quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Filme: Até que o fim do mundo nos separe (2012)


O mérito de Até que o fim do mundo nos separe é a capacidade de passar uma visão optimista de um cenário tão pessimista e desastroso como o fim do mundo e de toda a vida, pontuado por duas performances fortes de Knightley e Carell.

Dodge Petersen (Steve Carell) é um vendedor de seguros que tenta lidar com a horrível notícia que abalou o mundo: o último esforço para desviar um asteróide de 100km da Terra falhou e o planeta será completamente destruído em apenas três semanas. A sua mulher abandona-o e Dodge continua a acordar cedo e a ir para o seu local de trabalho. Mas eis que surge Penny (Keira Knightley), vizinha do seu prédio, que lhe dará coragem para usar os últimos dias que restam para resolver erros passados. 
   
Inicialmente, após a notícia de que restam apenas três semanas, a vida continua num ritmo normal e discute-se como se passará os derradeiros dias com calma e mesmo alegria. Aproveita-se para fazer o que nunca se fez e sempre se desejou. Há lugar a desinibições e a inebriamentos. Todavia, Dodge não é capaz disso, recusando-se a aceitar que o fim está mesmo iminente. É Penny quem o salva: convence-o a procurar a sua primeira amada, lá dos tempos da escola, para que ele lhe possa dizer tudo o que ainda sente por ela. E depois é Dodge quem salva Penny, resgatando-a de uma relação calamitosa. Pelo caminho, cruzam-se com vários indivíduos, cada um deles encarando o fim de modo distinto: há o suicida, há os desinibidos, há os preparados, há os não preparados.

Conforme a viagem continua, Dodge e Penny aprendem mais um sobre o outro. E é com o fortalecer da reacção entre ambos que o filme se fortalece e encontra o pendor certo. É nessa altura que o espectador fica completamente embrenhado na vida restante destas duas personagens. Os bons desempenhos de Carell e Knightley são essenciais para cativar a atenção e disfarçar um problema, de outro modo grave, de Até que o fim do mundo nos separe: o enredo raramente parece ter um rumo certo e volta muitas vezes atrás sem justificações convincentes ou sensatas. Mas, se calhar, até certa medida, a própria indecisão do enredo reflecte a indecisão destes indivíduos que encaram o fim de tudo o que conhecem.

Até que o fim do mundo nos separe não se preocupa em fazer levantamentos políticos, religiosos e morais da iminente tragédia, mesmo que aqui e ali faça breves referências a anarquias e deslealdades. Não é o típico filme de desastres. O cenário que cria é de relativa paz, tranquilidade e positivismo, focado na última jornada de duas personagens tão diferentes uma da outra. É um drama disfarçado de comédia e nem o primeiro é excessivo, nem a segunda é exagerada – é este equilíbrio que torna o filme especial. E quando o fim chega – não há dúvidas de que não chegará; não há nenhuma salvação Deus ex machina – a sensação é de ânimo e satisfação.

CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas

Trailer:



quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Filme: O Cavaleiro das Trevas Renasce (2012)


O Cavaleiro das Trevas Renasce alarga a mitologia de Batman e conclui a trilogia num espectáculo sublime. É o filme a superar no género, mesmo que não supere completamente o seu predecessor. Mais do que outro capítulo de Batman, é o final merecido para o grande empreendimento de Christopher Nolan.

Oito anos depois dos actos de Joker em O Cavaleiro das Trevas, Batman e Bruce Wayne (Christian Bale) continuam ausentes das sombras e dos holofotes de Gotham. Na celebração do dia de Harvey Dent, Selina Kyle (Anne Hathaway) precipita um conjunto de movimentações que levará Wayne a encarnar novamente Batman e a investigar a emergência de um exército subterrâneo liderado pelo impiedoso mercenário Bane (Tom Hardy), encaminhando Wayne ao seu maior desafio, não só como Batman, mas como Bruce Wayne ele próprio.   

