Tarantino torna-se com Django Libertado mestre completo do seu estilo e censurador admirável
da vergonha humana. Django Libertado
é uma história arrojada de impecável direcção, brilhantes actuações e sequências
memoráveis.
Em 1858, dois anos antes da Guerra Civil
Norte-Americana, o Dr. King Schultz (Christoph Waltz), um
dentista alemão em viagem pelos Estados Unidos, cruza-se com os Irmãos Speck,
três esclavagistas que transportam um grupo de escravos recentemente
adquiridos. Schultz procura um escravo em particular que os Speck possuem:
Django (Jamie Foxx). Schultz adquire Django e revela as suas verdadeiras intenções:
encontrar e matar os Irmãos Brittle – cujo aspecto apenas Django conhece – a
fim de conseguir uma recompensa estatal. Django acorda, com uma condição: ser
libertado depois da sua tarefa para poder resgatar a sua mulher, também
escrava, vendida em castigo a uma plantação distante.
Quentin Tarantino
há muito que estabeleceu a sua marca e o seu toque spaghetti nas suas duas décadas de actividade. Com Django Libertado (o D é silencioso),
Tarantino aborda pela primeira vez o género de que é tão claramente aficionado,
o género para o qual parece estar a preparar-se desde a sua monumental estreia
em Cães Danados. Em Django Libertado, todo o incrivelmente agradável
desconcertado estilo de Tarantino encontra a sua casa e sua verdadeira essência.
O habitual grafismo e os súbitos grandes planos, ou as momentâneas transições
ao som de melodias clássicas ou músicas modernas, enchem-se de pertença e
brilhantismo. É, porventura, essa percepção de conformidade com o género que
faz Django Libertado parecer,
curiosamente, o filme mais controlado de Tarantino, mais encadeado num conjunto
de regras cinematográficas. Mas o aparente autodomínio de Tarantino sobre a sua
por vezes alienada visão não significa que Django
Libertado é um filme menor em comparação aos seus trabalhos anteriores –
pelo contrário, mostra amadurecimento, aperfeiçoamento e compreensão dos
limites do seu estilo assimétrico.
Quando
Tarantino afirma que Django Libertado
está em linha com Sacanas Sem Lei (e
que é o segundo de uma trilogia que acabará algures nos próximos anos com Killer Crow) é fácil de compreender a
essência da sua comparação. Sacanas Sem
Lei apresenta a revolta dos subjugados ao subjugador, numa forma de ironia
fria que aponta as deficiências humanas e a grotesca ideia de supremacia de um sobre
o outro, uma revolta que na realidade não teve lugar na época em questão. Django Libertado segue a mesma cadeia de
sentença, trocando um grupo de amotinados judeus contra o subjugador Adolf
Hitler na Segunda Guerra Mundial por um revoltado escravo da raça negra contra
os seus brutos, e por vezes asnos, escravizadores imediatamente antes à Guerra
Civil Norte-Americana. A vingança, quase a qualquer custo, é um tema recorrente
nos trabalhos de Tarantino, mas em Django
Libertado, quando a reprovação fica mesmo em casa, o realizador vai mais
longe e dá uma bofetada histórica e destemida num tema – a escravatura – que ainda
tem feridas abertas na nação Americana. E quando Django, um dissimulado
anti-herói, exerce a sua justiça no típico caos do derradeiro clímace, a censura
de Tarantino fica completa e os eventos emendados, mesmo com o espectador ciente
de que tal dramatização e rectificação histórica jamais teriam lugar na época
retratada.
Tarantino impressiona
sempre com o seu esmero, mas é também a sua capacidade de obter actuações
memoráveis e atípicas do seu elenco que eleva as suas histórias para outro
patamar. Efectivamente, todo o elenco de luxo de Django Libertado, possivelmente motivado pela direcção frenética e
pelas ambiências históricas, alcança brilhantismo. Particularizar o trabalho de
um ou outro actor é quase um exercício desnecessário, mas é obrigatório elogiar
o sarcasmo corajoso de Christoph Waltz, a audácia intermitente de Jamie Foxx, a
autoridade arrepiante de Leonardo DiCaprio, a comicidade perigosa de Samuel L.
Jackson e a beleza guardada de Kerry Washington.
Se Django
Libertado é um filme perfeito? Não é. Desde logo, a sua duração, por mais que o
estilo e a imprevisibilidade entusiasmem sempre, é excessiva, padecendo com uma
segunda hora que se arrasta sem grandes acontecimentos e que se perde em
atalhos desnecessários. Depois, o epílogo é comprido e faz sentir a falta de algumas
personagens que encontram o fim no segmento prévio. Mas com os seus momentos
tensos, com as fantásticas actuações, com paisagens lindíssimas (as belas
pradarias do sul norte-americano através da fotografia primorosa de Robert
Richardson) e com um argumento delicioso (de perfeitos diálogos e silêncios), Django Libertado é um deleite para apreciadores
e curiosos. Nomeado para cinco Óscares®, incluindo Melhor Filme, Melhor
Argumento Original e Melhor Actor Secundário (para Waltz, no que deve ter sido
uma decisão difícil da Academia entre o austríaco, DiCaprio e Jackson), Django Libertado é o mais perto de
obra-prima de Tarantino.
CLASSIFICAÇÃO: 4,5 em 5 estrelas
Site Oficial: http://unchainedmovie.com/
Trailer:
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