura, o seu estilo e o seu mito estabelecidos. Baseado na biografia histórica “Team of Rivals: The Political Genius of Abraham Lincoln” de Doris Kearns Goodwin, o filme concentra-se exclusivamente nos últimos quatro meses de vida do Presidente, nos esforços finais para pôr cobro a uma terrível guerra civil que destruía toda uma nação e no seu compromisso para colocar um fim à escravatura. Lincoln, fundamentalmente, representa as dificuldades na aprovação da 13ª Emenda à Constituição norte-americana, com críticas ao processo americano de decisão, envolvido num jogo político desgarrado, decidido por meio da corrupção e da aliciação.

Abraham, mergulhado numa vontade decorosa de presenciar igualdade entre os seus cidadãos, recorre ao suborno, imoral, como meio para alcançar uma virtude maior, mesmo que tal empreendimento lhe possa custar toda uma guerra e adiar, ou desconvocar, um processo de paz em curso. Lincoln nunca identifica completamente a origem compassiva do Presidente, já envelhecido e desgastado, mas mostra toda a sua humanidade como homem de família, como pai de um filho perdido para a febre tifóide, como marido de uma mulher instável e como patrono de uma nação ferida. Se Lincoln parece um filme incompleto é precisamente por ficar no ar a ideia de um trabalho dividido entre Abraham-presidente e Abraham-homem, onde é notório um empenho mais esforçado na política do que na essência do ser. E quando a política ostentada envolve uma edificação de princípios e de processos normalmente desconhecidos para o espectador não-americano, perde a fracção Abraham-presidente alguma importância, por mais que elaborados os discursos incitadores e irónicos dos seus representantes.    

Durante a primeira metade de Lincoln o jogo político é particularmente complexo, lento, e o papel de cada um dos seus actores, que nem sempre fogem à excessiva caricatura, é confuso. Somente quando todos os interesses e intenções são colocados em campo é que Lincoln sobe de patamar e melhora substancialmente, ancorado numa brilhante e memorável actuação de Daniel Day-Lewis, excelentemente caracterizado, sobressaído no jogo de luz e sombras proporcionado pela fotografia crua, iluminada palidamente. Tommy Lee Jones e Sally Field também ajudam a distinguir Lincoln, encarando personagens históricas à sua maneira, sem receio de as galvanizar demasiado. A execução de Steven Spielberg é, curiosamente, contida, resistindo à tentação de recriar algumas das batalhas da guerra civil – apenas o desfecho é apresentado – para manter sempre a objectiva no Presidente e nas suas aspirações, embora nem sempre no melhor interesse do argumento. Todos os restantes elementos da produção estão bem (em particular a banda sonora de John Williams, colaborador e engrandecedor incansável dos projectos de Spielberg), mas não deixa de ficar a sensação de algo deixado para trás – o ingrediente-chave – que tornaria Lincoln especial. A razão pode estar na excessiva politização do argumento, mais preocupado com o jogo político do que com a pertinente mudança social em curso. Nomeado para 12 Óscares®, incluindo Melhor Filme, Lincoln perdurará pela interpretação de Daniel Day-Lewis, mas dificilmente ficará no panteão a que aspirou chegar. 

CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas


Trailer:

2 comentários:

  1. É verdade!
    Para quando a crítica do Hitchcock?

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    1. Passe pelo Terceiro Take no fim da semana. A crítica deverá estar disponível nessa altura.

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