domingo, 21 de dezembro de 2014

Filme: O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos (2014)

Na sua última viagem pela Terra-Média, Peter Jackson encerra em grande a sua trilogia. Com emoção e acção, O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos põe o perfeito ponto final na mais incontornável saga.

Depois de recuperar a Montanha Solitária, a Companhia de Thorin Oakenshield (Richard Armitage) assiste à destruição de Laketown pelo terrível Smaug. Sem a ameaça do dragão, a Montanha é alvo do desejo de muitos. Nas sombras de Dol Guldur, Sauron tenta o seu regresso com a conquista da Montanha. Legiões de orcs caminham para a batalha. No meio do conflito, Bilbo Baggins (Martin Freeman) poderá ser a resposta.

O que começou como projecto de Guillermo del Toro e acabou nas mãos de Peter Jackson, então produtor, após problemas de financiamento da MGM, acaba de forma intensa e explosiva num capítulo final que, partindo imediatamente para a acção com o ataque impiedoso de Smaug à vila pesqueira Laketown, encerra a aventura de Bilbo Baggins e conclui o prelúdio para a trilogia O Senhor dos Anéis. Se os capítulos anteriores sofreram de alguma maneira da necessidade de viagem de A para B, A Batalha dos Cinco Exércitos não precisa de partir para lado nenhum. Todas as peças estão no sítio certo. A companhia de Thorin Oakenshiled recuperou a Montanha Solitária e a sua missão é defendê-la. A imensa fortuna da Montanha que o dragão guardou durante tantos anos todos atrai.

Tomado pela ganância e pela vontade de ser Rei Debaixo da Montanha, Thorin precisa da Arkenstone, o Coração da Montanha que oficializará o seu poder. A progressiva alienação de Thorin enquanto a batalha eclode no exterior, perante o olhar incrédulo de Bilbo Baggins, é provavelmente o ponto mais deslumbrante do filme. Peter Jackson agarra nestes momentos para dar a alma que por vezes tem faltado à Companhia. No fim da trilogia perpetua a ideia de que muitos dos anões permanecem desconhecidos para a audiência, provavelmente sem uma única fala nas quase nove horas de interacção. Críticas sobejam sobre a decisão de Jackson para dividir um curto livro numa adaptação cinematográfica tão grande. Como um todo, a intenção de Jackson é compreensível. Talvez não fosse possível dar tanta ênfase ao mundo de Tolkien de outra maneira, às suas inúmeras personagens, criaturas e acontecimentos.

A principal critica a esta segunda caminha de Jackson pela Terra-Média tem sido o uso de CGI em grande escala. A Batalha dos Cinco Exércitos não é imune a esta tendência, mais ainda quando a ênfase do filme se concentra em torno de uma grande batalha com tão variadas criaturas em tão elevado ritmo. O efeito é particularmente visível, e inconveniente, quando o elfo Legolas entra em modo de combate, desafiando até a gravidade com a sua agilidade. Embora Jackson não use tantos efeitos práticos como anteriormente, particularmente na trilogia original, o neozelandês é contudo capaz de introduzir momentos de emoção e sinceridade, pautados pela distinta música de Howard Shore, entre as sequências que mais fazem abrir os olhos. É esta capacidade de Jackson que tem tornado o seu trabalho especial e único. Neste aspecto, A Batalha dos Cinco Exércitos superioriza-se aos seus dois antecessores.

Se dúvidas ainda houvessem de que Martin Freeman era o melhor Bilbo que poderia haver, o derradeiro filme da trilogia faz dissipá-las. Freeman encarna Bilbo com toda a humildade, acuidade e humor com que Tolkien criou e escreveu a personagem. Richard Armitage tem um efeito semelhante no papel de Thorin. Aliás, qualquer cena entra Freeman e Armitage faz remeter quase automaticamente para as palavras de Tolkien. Não poderia haver melhor elogio do que este para as suas interpretações. Por qualquer excesso que faça, Jackson nunca cometeu um erro no casting do seu elenco. Ian McKellen impressiona pela última vez enquanto o eterno Gandalf. Talvez nunca tenha havido uma personagem assim. Talvez nunca venha a haver. A Batalha dos Cinco Exércitos permite ainda um canto do cisne a Christopher Lee, Cate Blanchett, Hugo Weaving, Orlando Bloom e Ian Holm nos seus icónicos papéis, bem como ajuda a tornar memoráveis as recentes personagens de Evangeline Lilly, Luke Evans, Lee Pace e Aidan Turner. A inesperada surpresa do filme é discutivelmente Ryan Gage enquanto Alfrid, personagem criada pelos argumentistas que traz ao filme o elemento cómico e relaxante.                       


Terminando a sua jornada com a derradeira visita e olhar sobre o Shire e Bag End no seu epílogo, O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos liga esta trilogia à trilogia O Senhor dos Anéis da forma mais emotiva. Sabendo o que advém na linha temporal da Terra-Média, a sensação é avassaladora. A Terra-Média cinematográfica está provavelmente encerrada. Peter Jackson trouxe ao ecrã a saga mais vívida e fantástica do cinema. Agora, tudo o que temos de decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado… e revisitar é sempre uma hipótese, numa imersiva longa maratona de quase um dia. Valentes não faltarão.

CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Filme: Boyhood – Momentos de uma Vida (2014)

Meticulosamente realizado durante um período de doze anos pela incrível dedicação de Richard Linklater, Boyhood – Momentos de uma Vida é um coming-of-age como nunca visto. Um dos filmes do ano.

Mason Evans Jr. (Ellar Coltrane) e a sua irmã Samantha (Lorelei Linklater) vivem com a sua mãe Olivia (Patricia Arquette) no Texas. O pai, Mason Sr. (Ethan Hawke), separado de Olivia, vive e trabalha no Alasca. Sempre à procura do melhor para os seus filhos e para si mesma, Olivia anda de cidade em cidade, de trabalho em trabalho e até de casamento em casamento enquanto Mason Jr. e Samantha, sempre com um contacto próximo do seu pai, aprendem, crescem e tomam decisões.

O compromisso de Richard Linklater com uma produção de nada menos do que doze anos é notável. Por si só, este facto é suficiente para encher Boyhood – Momentos de uma Vida de obrigatoriedade de visualização. Afinal, o espectador não está meramente a acompanhar uma cópia dos vários anos por que a narrativa passa, reconstituídos por valores de produção precisos e louváveis; está literalmente a visualizá-los tal como eram, com os seus estilos, as suas modas, os seus pensamentos, uma janela para o passado raramente tão fidedigna, pois é ela própria parte desse tempo. Para alguém próximo da geração de Mason Evans Jr., o efeito é ainda mais avassalador. As experiências por que Mason passa, os jogos com que se entretém, as roupas que veste e até mesmo o lançamento mundial de um capítulo de Harry Potter, em livro, extravasam a fronteira cinematográfica para trazer à tona verdadeiras memórias.  

A incontornável beleza de Boyhood – Momentos de uma Vida não se fica, todavia, pelo período da sua produção. A narrativa que Richard Linklater desenvolveu e adaptou às circunstâncias do seu elenco e da sociedade em constante mudança é por si só meritória e digna das mais sinceras reflexões sociais no cinema. Nunca se viu nada assim. A história de Boyhood – Momentos de uma Vida é tão terra-a-terra, tão próxima das nossas próprias vivências e experiências, dos momentos bons e dos momentos maus. É impressionante a quantidade de pessoas com que alguém contacta num período de doze anos, que entram e saem de uma vida, essenciais a dado momento e completamente esquecidas noutro; no caso particular de um jovem na fase ascendente da sua adolescência, o efeito é ainda mais destroçador. Entristece e reconforta ao mesmo tempo. Tudo muda, nada é constante. A vida é isto mesmo. Momentos.

Ellar Coltrane pode ter demorado doze anos para ter a sua grande estreia – não contabilizando a participação fugaz em Geração Fast Food (também de Richard Linklater) e em três outras pequenas produções –, mas fá-la em grande. A forma como Manson Jr. literalmente cresce diante dos nossos olhos – a montagem de Sandra Adair executa a transição de planos (e de idades) de forma brilhante – torna a sua personagem única. Ellar Coltrane é provavelmente a revelação do ano. Talvez ninguém tenha evoluído tanto no cinema diante dos nossos olhos como o jovem actor; a sua capacidade e a sua qualidade de representação evoluem e amadurecem do início ao fim do filme, conforme também Ellar Coltrane cresce e amadurece. Importante ainda destacar as dedicações de Ethan Hawke e de Patricia Arquette, a última em particular pela personagem fidedigna que interpreta, em papéis soltos com (certamente) muitas oportunidades de improvisação. E ainda a de Lorelei Linklater, filha do realizador, no papel da irmã de Manson Jr. 


Richard Linklater pode muito perfeitamente ter em mãos o filme da sua carreira. Qualquer galardão que esteja no seu caminho será perfeitamente justificado, como o será para o próprio filme, realizado de forma independente e sem compromissos, com risco e coragem. Boyhood – Momentos de uma Vida mostra que a cega dedicação à arte cinematográfica não está perdida. Existe, continua a ser nutrida e produz resultados assombrosos. No caso de Boyhood – Momentos de uma Vida, prova-nos que uma história concretizada na medida e no tempo certos é potencialmente a mais cabal e a mais próxima do espectador e das suas vivências.

CLASSIFICAÇÃO: 5 em 5 estrelas


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