sábado, 8 de novembro de 2014

Filme: Interstellar (2014)

Tecnicamente assombroso e a espaços inigualável, Interstellar é um filme ambicioso, de grande escala, que continua o estado de graça de Christopher Nolan, mesmo que não atinga todo o potencial prometido.  

Num futuro próximo, a população humana passa por grandes apertos. A fome abunda, pragas espraiam-se e o ar é cada vez mais irrespirável. Quando certo dia Cooper (Matthew McConaughey), um antigo piloto da NASA que agora se dedica à agricultura, dá ouvidos à sua filha Murph sobre fenómenos estranhos que acontecem no seu quarto, Cooper descobre uma missão secreta dos seus antigos empregadores para salvar a humanidade, uma que o levará a atravessar o espaço e a enfrentar inesperados perigos e sacrifícios.

Christopher Nolan provou e continua a provar que não gosta de histórias fáceis. Se se excluir a trilogia O Cavaleiro das Trevas onde Nolan se rende de certa forma ao facilitismo da banda-desenhada – não poderia ser de outra forma –, os projectos originais do realizador britânico, de Memento a A Origem, têm sempre presente o desafio racional de obrigar a pensar na narrativa, nas suas premissas, nos seus desenvolvimentos e nos seus nem sempre óbvios desfechos. A capacidade de Nolan para fazer o espectador sair do cinema com a cabeça à roda, embrulhada em questões, é ímpar no panorama cinematográfico actual. Concorde-se ou discorde-se com parte ou mesmo com todo o filme, nenhum espectador se exonera totalmente do exercício de reflexão que a narrativa exige, por vezes se calhar até contra a sua própria mensagem e ideia. Como não poderia deixar de ser, Interstellar rege-se pelas regras deste habitual enquadramento de Nolan.

Inspirada nas teorias do físico Kip Thorne, que trabalhou como consultor científico e como produtor executivo no filme, a história de Interstellar coloca a humanidade no seu limite, num futuro próximo em que os recursos se esgotaram e a humanidade se definha. Lutando diariamente pela sobrevivência e pela continuidade, Cooper e a sua filha Murph deparam-se com uma anomalia gravitacional, um fantasma para Murph, que os leva a descobrir uma missão secreta da NASA para encontrar novos mundos passíveis de colonizar e de assim salvar a humanidade. Embora o terrível sacrifício de deixar a sua família para trás e correndo o risco de não voltar a vê-la, Cooper aceita liderar a missão pelo simples instinto de protecção dos seus filhos. O amor de Cooper pela sua família, e por Murph em particular, é o grande motor do filme. Numa narrativa que se preenche de ciência e de fenómenos incríveis, por vezes numa toada expositiva difícil de acompanhar, é uma decisão corajosa que o principal elemento seja o mais inquantificável de todos. Algures no infindável e escuro espaço ou num planeta estranho e inóspito, a salvação da humanidade não reside na ciência. Não verdadeiramente. Reside na força quase inconcebível que um pai tem para proteger os seus filhos e nos esforços impossíveis que corporizará para assegurá-lo.

Por seu pecado, Christopher Nolan nem sempre lida da melhor forma com esta componente menos científica do seu argumento, que assina com o seu irmão Jonathan Nolan. Por vezes passa a ideia de algum desconforto neste tema e por vezes trata o material de uma forma mais expositiva e menos visual do que o desejável. Vale-o o elenco seguro e extremamente competente capaz de passar as mensagens mais corriqueiras e estranhas de um modo natural. Quaisquer que sejam as suas falhas, Nolan compensa-as com panoramas e sequências visuais e sonoras perfeitamente deslumbrantes – a música de Hans Zimmer acompanha Interstellar com o habitual rigor do compositor alemão. Na técnica, poucos chegam perto de Nolan na actualidade. As inspirações de filmes como 2001: Odisseia no Espaço são evidentes. Nolan não se acanha desta comparação e planos existem que constituem uma verdadeira homenagem ao clássico de Kubrick. A forma como a narrativa tenta atingir algo de metafísico, como alude sempre ao transcendente, é outro exemplo, embora aqui com numa nuance diferente e eventualmente menos inteligível. Quiçá o foco na ciência, nas suas terminologias e formulações teóricas se amplifique em excesso. O truque para entranhar e usufruir da melhor forma de Interstellar, pelo menos na sua primeira visualização, é não considerar demasiado a ciência, a sua lógica e as suas incongruências. Tal deve ficar para depois, após a visualização, no tal momento em que Nolan faz o espectador sair do cinema com a cabeça à roda, embrulhada.

Interstellar é o filme mais ambicioso de Christopher Nolan, mas não é, discutivelmente, o seu melhor ou a sua definidora obra-prima. Essa ainda estará para vir. Como se apresenta, Interstellar coloca-se lado a lado com a obra do realizador britânico, obra que até agora ainda não conheceu nenhum passo em falso. Talvez nunca venha a conhecer.

CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


Trailer:




1 comentário:

  1. Adorei o filme, como diz na critica e bem, saímos do cinema com aquela sensação de "confusão" mas de querer perceber certas logicas/liguagem de fisica que o filme nos transmite (e muito!).
    O filme leva-nos para lugares nunca antes explorados, mas que são completamente aceitaveis de os entender se tivermos uma mente aberta.
    Infelizmente não vi a versao IMAX, mas mesmo a "normal" tem momentos sonoros de cortar a respiração e de ficar com o nó na garganta.

    Para mim um 4,5 quase 5*

    Parabens pelo site, nao sou de comentar mas venho aqui muitas vezes orientar-me ;)

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