sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Filme: O Quinto Poder (2013)

Embora com Benedict Cumberbatch em bom plano, O Quinto Poder falha em quase todas as linhas, incapaz de criar uma identidade própria e de sobreviver à mediocridade da direcção de Bill Condon.

Em 2010, uma nunca antes vista fuga de informação de arquivos classificados norte-americanos faz furor e tumulto pelo mundo inteiro. Publicados por alguns dos maiores jornais do mundo em parceria com o website Wikileaks, os mais polémicos relatos da guerra no Afeganistão provocam uma crise diplomática. Por detrás de toda controvérsia encontra-se Julian Assange (Benedict Cumberbatch), o fundador do Wikileaks, um homem com uma sede insaciável pela verdade. O ego de Assange, e a sua relação autoritária com os seus parceiros, e em particular com Daniel Domscheit-Berg (Daniel Brühl), pode por em causa todo o esforço realizado.

A melhor forma de começar a resenha de O Quinto Poder é pelo que consegue nos minutos finais: um momento de autoconsciência e auto-depreciação em que Assange, numa pretensa entrevista no seu exílio, comenta desdenhosamente a própria existência de O Quinto Poder. É um raro momento de inteligência e humildade que sugere uma tónica redentora deste projecto de Bill Condon, mas que funciona para acentuar e agravar os problemas de andamento, montagem e péssima exposição que antecedem esta espécie de defeituosa catarse moral. O Quinto Poder nunca arrebata o espectador dos seus pés, nem nunca o deixa descansar. Deixa-o pela grande parte num estado de desconforto e latência, bombardeando-o com uma narrativa em moldes psicadélicos, brusca e desprovida de foco, sob uma enervante banda sonora.               

Grande parte do problema de O Quinto Poder, adaptado por Josh Singer da biografia Inside WikiLeaks: My Time with Julian Assange and the World's Most Dangerous Website do próprio Daniel Domscheit-Berg e do livro WikiLeaks: Inside Julian Assange's War on Secrecy de David Leigh e Luke Harding, é a falta de percepção e escolha. São poucos os filmes que podem ficar num campo neutro; ainda menos os que o conseguem. O Quinto Poder não é de todo um deles. Querendo mostrar todas as perspectivas em jogo e não se atrevendo a se colocar do lado de nenhuma delas, O Quinto Poder acaba por pouco mostrar, por se perder no meio e por se reduzir à indesejável insignificância. Bill Condon não quer pintar Assange de heroísmo ou monstruosidade, a América de culpa ou desculpa. E como uma casa que não é pintada, O Quinto Poder apresenta-se frio, desconfortável e abandonado, como algo não totalmente concretizado.

A espaços, O Quinto Poder parece querer tirar uma A Rede Social da cartola, colocando Daniel ao lado de Assange da mesma forma que David Fincher colocou Eduardo Saverin ao lado de Mark Zuckerberg. Tal como em A Rede Social, a frutuosa relação entre os dois grandes pilares do respectivo website toma um caminho negro, com o fundador a prevalecer sobre o parceiro. Mas enquanto em A Rede Social a narrativa encontra-se exemplarmente estruturada e justificada, em O Quinto Poder a narrativa é convoluta, impaciente e pouco comprometida, em que o lado individual, essencial em A Rede Social, se encontra pobremente trabalhado, apresentando-se num estado quase embrionário.      

A direcção de Bill Condon é escassamente sofrível, tal como é a primeira metade do filme. Desde bem cedo, desmorona-se a ideia de que O Quinto Poder se transforme algures num bom filme. Efectivamente, nunca acontece, embora a segunda metade, se se sobreviver à atrocidade da primeira, mais focada e amansada, consiga dar meia volta e produzir algum verdadeiro interesse. O grosso da melhoria é atribuível a Benedict Cumberbatch, que, ainda que nunca tenha espaço para reflectir optimamente o carácter de Assange e da sua cruzada, rouba a atenção a cada segundo que surge no grande ecrã. É lamentável que a direcção à volta de Cumberbatch nunca se aproxime do seu empenho, da sua qualidade e da sua devoção; neste que deveria ser o ano da sua completa afirmação, Cumberbatch vê-se mergulhado num trabalho ingrato que pode provocar fracturas na sua carreira em ascensão. 


O restante elenco não está mal e oferece alguma entrega aos respectivos papéis. Daniel Brühl, depois de Rush – Duelo de Rivais, volta a estar em bom plano. A fotografia de Tobias Schliessler é interessante, bem como um ou outro aspecto da produção. O insucesso de O Quinto Poder é globalmente atribuível ao péssimo trabalho de Bill Condon, que após o seu serviço na malfadada saga Twilight há-de ter-se esquecido de como contar histórias sérias. Quando o principal tema em causa é a maior fuga e publicação de informação classificada da história, o tratamento cinematográfico merecia ser tão sensível quanto o tratamento dessas matérias polémicas.

CLASSIFICAÇÃO: 1,5 em 5 estrelas


Trailer:

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