quinta-feira, 1 de março de 2012

Filme: Vergonha (2012)


Vergonha é tudo menos o que o seu título pretende passar. Aqui não há vergonha. É um filme comodista nas suas próprias normas e preconceitos. O seu objectivo não é chocar, nem corrigir. Pretende tão-somente despir a cegueira moral do espectador para uma demonstração quasi-grotesca da perturbação, do vício e do distúrbio sexual que não tem um início nem um fim em si mesmo.

Brandon (Michael Fassbender) vive e trabalha em Nova Iorque. Durante a noite, e mesmo até durante o dia, Brandon continua a alimentar o seu vício sexual de modo compulsivo. Quando a sua irmã Sissy (Carey Mulligan) o visita inesperadamente, Brandon sente-se pressionado e levado ao limite. Carente e abalada, Sissy revelar-se-á um desafio e também uma janela que ajudará a compreender melhor o vício de Brandon.

Vergonha tem um ar tão trágico quanto cru. É quase estilístico na forma como aborda o problema, aqui por doença, de Brandon, que se refugia no sexo para disfarçar, ou adiar, a sua infelicidade. O filme não se propõe a explorar de forma clara de onde surgiu o vício dele. As pistas surgem aqui e ali conforme o carácter de Sissy se polariza e choca com os hábitos de Brandon. Mas não é compreender a origem do vício que Vergonha pretende causar. Vergonha é um retrato da luta ao vício e dos altos e baixos que provoca. Mas quando o vício é tão grande e quase inteiramente intrínseco ao carácter como no caso de Brandon, será que a luta é mesmo necessária ou é apenas um pretexto para aceitação final de que o vício está para ficar? A resposta não é clara, mas também não pretende ser. Esse é o trabalho que fica para o espectador e o resultado da reflexão será tão distinto conforme as crenças e preconceitos de cada um.

Michael Fassbender entrega-se de corpo e alma ao papel, literalmente. Encarna Brandon com muita compreensão, sendo capaz de mostrar o lado forte e charmoso e o lado frágil e perdido com incrível realismo, enquanto o mantém distante e fechado das pessoas à sua volta e, por extensão, da audiência. Carey Mulligan dá a mesma entrega que Fassbender e impõe a sua presença no ecrã com primor. É especialmente fantástica numa cena num bar em que canta o clássico tema “New York, New York”.

Steve McQueen não é um homem de pudores e mostra-o claramente na forma como filma Vergonha. Fá-lo quase como uma afronta ao espectador, como um desafio. Impõe o seu método logo nas primeiras cenas para que não haja dúvidas de que será assim através de todo o filme. Mas é colocando logo as suas armas à vista que McQueen evita polarizar a sua audiência e perturbar mais adiante em cenas mais duras – já não surgem com surpresa ou embaraço.

Os planos contínuos de imagem, nomeadamente quando Fassbender corre através da cidade, estão belissimamente conseguidos. Os diálogos ininterruptos, sobretudo entre Fassbender e Mulligan, são de louvar. Vergonha resulta no fim numa película estupenda, ainda que, depois de o ecrã ficar preto, a audiência fique num sentimento de incerteza e incompreensão sobre a verdadeira intenção de McQueen. Mas essa é a grande força do filme: não há nenhuma intenção – há apenas um retrato, um problema e um protagonista, tal como na vida de cada um.        

CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


Trailer:


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