Uma das grandes razões por detrás do sucesso das primeiras entradas do universo de Batman de Nolan é o elenco de luxo envolvido. As personagens antigas regressam com a distinção anterior e voltam a cativar com momentos memoráveis. Em particular, Christian Bale consegue a sua melhor performance enquanto o bilionário Wayne e o mascarado Batman. Se no segundo filme Bale afasta-se para um lugar mais à sombra perante a performance célebre de Heath Ledger, agora toma o destaque principal, e também a maior menção. Envolve Wayne/Batman numa carga dramática notável antes apenas aludida. As novas personagens são admiráveis o suficiente para deixar uma marca na trilogia. Bane não só é fisicamente intimidante como a sua mente criminosa é monstruosa. É o derradeiro desafio de Batman, a todos os níveis - Batman foi desenvolvido nas sombras, mas Bane nasceu lá. Hardy emprega uma voz pronunciada ao vilão que o torna intrigante, mas o seu êxito é na expressão corporal, nomeadamente dos olhos – por ali passa grande parte da sua força dramática. É um mercenário que não faz o que faz pelo dinheiro, mas por uma forma deturpada de justiça, levando uma sociedade inteira ao limite da decadência no processo. Hathaway é a melhor Selina Kyle/Catwoman a encantar o ecrã. Esfuma quaisquer dúvidas que houvesse da sua capacidade de metamorfose – alterna entre a aparentemente frágil Selina Kyle e a perigosa e ambígua Catwoman com facilidade. As personagens de Joseph Gordon-Levitt e de Marion Cotillard também não podem ser esquecidas, ainda que não deixem uma impressão tão marcada. E bem assim todos os outros actores e respectivas personagens (não se pode jamais esquecer Michael Caine enquanto a voz da razão Alfred Pennyworth).

Em Batman – O Início, o realizador Christopher Nolan arriscou ir aonde nunca nenhum outro realizador tinha ido: tornar um herói de banda-desenhada num herói plausível e justificável numa sociedade moralmente decadente. Em O Cavaleiro das Trevas foi ainda mais longe e condicionou incontornavelmente futuras adaptações cinematográficas de heróis de banda-desenhada. O impacto do seu trabalho no universo de Batman é, por exemplo, claramente observável no recente reboot de Homem-aranha. Nolan estica ainda mais a sua visão em O Cavaleiro das Trevas Renasce, terminando a trilogia numa nota positiva que trilogias passadas não conseguiram. O grande sucesso de Nolan é, provavelmente, a sua capacidade para ver o fim nas coisas. Nunca pretendeu espremer a vaca leiteira até ao exequível e manteve sempre no horizonte um fim para o universo de Batman. O Cavaleiro das Trevas Renasce é um claro e coerente fim de ciclo, funcionando de certo modo como o cimento agregador dos blocos depositados nos dois primeiros filmes. O que resulta no fim é um empreendimento esplêndido e louvável, e também um grande fardo para o realizador que aceitar o reboot de Batman no futuro.  

O Cavaleiro das Trevas Renasce não é, porém, um filme perfeito e, ao contrário de O Cavaleiro das Trevas, não tem vida sozinho sem os outros dois filmes. É uma extensão destes dois, de quem depende para ter sentido. Aliás, o não visionamento prévio das entradas anteriores da trilogia deixará o espectador à deriva durante algum tempo. Mas mesmo sem tal visionamento prévio, não se deixará de maravilhar com a grande escala e energia pulsante do enredo. Enredo que, apesar de complexo e inteligente, não oferece a mesma tensão e surpresa d’O Cavaleiro das Trevas. Demora, talvez, demasiado a tornar-se claro, em particular no estabelecimento das novas personagens e motivações – a primeira metade constitui quase somente alicerces para a segunda, mas é um mal necessário para o grande último acto.

Os valores produtivos são exímios, tal como Nolan já nos habituou. As questões morais da sociedade são novamente relevantes, em particular a anarquia que Bane representa numa forma mais política que a de Joker, envolvida na luta de classes (nos “99%” vs os “1%”). Com momentos grandiosos, O Cavaleiro das Trevas Renasce cumpre as expectativas sem ultrapassá-las e faz o necessário para tornar a trilogia de Batman de Nolan inesquecível. Difícil mesmo será renascer este herói de banda-desenhada numa adaptação futura com a mesma inovação e importância. 

CLASSIFICAÇÃO: 4,5 em 5 estrelas

Trailer: