quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Filme: Blue Jasmine (2013)

Blue Jasmine é o regresso de Woody Allen à boa forma. A sua caricatura social ganha outra camada com Blue Jasmine, onde apresenta uma personagem desequilibrada e moralmente comprometida interpretada de forma brilhante por Cate Blanchett.

Jeanette “Jasmine” Francis (Cate Blanchett) caiu na desgraça. O seu marido Hal (Alec Baldwin) foi apanhado em negócios ilícitos e toda a vasta fortuna do casal Francis foi apreendida pelas autoridades. Aparentemente recuperada de uma profunda depressão, Jasmine viaja para São Francisco para viver temporariamente com a sua irmã Ginger (Sally Hawkins) e recomeçar a sua vida. Contudo, habituada às mordomias e progressivamente desgostosa, a nova vida de Jasmine em São Francisco não será nada fácil.

Enquadrando em pouco minutos e com poucas falas, nos seus habituais planos cénicos, a premissa da sua história, Woody Allen introduz Blue Jasmine como uma sarcástica admiração da riqueza descontrolada e da superioridade falsa. Jasmine, ou Jeanette, não é a habitual musa em quem muitas vezes Woody Allen deposita os seus desejos; é, se de todo alguma coisa para o realizador americano, uma antítese dessa representação costumeira: é uma mulher que não inspira, profundamente embrulhada na decepção, na inconformação e na depressão. Não há dúvidas de que o caminho de Jasmine, descendo à terra, não será feliz; não se estaria a discorrer sobre Woody Allen se se esperasse outro desfecho. O importante aqui é a jornada, compreender nos pequenos detalhes o âmbito da caricatura social.

E assim Jasmine é desde logo introduzida na amplitude das suas fraquezas, entre o consumo excessivo de álcool e o vício desmesurado por auto-medicação. Aqui contrasta com Ginger, a sua irmã adoptiva, alguém que, acostumado às penúrias da vida, deve passar por um igual estado de transformação, mas com resultado distinto. Entre Jasmine e Ginger é criada uma dicotomia social; mesmo que a pobreza que atinge Jasmine coloque as irmãs ao mesmo nível, as diferenças não se erodem: acentuam-se. Ao mesmo tempo, é estabelecida na confusa mente de Jasmine outra dicotomia: entre o seu estado de profusão em Nova Iorque e o seu estado de ampla privação em São Francisco. Se com a primeira dicotomia Woody Allen pretende dissertar sobre as pequenas decisões que tornam dois caminhos inicialmente comuns tão distantemente discrepantes, com a segunda, repousada na insanidade mental de Jasmine, pretende dissertar sobre os grandes abalos, capazes de mudar uma vida inteira, sentidos por grandes decisões. E em bom woodysmo, a grande decisão de Jasmine é puramente sentimental, desapegada de razão ou altruísmo, consequente do ciúme e do rancor. 

Depois de um Para Roma com Amor desinspirado e periclitante, Woody Allen volta a construir um argumento convicto e com valor, com óbvia mais-valia. O argumento não é isento de alguns exageros, maioritariamente relacionados com a personagem estereotipada de Chili e com os seus amigos; todavia, por esta altura, qualquer exagero de Woody Allen é mais mania do que desacerto, e, como tal, deve-se alguma indulgência. Blue Jasmine, além do favorável argumento, conta com um elenco empenhado e competente, onde o destaque é todo de Cate Blanchett, brilhante actriz que parece incapaz de se apresentar mal. Cate Blanchett é verdadeiramente excepcional, criando e desconstruindo uma Jasmine ociosa, egocêntrica e elegantemente desequilibrada, em quem a beleza externa dissimula uma grande pobreza de espírito.


Blue Jasmine, feito de encontros e coincidências, não é inteiramente linear e a abordagem não engloba um necessário princípio, meio e fim. É como uma fotografia instantânea de alguém que estava ilegitimamente no topo do mundo e que, ante a queda, se deixa cair de braços afastados, como se ainda lá em cima estivesse a demonstrar a sua superioridade. Ninguém melhor do que Woody Allen para capturar e transmitir visceralmente a queda.   

CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


Trailer:

1 comentário:

  1. Fui ver ontem e gostei bastante. Concordo realmente com tudo o que foi dito no post e gostei especialmente de todas as dicotomias ao longo do filme. Cate Blanchett esteve impecável.

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